Operação Marquês. Juíza recusa requerimento de Sócrates para suspender julgamento

À chegada ao Campus de Justiça, esta quinta-feira, para o início do julgamento da Operação Marquês, José Sócrates falou com os jornalistas e voltou a mencionar o "lapso de escrita" que o levou a processar o Estado e a criticar os procuradores, acusando-os de se terem enganado. O antigo primeiro-ministro acredita que se trata de um "estratagema" para o "forçar de novo" a ir a tribunal. Entretanto, o coletivo de juízas do processo recusou o requerimento da defesa para suspender o julgamento. À saída do tribunal, o ex-governante acusou o Conselho Superior de Magistratura de estar "a exercer uma tutela administrativa sobre um processo judicial".

Inês Moreira Santos - RTP /
Miguel A. Lopes - Lusa

O julgamento começou esta quinta-feira de manhã, em Lisboa, apesar de o advogado do ex-primeiro-ministro, Pedro Delille, considerar que deveria ser suspenso até existir uma decisão relativa aos dois requerimentos apresentados na quarta-feira, sobre a recusa da juíza que preside ao coletivo e ao procurador-geral da República, Amadeu Guerra. Requerimento recusado pelo coletivo de juizas.

"Entende o tribunal que a apresentação do pedido de recusa não impede o julgamento", disse a juíza Susana Seca, que advertiu ainda o advogado de José Sócrates para não confundir fundamentação de requerimentos com exposições introdutórias. "Não pode [o tribunal] compactuar com estratégias processuais para entorpecer o andamento do julgamento".

Perante a recusa da juíza, o advogado Pedro Delille repetiu várias vezes que "a audiência ainda não começou", tendo, no entanto, o Ministério Público, pela palavra do procurador Rui Real, adiantado que o coletivo deve avançar com a sessão de julgamento.

"Relativamente à questão relacionada com o facto de estarmos em audiência, não só o tribunal a declarou aberta, como decorre da sistematização do Código de Processo Penal que o julgamento se inicia com os atos preliminares", acrescentou a juíza Susana Seca.

"A juíza não concorda com nada com o que a defesa faz. E com isso a juíza vai mostrando a sua completa parcialidade", disse José Sócrates à saída do tribunal, no final da manhã, considerando que "isto coloca um problema sério e que tem a ver com o papel do Conselho Superior da Magistratura".

Segundo o ex-governante, "as juízas do processo Marquês estão todas em exclusividade dada pelo Conselho Superior da Magistratura".
"No fundo, a longa mão do Conselho está por todo o lado. Isso cria um problema muito sério (...), porque no fundo o CSM está a exercer uma tutela administrativa sobre um processo judicial", acusou.


"Este é o julgamento do lapso de escrita", voltou a insinuar Sócrates, que acredita que "este julgamento nunca devia existir", porque se trata de "uma manigância judicial".
À chegada ao Campus de Justiça, de manhã, para o início do julgamento da Operação Marquês, José Sócrates falara já com os jornalistas, voltando a mencionar o alegado "lapso de escrita" que o levou a processar o Estado e a criticar os procuradores.

"O que fizeram foi um estratagema, uma manigância para me forçar a vir outra vez a tribunal", acusou José Sócrates. "Quatro anos depois, o Estado força-me a vir de novo ao tribunal para responder exatamente às mesmas acusações de há quatro anos".

Antes de entrar no Tribunal Central Criminal de Lisboa, onde começou agora o julgamento, 11 anos após ter sido detido no Aeroporto de Lisboa, Sócrates voltou a sustentar "que se enganaram todos".

"No fundo o que o sistema judicial faz é o seguinte: a decisão instrutória de há quatro anos não valeu", acusou Sócrates, referindo-se ao "lapso de escrita".

"Este lapso de escrita não foi descoberto por ninguém durante quatro anos. Durante esses quatro anos, nunca o Ministério Público reparou que havia um lapso de escrita", argumentou.
"O sistema judicial não quer que eu recorra. O lapso de escrita é que permitiu transformar corrupção para ato lícito em corrupção para ato ilícito".


