Eutanásia. Parlamento aprova diploma e obriga Marcelo a promulgar

por Joana Raposo Santos - RTP
Foram 129 os votos a favor, 81 contra (das bancadas do Chega, PCP e maioria dos deputados do PSD) e uma abstenção (do PSD). Tiago Petinga - Lusa

O Parlamento voltou esta sexta-feira a aprovar o diploma sobre a morte medicamente assistida, com os votos a favor do PS, BE, IL, PAN e Livre, assim como sete deputados do PSD. A decisão vai agora obrigar à promulgação da lei da eutanásia por parte do presidente da República, num prazo de oito dias.

Foram 129 os votos a favor, 81 contra (das bancadas do Chega, PCP e maioria dos deputados do PSD) e uma abstenção (do PSD).

Este total ultrapassou largamente os 116 votos necessários para a confirmação.

O decreto aprovado pelo Parlamento tinha sido vetado por Marcelo Rebelo de Sousa. De acordo com a Constituição, perante um veto, o Parlamento pode confirmar o texto por maioria absoluta dos deputados e, nesse caso, o presidente tem de promulgar o diploma.

Este é o quarto diploma do Parlamento para a despenalização da morte medicamente assistida, alterando o Código Penal. O tema já foi alvo de dois vetos políticos do presidente e de dois vetos na sequência de inconstitucionalidades decretadas pelo Tribunal Constitucional.

No último veto, em abril, Marcelo Rebelo de Sousa pediu aos deputados para clarificarem "quem define a incapacidade física do doente para autoadministrar os fármacos letais, bem como quem deve assegurar a supervisão médica durante o ato de morte medicamente assistida".

Desta vez, ao contrário de ocasiões anteriores, os partidos proponentes (PS, IL, BE e PAN) decidiram não alterar o texto aprovado no passado dia 31 de março, que nesta versão estabelece que a morte medicamente assistida só poderá ocorrer através de eutanásia se o suicídio assistido for impossível por incapacidade física do doente.
Os argumentos dos partidos
Durante o debate desta sexta-feira na Assembleia da República, João Cotrim Figueiredo, da Iniciativa Liberal, defendeu que os deputados têm “toda a legitimidade para deliberar sobre a morte medicamente assistida”.

“Aos que dirão que apresentar o diploma sem alterar o seu texto é uma afronta ao presidente da República, dizemos ‘não’”, já que as mensagens de Marcelo Rebelo de Sousa e os acórdãos do Tribunal Constitucional “foram sempre tidos em boa conta ao longo do processo legislativo, num sinal de respeito e abertura”.

“O mesmo respeito é agora devido à própria Assembleia da República”, frisou.

Já André Ventura considerou o diploma “um disparate”. “Dizer às pessoas que podem recorrer à eutanásia se não se conseguirem suicidar é um disparate legislativo, uma imoralidade e uma absoluta aberração política”.

“Esta lei nunca vai entrar em vigor”, acredita o líder do Chega. “Porque se algum dia a regulamentação por absurdo já estiver concluída, e o presidente a tiver permitido, já o vosso tempo estará tão curto que eu tenho a certeza que haverá uma maioria neste Parlamento que revogará a lei”.

Catarina Martins diz não haver “nenhuma razão para alterar a redação da lei”, já que “as dúvidas presidenciais são matéria de regulamentação da lei e não da lei propriamente dita”.

“A lei deve ser promulgada tal como está”, acrescentou a deputada bloquista. “Hoje, com a tranquilidade de quem é coerente e amigo dos direitos, ajudamos a dar um passo decisivo (…) e com ele seremos uma sociedade mais respeitadora de quem não quer ser duplamente violentado quando o fim se aproxima, violentado pelo sofrimento e violentado pelo desrespeito da sua vontade”.
Rui Tavares, do Livre, acredita que os deputados que entenderem levar esta lei ao Tribunal Constitucional estarão “a dar razão a quem diz que não era num referendo que esta situação se deveria resolver”.

Não é em referendo o lugar no qual as maiorias podem decidir dos direitos individuais das potenciais minorias. E quem tem um sofrimento que o leva a poder decidir pela sua morte (…) será sempre – assim o esperamos – uma minoria”, frisou.

Para Inês Sousa Real, do PAN, “não podemos continuar a deixar estas pessoas, estas vidas, em suspenso”.

“Estamos confiantes que este texto reúne todas as condições constitucionais para que venha de facto a ser promulgado e para que possa vir a ser devidamente aplicado”, declarou a deputada.

Por outro lado, o PCP decidiu votar contra o diploma por considerar que a “autonomia individual” dever ser respeitada, mas que “uma sociedade organizada não é uma mera soma de autonomias individuais”.

“Insistimos que o Estado português não pode continuar a negar à maioria dos seus cidadãos os cuidados de saúde que necessitam, particularmente nos momentos de maior sofrimento”, sublinhou.

O PSD insistiu, na sua intervenção, que “os portugueses deviam ter sido chamados a pronunciar-se” sobre o tema, com a realização de um referendo nacional.

“Quem ficou prejudicado foi o povo português, impedido de se pronunciar sobre uma matéria de enorme sensibilidade, que não pode ser vista como uma mera questão médica, esquecendo as questões morais e de consciência”, afirmou a deputada social-democrata Paula Cardoso.
Do lado do PS, a deputada Isabel Moreira disse que "estamos hoje a fazer algo que é normal em democracia: a confirmar um diploma que foi votado por uma maioria muito expressa mais do que uma vez, e a exercer uma competência da Assembleia da República que é normal e que faz um equilíbrio entre a legitimidade da AR e a legitimidade do presidente da República".

A constitucionalista defendeu que "chegou o momento da Assembleia se respeitar" e de respeitar "aqueles que anseiam tanto por este dia", considerando que esta confirmação "é também cumprir Abril".

c/ Lusa
pub