Dezoito mulheres assassinadas em Portugal desde janeiro

por Cristina Sambado - RTP
Kim Kyung Hoon - Reuters

Entre 1 de janeiro e 20 de novembro, 18 mulheres foram assassinadas e 23 foram vítimas de tentativa de homicídio. Nota-se, no entanto, uma diminuição em relação aos anos anteriores. Nos últimos 14 anos, mais de 470 mulheres morreram na sequência de violência doméstica, segundo dados do relatório preliminar do Observatório das Mulheres Assassinadas.

“É o terceiro ano que registamos uma diminuição na incidência de femicídio (…) congratulamo-nos com o facto e achamos que é uma evolução muito positiva, mas ainda é cedo para falarmos de uma tendência”, avançou à Lusa a diretora da área de violência da União de Mulheres Alternativas e Resposta, Elisabete Brasil.

O relatório do Observatório das Mulheres Assassinadas (OMA) realça que “ao longo de 14 anos é o primeiro ano em que o OMA registou 18 assassinatos de mulheres em relações de intimidade e familiares próximos (…) se bem que este resultado seja ainda insuficiente para que possamos falar de uma tendência, esta diminuição é de congratular”.

“De qualquer forma, temos 18 mulheres assassinadas e é sempre muito, nem que fosse uma era sempre muito”, lastimou Elisabete Brasil. As relações de intimidade, presentes e passadas, representam 72 por cento dos femicídios noticiados.

Segundo o relatório, “o femicídio na sua forma tentada e consumada surge na maioria das vezes, como o culminar de uma escalada de violência perpetrada no seio de uma relação de intimidade, vivências relacionais que assentam numa lógica de poder e controlo estrutural que mantém as mulheres cativas em relações que as vitimaram de forma inesquecível ou que culminaram nas suas mortes”.

Das 18 mulheres assassinadas em 2017, 9 mantinham uma relação de intimidade com o homicida, quatro já se tinham separado, ou mesmo obtido o divórcio.

Três mulheres foram assassinadas por ascendentes diretos e duas por outros familiares.

O grupo etário que registou mais femicídios foi o das vítimas com idades entre os 54 e 64 anos de idade (45 por cento, o que correspondeu a oito mulheres). Segue-se a faixa etária entre os 36 e os 50 anos, que representaram 33 por cento, e das mulheres com idades superiores a 65 anos, com 22 por cento do total das situações.

Metade das mulheres assassinadas desde janeiro estavam empregadas, três estavam em situação de reforma, uma estava desempregada. Das restantes cinco, a OMA não tinha informação sobre a situação profissional. A média mensal é de 1,64 femicídios.

Os meses de abril e de novembro foram aqueles em que se registaram mais femicídios. Um total de três em cada um. Com dois casos refortados surgem os meses de janeiro, março, maio, julho e agosto. Em junho e em setembro a OMA não registou qualquer femicídio.

Na Região autónoma da Madeira registou-se o maior número de casos a nível nacional, com um total de cinco dos 18 casos. Segue-se o distrito do Porto com quatro femicídios. Com um caso estão os distritos de Aveiro, Braga, Bragança. Évora, Faro, Leiria e Viana do Castelo.

Desde janeiro, a OMA não têm registos nos distritos de Beja, Castelo Branco, Coimbra, Guarda, Portalegre, Santarém, Setúbal, Vila Real, Viseu e Região Autónoma dos Açores.A residência continua a ser o espaço onde ocorrem mais casos de femicídio, com 15 mulheres a serem assassinadas na própria casa. Três mulheres foram assassinadas na via pública.

Em relação à arma do crime, em seis casos foram utilizadas armas de fogo e noutros seis foi utilizada uma arma branca. Três mulheres foram vítimas de estrangulamento, uma foi asfixiada. Uma mulher foi agredida por um objeto. Num dos femicídios registados não foi possível apurar o meio empregue para o consumar.

A nove dos agressores a medida de coação aplicada foi a de prisão preventiva e a outro a prisão domiciliária. A três dos agressores a OMA não conseguiu identificar a medida de coação aplicada. Em cinco das situações, o homicídio foi seguido de suicídio.

A diretora da área de violência da União de Mulheres Alternativas e Resposta sublinha que é necessário "perceber que um agressor de violência doméstica é um indivíduo perigoso e que, em muitas das vezes, é capaz de matar”.
História de violência na relação
A OMA cruzou a incidência de femicídio com a presença de violência doméstica nas relações de intimidade e conclui que “56 por cento das mulheres (dez) foram assassinadas foi vítima de violência na relação”. Numa das situações não foi notificada a existência de violência doméstica na relação.

“Grande parte destas situações não surgem de forma isolada, elas surgem de uma relação que já era violenta e que termina num assassinato”, frisa Elisabete Brasil.“De notar que do conteúdo das notícias não foi possível obter informação relativo a este item em sete das situações reportadas”, acrescenta o relatório.

Nas situações em que foi possível identificar a presença de episódios abusivos na relação, a mesma era conhecida por familiares, vizinhos, amigos e algumas denunciadas aos órgãos competentes.

A OMA conclui que “tal não foi suficiente na prevenção da revitimização e consequente femicídio”.

Em quatro dos casos as vítimas já tinham apresentado denúncia da violência doméstica. Noutros dois, para além da existência de denúncia, já tinham sido decretadas medidas de coação.

