Nunca estive em Alepo. Nem vou estar. Alepo deixou de ser, deixou de existir. Passou de cidade a inexistência, recordação de vidas perdidas, um pedaço de terra com cheiro a bombas e a morte. Alepo é hoje o exemplo agonizante de um mundo capaz de partilhar indignação nas redes sociais, mas incapaz de se mobilizar globalmente.

As imagens e os relatos carregam dor suficiente para que milhões de pessoas em todo o mundo se devessem sentir obrigadas a transportar uma mensagem clara para todos os dirigentes políticos: o que se passa em Alepo é medieval, é uma das maiores catástrofes humanitárias das últimas décadas, um crime que teremos de explicar às gerações seguintes, sem esconder as culpas que todos – por omissão – também carregamos.

Anuncia-se agora a ofensiva final do governo sírio e um derradeiro banho de sangue, mas nessa caminhada longa e selvagem já foram apagadas milhares de vidas e destruídos sonhos e famílias. Mais do que isso, a queda de Alepo fez cair também uma geração inteira. E não falo apenas dos que morreram, mas também daqueles que vão crescer traumatizados, desamparados e agarrados ao ódio e à violência.

Na cabeça de alguns, provavelmente daqueles que votam – ou votariam, se pudessem – em Donald Trump ou Marine Le Pen, o mundo deveria estar dividido em gavetas: “eu e os ‘meus’ no topo”, “os meus aliados e amigos nas gavetas ao lado”, os “outros, os que estão longe (na geografia, na religião, nos valores culturais), podem ficar numa gaveta funda, lá longe, podem sofrer escondidos, podem morrer sem que alguém se importe”.

A verdade é que não seremos assim tão poucos a sentir que aqueles que sofrem em Alepo, que aqueles que morrem no Mediterrâneo, que aqueles que desesperam em campos de refugiados em plena Europa (!), não são muçulmanos, não são sírios, não são iraquianos.

São nossos compatriotas, nossos iguais, partilham connosco esta imensa nação que é a Humanidade. Assim, em caixa alta. Porque se deixarmos de ser Humanos, se deixarmos de sentir que fazemos todos parte da mesma Humanidade, então nada temos a ensinar às gerações seguintes.

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