Fernando Laidley, pioneiro na volta ao continente num "carocha" em 1955, faz no domingo 90 anos

por Carla da Costa Soeima, © 2008 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A.

Lisboa, 28 Mar (Lusa) - 1956. Centenas de carros, amigos, jornalistas e curiosos ansiavam o regresso do `carocha` à praça pombalina, em Lisboa: Fernando tinha realizado a primeira volta a África num automóvel. Começou assim a fama de um aventureiro chamado Laidley, que no domingo comemora 90 anos.

No início desta aventura, em 1955, Laidley tinha 36 anos e vivia um desgosto de amor: "Ou fazia a volta a África ou morria", recorda. Várias outras expedições - belgas, francesas e britânicas - já tinham tentado percorrer o continente africano em automóvel, mas sem sucesso.

"Eu achei que podia tentar. Os outros até tinham melhores meios. Nós fomos com um desgraçado de um carocha", contou à Lusa Fernando Laidley, que desde cedo desejava visitar o continente africano, pelo qual vivia deslumbrado desde os cinco anos, após ter assistido a um filme com imagens de África que o "impressionaram fortemente".

Acompanhado por José Guerra e Carlos Alberto, o mecânico e o fotógrafo desta expedição portuguesa, os três seguiram do Marquês de Pombal a 25 de Abril de 1955 num Volkswagen carocha, em segunda mão, rumo à aventura africana.

"Eu preparei-me para fazer a viagem. Fisicamente, fazia muita ginástica, não bebia", explicou Laidley, que durante três meses trabalhou cada detalhe para a sua missão em África.

A expedição portuguesa contava com os principais patrocínios da Shell e da Volkswagen, entre outros internacionais e portugueses.

A volta ao continente africano, apenas realizada por Laidley e Guerra, (o terceiro elemento ficou retido na fronteira luso-espanhola, no início do percurso, devido a complicações com o visto) durou cerca de dez meses e sete dias.

Nesta aventura, atravessaram-se 50 mil quilómetros por mais de 20 países e protectorados africanos, onde os portugueses enfrentaram o calor, as tempestades - condições rudimentares numa viagem ambiciosa - atravessando vários desertos e rios perigosos onde, na sua maioria, apenas seguiram o seu instinto e a orientação de uma pequena bússola.

Cada etapa do percurso era apaixonadamente descrita nas crónicas semanais de Laidley, publicadas simultaneamente no "Diário Popular" de Lisboa e na "Província de Angola" de Luanda.

"O Diário Popular era distribuído também no Congo. As pessoas seguiam a minha viagem como se fosse um romance de aventuras: `Fernando Laidley chegou ao Cairo`, `Fernando Laidley atravessou a fronteira sul de Angola`", recorda entusiasmado.

"Tive uma recepção em Angola como se fosse praticamente um herói nacional, com dois polícias a abrir o trânsito e uma fila de cinco quilómetros de carros atrás de mim. Foi quase feriado em Luanda. Fecharam a maior parte dos estabelecimentos", conta.

O regresso a Tânger marcava a concretização da volta a África. Para a triunfal recepção de Lisboa, a fábrica Volkswagen mandou renovar todo o interior do automóvel, sem que se fizesse qualquer alteração ao seu exterior.

O "carocha era um carrinho novinho em folha por dentro" à chegada ao Marquês de Pombal, a 27 de Fevereiro de 1956, onde centenas de populares, a imprensa internacional, amigos e familiares, os aguardavam para aclamar o êxito da difícil volta ao continente africano.

O feito valeu-lhes elogios de Vitorino Nemésio e também de Oliveira Salazar. Numa carta a Laidley, o chefe de governo do Estado Novo escreveu: "Quem me dera que a nossa mocidade lesse o livro (Roteiro Africano - 1ª volta a África em automóvel) e quisesse imitar o autor em rasgos semelhantes."

"Rasgos semelhantes" seguiram-se no percurso de Fernando Laidley, que à luz do sucesso da primeira aventura dedicou os anos seguintes a desafiar as rotas nunca alcançadas, registando-as em livro, que se revelaram grandes êxitos editoriais.

Precursor de outras ligações de automóvel também elas pioneiras, Laidley voltou a surpreender, no regresso da travessia Luanda-Lourenço Marques-Bissau, ao trazer o que viria a ser o seu mais querido animal de estimação: Boma, o leão que se tornou no "companheiro indispensável" do cronista.

"Era um amor de leão e todos ficavam loucos com ele", recorda nostalgicamente.

Fernando Laidley havia ficado com o leão, ainda bebé, depois de uma caçada, na Beira, em que a mãe do animal foi abatida.

"Contribui indirectamente para a sua orfandade, mas, por isso mesmo, constituí-me na obrigação moral de o criar e de lhe prestar toda a assistência", confessou numa crónica publicada no seu livro "Missão em África".

Foi com "Boma" que Laidley alcançou a última etapa da travessia, da Beira para Bissau, de 18 mil quilómetros, viajando com ele para a metrópole.

O animal viveu na casa do viajante português, em Lisboa, durante dois anos.

Embora jovem, o leão "já era muito grande", causando grandes sustos aos automobilistas que por ali passavam e que se encontrassem com o leão "curioso", que gostava de se pôr à janela.

Laidley foi então pressionado pela polícia a interná-lo no Jardim Zoológico, acabando por o entregar quando uma nova viagem, desta vez, à Guiné se aproximava.

Fernando Laidley, nasceu a 30 de Março de 1918, em Luanda, Angola. Com apenas um ano de idade mudou-se com a família para Lisboa.

O aventureiro da primeira volta ao continente africano de automóvel celebra no domingo os seus 90 anos.

Este dono do "carocha" que protagonizou várias outras viagens únicas pelo continente africano e asiático (ligação Goa, Damão e Diu), foi também repórter de guerra no norte de Angola para as revistas "Século Ilustrado" e "La Semana" de Espanha, do qual publicou, em 1964, o livro "Guerra e Paz".

Apaixonado pelo cinema, também nunca se deitava - durante as expedições - sem ler "fosse a que hora fosse".

Ainda hoje Fernando Laidley mantém a paixão por contar histórias, não se cansando de repetir que adora o deserto.

"Para mim, África é o meu continente preferido. Adoro estes dois aspectos de África: o deserto, e de andar nele, e adoro a parte africana da floresta, da savana, da bicharada", afirma.

"Há a ideia de que as feras atacam as pessoas. Normalmente não fazem mal a ninguém, só quando têm crias é que podem aproximar-se. Uma fera que existe não tenho dúvidas é o próprio homem", adianta.

Ainda capaz de viajar durante 48 horas seguidas, Fernando Laidley, anda diariamente numa passadeira percorrendo três quilómetros "para continuar activo".

A última grande aventura do aventureiro foi há 13 anos, onde fez o 1º raid a atravessar duas vezes o deserto do Saara, na mesma viagem, mas por pistas diferentes.

Para Laidley, o deserto do Saara foi um grande desafio: "É belo, é terrível, é fascinante! E sobretudo assustador!", escreveu no seu último manual de viagens, que ainda não foi publicado.

Casado quatro vezes, admite preferir as mulheres aos homens como companheiros de viagem: "Elas já me conhecem. Reconhecem-me como chefe indiscutível e como responsável da viagem. Elas aguentam mais e são mais sofredoras do que os homens. Cansam-se, mas calam-se, não se queixam. E é obviamente mais agradável viajar com uma mulher do que com um homem" (risos).


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