Julho: A prisão de Armando Vara

Ainda está por escrever toda a história de Armando Vara, político socialista que integrou vários governos nos últimos 20 anos, primeiro sob António Guterres e depois sob José Sócrates, tendo sido ainda administrador da Caixa Geral de Depósitos (CGD) e depois do BCP. Nesse período, acumulou sobre si suspeitas e acusações de corrupção, de fraude e de tráfico de influências, tendo sido condenado em vários processos.

Armando Vara foi detido às 18h00 do dia 9 de julho na sua casa de Entrecampos em Lisboa. A razão? Alegados crimes de corrupção, de fraude fiscal e de branqueamento de capitais, no âmbito da Operação Marquês, que investiga o ex-primeiro-ministro socialista José Sócrates.

Armando Vara, agora com 61 anos, vê-se envolvido devido à participação da CGD no empreendimento de luxo Vale do Lobo, no Algarve. Vara autorizou a libertação de 200 milhões de euros do banco público, onde era responsável pelo pelouro das participações financeiras no setor privado. A CGD entrou com 25 por cento do capital no consórcio e acabaria por perder nessa operação mais de 100 milhões de euros.

O envolvimento do resort na Operação Marquês começou em junho. O Ministério Público suspeita que José Sócrates favoreceu o empreendimento quando aprovou alterações ao Plano Regional de Ordenamento do Território do Algarve, PROTAL. Na base da suspeita estão 12 milhões de euros que acabaram nas contas que Carlos Santos Silva, amigo de infância de Sócrates e seu alegado testa de ferro, detém na Suíça.


Patrícia Cerdeira - Antena 1 (10 de julho)

Seguindo um complexo esquema de circulação bancária, esse dinheiro terá sido transferido em 2008 e em 2009, entre vários outros suspeitos da Operação Marquês. O dinheiro será, acreditam os investigadores, o pagamento de luvas pela aprovação de alterações ao PROTAL que beneficiaram o consórcio.
Prisão domiciliária

Em simultâneo com a detenção de Armando Vara, a 9 de julho, realizam-se buscas domiciliárias, em instalações de sociedades e numa instituição bancária.

No dia seguinte, Vara é interrogado no Tribunal Central de Instrução Criminal, ao longo de cinco horas e meia. O juiz Carlos Alexandre decide depois colocar o ex-governante socialista em prisão domiciliária com pulseira eletrónica.


Ana Luísa Rodrigues, Hermano Soares, Osvaldo Costa Simões - RTP (11 de julho)

Também lhe proíbe contactos, nomeadamente com os outros nove arguidos no Processo Marquês - José Sócrates, o empresário Carlos Santos Silva e a sua mulher, Inês do Rosário, o administrador do Grupo Lena, Joaquim Barroca, o administrador da Octapharma, Paulo Lalanda de Castro, o advogado Gonçalo Trindade Ferreira e o presidente do empreendimento Vale do Lobo, Diogo Gaspar Ferreira, além do ex-motorista de Sócrates, João Perna.

O advogado de Armando Vara considera a medida "brutal" e anuncia que vai recorrer para o Tribunal de Instrução de Lisboa. Alega que o seu cliente nunca faltou a nenhum ato processual no âmbito do processo Face Oculta (na qual foi condenado em setembro de 2014, a cinco anos de prisão efetiva, por tráfico de influências).

Armando Vara é, desta vez, suspeito de corrupção passiva, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais.

A 15 de julho, o ex-governante foi transferido para sua casa. Em outubro de 2015 deixou de estar em prisão domiciliária, pagando uma caução de 300 mil euros fixada pelo Juiz Carlos Alexandre.
Política e banca

As contas de Armando Vara com a justiça já veem de trás.

Tendo crescido politicamente no PS de Bragança, Armando Vara foi apadrinhado por António Guterres, por mão de quem chegou ao Governo em 1995. Secretário-de-Estado em várias pastas foi nomeado ministro da Juventude e do Desporto em 2000.

Vara teria de se demitir do cargo nesse mesmo ano, por suspeitas de irregularidades na Fundação para a Prevenção e Segurança Rodoviária, por si fundada no ano anterior, quando era secretário-de-Estado da Administração Interna.

A Fundação, um organismo privado financiado pelo Estado, era dirigida por membros do gabinete de Vara, até que uma auditoria do Tribunal de Contas detetou várias irregularidades, entre as quais transferências do Estado num valor de 380 mil contos (1,9 milhões de euros). O processo foi arquivado sem se terem provado as suspeitas.

Em 2001, Vara coordenou as eleições autárquicas no PS, com muito mau resultado. Em 2006, com o PS de novo no poder, Vara foi nomeado para a CGD. E, em 2009, transitou para o BCP, duplicando o ordenado. Um mês e meio depois desta transferência foi promovido no banco público ao escalão máximo de vencimento, o nível 18, com efeitos na sua reforma.


Paulo Jerónimo - RTP (10 de julho)

Nesse mesmo ano o ex-governante socialista começou a ser investigado e indiciado por tráfico de influência, no âmbito do Processo Face Oculta, que investigou o grupo económico de Manuel Godinho e envolveu 35 arguidos, acusados de lavagem de dinheiro, corrupção política e evasão fiscal. O Tribunal de Aveiro deu como provado o pagamento de 25.000 euros a Vara e de pacto criminoso com os arguidos Manuel Godinho e Lopes Barreira. Vara foi condenado em 2014, mas recorreu da sentença.

Já em 2012 Vara fora condenado pela CMVM a uma multa de 50 mil euros por negligência quando era vice-presidente da CGD, por não ter impedido financiamentos de um milhão de euros, concedidos a diretores e clientes através de contas-fantasma, para aquisição de ações nas vendas públicas da REN e da GALP e da oferta pública de subscrição da Martifer.

Um esquema semelhante levou Vara a ser multado em 2014 pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, em Santarém, no valor de 40.000 euros.

Quando foi detido em julho de 2015, Armando Vara recebia do Estado uma subvenção vitalícia mensal de 2.000 euros.