Em cincos dos femicídios não exitia denuncia apresentada e em sete a OMA não tem informação.
23 tentativas de homicídio
Entre as 23 tentativas de femicídio, 17 dos agressores (74 por cento) mantinham (39 por cento) uma relação com as vítimas; trinta e cinco das vítimas tinham mantido uma relação de intimidade com o agressor.

Cinco das vítimas foram alvo de manifestações de violência letal por parte dos filhos e uma das vítimas foi baleada com uma arma de fogo por outro familiar.

Na maior parte das tentativas de homicídio a vítima apresentava uma idade acima dos 24 anos (23 dos casos), com especial incidência na faixa etária entre os 36 e os 50 anos (sete casos).

Em sete das tentativas de femicídio a OMA não conseguiu obter informação relativa à idade da vítima.

Em 21 dos casos de tentativa de femicídio, a OMA não conseguiu apurar a situação profissional das vítimas. No entanto, sabe-se que uma das vítimas estava empregada e a outra em situação de reforma.A OMA registou uma média de duas tentativas de femicídio por mês.

O mês de março foi o mais fatídico, com cinco tentativas de homicídio. Sete das 23 mulheres vítima de tentativa de femicídio, foram agredidas nos meses de abril e de setembro (4 e 3 respetivamente).

Cinco das tentativas de homicídio aconteceram no distrito de Setúbal, seguido dos distritos de Lisboa (quatro casos), Aveiro, Braga, Leiria e Porto, com duas tentativas.

Registou-se ainda a ocorrência de um crime de tentativa de homicídio nos distritos de Beja, Coimbra, Faro, Portalegre e Viana do Castelo.Tal como no caso de femicídios, a maioria dos crimes (61 por cento o que corresponde a 14 casos) foram cometidos na residência. E 26 por cento (seis casos) das tentativas de homicídio foram praticados na via pública.

As armas brancas continuam a ser, tal em como nos anos anteriores, o meio mais utilizado nas tentativas de homicídio. Em três das tentativas foi reportado o uso da arma de fogo para a prática do crime.

A dez dos agressores foi aplicada como medida de coação a prisão preventiva, a dois foi promovida a medida de imposição de conduta sob a forma de afastamento da vítima, um deles com vigilância eletrónica.

Em 52 por cento dos casos de tentativa de homicídio já tinha sido reportada história de violência doméstica na relação entre a vítima e o agressor. Uma informação omissa em relação aos restantes 48 por cento.O femicídio “é um fenómeno que traz consequências não só para as vítimas, como para os para os familiares e para a sociedade”, alertou Elisabete Brasil.

No entanto, em 15 das 23 tentativas não existia informação relativa à participação criminal junto das entidades judiciais. Três dos autores estavam, à data dos crimes, a cumprir pena no âmbito de outro processo judicial. Noutras três situações reportadas corriam processos crime por violência doméstica.

A OMA registou ainda 28 vítimas associadas (11 vítimas associadas aos femicídios consumados e 17 nas tentativas de homicídio) e um total de 45 filhas/os das vítimas (27 no femicídio consumado e 18 na forma tentada).

Para assinalar o Dia Internacional para a Eliminação Contra as Mulheres, a UMAR vai promover no sábado uma marcha contra a violência que parte do Largo do Intendente, em Lisboa.
Muito cedo para falar em tendência decrescente
Apesar de pelo terceiro ano se registar uma diminuição no número de casos de violência doméstica, a União de Mulheres Alternativa e Resposta sublinha que ainda é muito cedo para falar de uma tendência decrescente.

“Aquilo que verificamos nos últimos três anos, é que realmente uma diminuição de ano para ano. De qualquer forma, e tendo em conta todo o panorama e história do femicídio em Portugal, achamos que devemos usar de toda a cautela, não obstante afirmarmos esta diminuição e nos congratularmos com ela”, ressalvou Elisabete Brasil, da UMAR, em entrevista na RTP3.

Em relação aos casos em que as mulheres foram assassinadas mesmo depois de apresentarem queixas de violência doméstica às autoridades, Elisabete Brasil esclarece que “um terço das situações que terminaram em femicídio estavam já a ser analisadas, pelo Ministério Público e nalgumas delas existiam medidas de coação”.“Grande parte das situações vai aumentando numa escalada de violência e terminam no femicídio ou na sua tentativa. Em grande parte delas, havia já uma história de violência", frisou.

Elisabete Brasil afirma que as medidas “que estão a ser tomadas” em muitas situações de violência doméstica “não são suficientes para evitar a morte das mulheres”.

“Aquilo a que assistimos é que muitas vezes na violência doméstica é que são as vítimas que são responsabilizadas, não só pelo crime, mas também pela sua proteção”

Para a responsável da UMAR, nas situações de violência doméstica é necessário “mais prevenção”.

“Essa prevenção é desde logo primária, no sentido de trabalharmos com jovens no sentido de uma educação para a cidadania e para a igualdade entre homens e mulheres. De exemplos positivos de conjugalidade e de relações de intimidade”, defendeu.

Elisabete Brasil recordou que “a maior parte das relações conjugais em Portugal não se baseiam em situações de violência doméstica, nem acabam com este desfecho”.
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