Abel Mateus defende choque fiscal e redução da despesa corrente primária

por Lusa
Abel Mateus defende choque fiscal e redução da despesa corrente José Sena Goulão - Lusa

O economista e ex-presidente da Autoridade da Concorrência, Abel Mateus, defende um choque fiscal e uma redução da despesa corrente primária, considerando que a prioridade do Governo deve ser pôr o país a crescer.

É preciso um tipo de políticas diferentes. Sem haver crescimento económico não é possível resolver os problemas e as ansiedades com que o país se confronta neste momento”, disse à Lusa.

Para o economista, que foi diretor executivo do Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento e administrador do Banco de Portugal, há “uma atitude geral, que foi acentuada pela pandemia, de grande intervenção do Estado na economia”.

Este intervencionismo do Estado tem de ser retirado para que haja um maior dinamismo da iniciativa privada e empresarial. E aí começa um problema que Portugal tem, que é o nível de impostos que todos pagamos: as empresas, as famílias, etc”, vinca.

Abel Mateus, que é atualmente presidente do conselho consultivo da SEDES - Associação para o Desenvolvimento Económico e Social, explica que a instituição tem feito uma reflexão sobre as reformas necessárias para alavancar o crescimento do país.

Essas reformas começam, do nosso ponto de vista, por uma redução das taxas de imposto para dar um choque fiscal e permitir que as empresas tenham mais lucros para reinvestir e permitir que as pessoas tenham maiores incentivos para trabalhar, para poupar e investir”, afirma, ainda que tal implicasse uma redução das receitas fiscais.

O economista recorda que o fim da suspensão da disciplina orçamental de Bruxelas termina em 2023, pelo que será necessário reduzir a carga da dívida.

“Isto significa que só há uma alternativa que é reduzir também a despesa corrente primária. Essa redução poderá ser uma redução de alguns pontos percentuais (pp.). Dois pp. no curto prazo, mas se a economia começar a crescer 3% ou 3,5% ao ano imediatamente se repõe o bolo que está disponível para o Estado para gastar. Portanto, é preciso fazer alguns sacrifícios no curto prazo para ganharmos fôlego para um crescimento mais rápido”, vinca.

Estancar a despesa e reduzir a dívida

Defende, assim, não ser “possível continuar a aumentar a despesa corrente primária com baixo crescimento e agora com o retorno da disciplina orçamental”, justificando que com ausência de crescimento “não há possibilidade de a economia poder reduzir substancialmente a dívida e ao mesmo tempo aumentar o rendimento das pessoas”.

A redução da dívida é inevitável por causa da disciplina orçamental. Não temos outra saída. Portugal, depois da Grécia e da Itália, somos o país mais endividado da Europa e, portanto, se não reduzirmos a dívida isso poderia provocar uma nova crise financeira se houvesse um abalo no sistema monetário internacional, o que é possível com os enormes riscos geopolíticos que pairam sobre os países europeus e países desenvolvidos nos próximos anos”, assinala.

Questionado sobre a proposta do Orçamento do Estado para 2022 (OE2022), Abel Mateus afirma: “O que acontece em muitas destas políticas e orçamentos é distribuir migalhas por uma série de grupos e de políticas, em vez de nos concentrarmos naquilo que é fundamental, que é, por exemplo, melhorar a qualidade da educação, melhorar a produtividade das empresas, estimular a produtividade”.

Ainda que se revele confiante na recuperação da economia portuguesa prevista para este ano, o economista alerta para as cicatrizes deixadas pela pandemia.

Segundo as minhas estimativas, a pandemia deve ter custado ao país cerca de 40 mil milhões de euros, se formos considerar as projeções que tanto a Comissão Europeia, como outros organismos têm antecipado para a trajetória nos próximos anos de Portugal”, calcula, recordando a produção perdida devido aos confinamentos e à situação internacional.

Questionado sobre o risco de estagnação da economia portuguesa no médio prazo sublinha que “em Portugal, nos últimos 15 anos ou 20 anos, a trajetória de crescimento tem sido à volta de 1,5%/1,7% ao ano, o que é ligeiramente abaixo da média europeia, mas infelizmente bastante abaixo dos países da Europa de Leste, que muitos deles nos têm ultrapassado e continuarão a ultrapassar” se se continuar “nesta trajetória de crescimento a médio e longo prazo”.

As pessoas ficam embaladas agora com estes números de 4%, 5% ao ano, mas não querem dizer nada. Apenas os temos de contrastar com a queda que houve anteriormente”, frisa.


Subida do salário, a inflação e dependência externa

O economista classifica como "desadequada" a definição de metas para a subida do salário mínimo nacional, defendendo que os salários só podem subir com um aumento da produtividade.

"Acho que é uma perspetiva errada esta política que parece que estar a pegar na moda de que é preciso subir os salários. Os salários não podem subir se não aumentar a produtividade, porque senão vamos novamente reduzir a capacidade das empresas investirem e inovarem", disse Abel Mateus.

O ex-presidente da Autoridade da Concorrência acredita que os próximos anos serão marcados por uma inflação elevada, alertando para o impacto de uma subida demasiado rápida das taxas de juro, caso o BCE demore a agir.

"Estas taxas de inflação saem completamente fora dos mandatos que são dos bancos centrais, de manterem a inflação abaixo dos 2%. Muitos destes bancos centrais e os mercados continuam a apostar que é um fenómeno que vai ser sobretudo acentuado no primeiro semestre de 2022 e que depois vai desacelerar. Não estou tão otimista", disse.

Abel Mateus revela-se apreensivo com a dependência europeia do gás russo, não antevendo uma solução no médio prazo.

"Esta dependência da Europa do gás natural russo é algo extremamente complicado, que está a ser utilizado pela Rússia não só em termos de subida de preços, mas também em termos políticos e geoestratégicos", afirma.

O atual presidente do conselho consultivo da SEDES -- Associação para o Desenvolvimento Económico e Social considera que este é "um problema gravíssimo", para o qual não antevê "solução no curto, nem no médio prazo, porque é um problema de 10, 15 anos e a Europa ainda não pensou como é que vai resolver a questão".
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