Corrida de burros ajuda a proteger espécie em vias de extinção

por Nuno Patrício, Pedro A. Pina - RTP
Uma criança experimenta uma volta no circuito da corrida de burros Pedro A. Pina - RTP

Está tudo a postos para mais uma festa no lugar de Cidade, bem no coração da Serra do Bouro, junto às Caldas da Rainha. Este ano há mais uma corrida. Depois dos caracóis em 2016, seguem-se em 2017 os também populares burros.

Já classificados como animais em vias de extinção, em território português, os burros (Equus africanus asinus) , também designados por asnos, são uma subespécie de mamíferos perissodáctilos utilizados desde a Pré-História como animais de carga.

Conhecida pela teimosia, geralmente peluda, pachorrenta e com muita força, esta espécie animal foi dada como domesticada cerca de 5000 a.C, praticamente ao mesmo tempo que os cavalos. Desde então, têm sido utilizados pelos homens como animais de carga e montaria.



Atualmente e com a evolução da maquinaria esta espécie foi perdendo a mais-valia que era na agricultura e no transporte doméstico, sendo ainda os mais velhos os poucos detentores destes animais em vias de extinção.
Uma corrida para lembrar o passado
Todos os anos, a seguir à Pascoa, o pacato lugar de Cidade, localizado na Serra do Bouro, a cerca de dez quilómetros das Caldas da Rainha, realiza a tradicional festa em honra de Nossa Senhora dos Mártires, padroeira da região. Um evento organizado pela coletividade da aldeia, que atualmente conta com cerca de 400 habitantes. Este ano, as festividades irão realizar-se entre os dias 21 e 25 de abril e contarão com um evento especial.



José Henriques, um dos moradores, reformado agora com 68 anos, olha com desconfiança “esta coisa” de fazer uma corrida com burros.

“Isto é muito pacato, mas não quer dizer que não haja animação. Há alguns bailes, almoços, aqui na associação, festas de Natal para as crianças e este ano parece que vai haver uma corrida de burros. Vamos a ver”, diz o senhor José, ainda desconfiado.

“Antigamente, na aldeia, cada família tinha um burro em casa para ajudar no campo e nas tarefas agrícolas, agora acabou e é mais difícil encontrar burros na zona”.

Com pouco mais de 18 quilómetros quadrados de área e cerca de 700 habitantes, a freguesia de Serra do Bouro é a menos populosa do concelho de Caldas da Rainha.



Junto à associação local, José Martins, também ele residente e reformado, explica que foram muitos os que viu partir de Cidade. Aos poucos, surgem novos habitantes, mas a grande maioria é estrangeira.

“A Serra do Bouro chegou a ter mil e tal habitantes, hoje quanto muito tem 300 ou 400. A vida de antes não se pode comparar. Antigamente, toda a gente era pobrezinha, havia mais vida. Era outra coisa, toda a gente se conhecia”.

“Agora há aí franceses, ingleses, holandeses, estão aí a comprar as casas que estão vazias, mas isso não traz para a aldeia. Eles estão com eles e nós connosco. Eles estarem cá ou não estar é igual”, acrescenta.
"Juntar as pessoas"

Bruno Pereira, um dos organizadores desta festa, refere que é ainda a boa vontade de alguns moradores locais que consegue mobilizar as gentes para a realização de tais eventos.

“Este tipo de festas é praticamente a única forma de juntar as pessoas, animá-las, com bailes. São cinco dias em que promovemos, além dos bailaricos, a tradicional procissão com andores enfeitados”.



“Depois de o ano passado termos realizado uma curiosa corrida com caracóis, a subir por uma cana borrifada com água, este ano a organização optou por uma corrida ligeiramente mais rápida, agora com burros”, explica. 
O "burródromo"

Haverá dez burros à disposição dos mais atrevidos, que vão competir num “burródromo”, uma pista de terra batida, oval, com alguma inclinação e cerca de 100 metros.

É também uma forma de mostrar aos mais novos o que são e para que serviam os burros. Os mais animados foram os mais velhos.

Belarmino Figueiredo, proprietário dos burros, explora uma pequena quinta perto de Alcobaça, onde tem cerca de 30 destes animais em vias de extinção. "Antigamente, quem tinha burros usava-os para trabalho, hoje em dia é para lazer", explica. 



Penduradas ainda na varanda da associação, algumas mulheres viam ao longe a chegada dos burros e contavam histórias de infância.

“De um lado do alforge ia a pedra, do outro ia eu, a caminho da praia. Bons tempos”, referia Fátima, em conversa com a amiga Maria.

Conversa puxa conversa, Maria afirmou: “Eu era gémea. Eu e o meu irmão íamos montados na burra, cada um no seu cesto. Tu pelos vistos és irmã de uma pedra (risos)”.

Mas se os sorrisos estavam estampados no rosto dos mais velhos, as crianças saltavam de alegria e queriam ver os burros mais perto.

Os pais incentivavam, mas os mais pequenos, pouco habituados a estes “estranhos animais, parecidos com os cavalos”, mais pequenos e muito peludos, não se aproximavam.

A mais destemida foi Helena Stroo Cloeck, de dez anos, filha de um casal de holandeses que veio para a terra há cerca de uma década. Esta foi a primeira vez que montou um destes pachorrentos animais.

“Gostava de ter um burro e muito”, disse, exprimindo um sorriso.

Interrogada sobre as atividades destes animais, Helena não hesita: “Traziam comida, transportavam as pessoas numa carroça e serviam para a agricultura. Agora servem para fazer corridas”.

Mas se as crianças se sentem felizes, os adultos perdem a vergonha e também querem experimentar, como Conceição Domingos, que habitualmente está atrás do balcão da sociedade local.

De chapeu à cowboy na cabeça, dona São, como é conhecida na aldeia, mostra-se muito animada com a chegada dos animais.

“Eu vinha brincar um bocadinho além de trabalhar, mas gostaria de dar uma volta.” E foi.

Chegada ao pé do animal, de chapéu em riste, com ajuda do dono dos burros, alça da perna e sobe.

“Olhe que não é assim que uma senhora monta”, alerta um dos senhores, “é de lado”.

Respondendo de pronto, dona São diz: “Era o que faltava. Isso era antigamente”.

A albarda, todavia, estava ainda meia solta. Não fora a ajuda pronta dos homens e teria caído redonda no chão.
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