Nas palavras do antigo governante, o Ministério Público "manipulou o prazo", visto que o "juiz de instrução considerou que todas as acusações não estavam indiciadas e considerou-as prescritas".

"O que fizeram foi um estratagema porque eles não poderiam regressar a essas acusações se não tivessem mudado o crime", repetiu. "Por isso, eu acho que o lapso de escrita é uma manigância".

Criticando as recentes declarações do procurador-geral, que considerou que Sócrates tinha o direito de provar a sua inocência, o ex-primeiro-ministro admitiu ter lutado "anos para que não houvesse julgamento".

"Tenho direito a isso"
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José Sócrates apontou ainda novas criticas aos argumentos apresentados pelas juízas: “Não gastei 12 mil euros nenhuns em roupa”.

"O Estado é que tem de provar. Essa declaração do procurador-geral é absolutamente violadora de tudo aquilo que são os princípios básicos do Estado do direito", sublinhou.  "O procurador-geral achou que devia dar-me uma oportunidade. É muita generosidade, mas acontece que não tem o direito de dizer o que disse. E como não tem o direito de dizer o que disse, ontem mesmo apresentei um pedido de recusa do senhor PGR para intervir neste processo".

Trata-se, segundo Sócrates, de "uma declaração violadora das diretivas comunitárias da presunção de inocência e isso diz tudo sobre o processo".

O antigo primeiro-ministro considerou ainda que este é um "processo de lawfare": "Teve como objetivo afastar-me da vida pública".

"O sistema judicial não me deixa e não quer que eu recorra daquilo que é a questão central deste processo, que é o lapso de escrita", disse Sócrates, referindo que na quarta-feira foram "apresentados dois incidentes, um deles de recusa da senhora juíza".

"A juíza de instrução está em exclusividade, as juízas do julgamento estão em exclusividade, as juízas da Relação estavam em exclusividade. O Conselho Superior da Magistratura tem a sua mão por todo o lado e a último passo nessa escalada foi dado pelo Conselho Superior de Magistratura quando decidiu formar um grupo de acompanhamento do processo Marquês", começou por explicar.

"No meu ponto de vista, isso revela que pela primeira temos um processo judicial que tem um tutela administrativa e isso viola todas regras do direito penal. Por isso apresentamos um pedido recusa da senhora juíza e pedimos que seja avaliado não só pelos tribunais portugueses, mas que seja feita uma consulta ao tribunal de justiça europeu para se alpurar da conformidade da atuação do Conselho Superior da Magistratura com as regras definidas nas diretivas europeias", argumentou.
"Não se fará justiça"

Também à chegada ao tribunal o advogado de Ricardo Salgado, também envolvido neste processo, considerou que "não se fará justiça" ao seu cliente e que não se julgam pessoas com doenças neurológicas e cognitivas.

"No que respeita ao meu cliente, este julgamento é impossível ser justo, quando o arguido nem sequer sabe que está a ser julgado, nem sequer sabe - fruto da doença que tem - que dia é hoje", afirmou Francisco Proença de Carvalho aos jornalistas, recordando que o tribunal já reconheceu o estado de saúde de Ricardo Salgado.
"O tribunal não nega a gravidade da doença, reconhece-a e isso é contrário a todas as regras do processo penal", disse ainda.

"Não conheço nenhum país de processo penal democrático que quando o arguido não está em condições neurológicas, cognitivas, para ser julgado, para se defender, para dar instruções aos advogados, para confessar se entender, para negar os factos, não pode ser julgado".

Em Portugal, segundo o advogado, "é igual", mas "parece que o doutor Ricardo Salgado tem direito a uma justiça diferente".O advogado disse então que, "se tudo continuar assim", não terá outra "alternativa a não ser condenar o Estado português e nivelá-lo ao nível das piores ditaduras".

Proença de Carvalho considerou que o "sistema de justiça tem de fazer reflexões profundas e, nomeadamente, se é aceitável fazer acusações de mais de quatro mil páginas", alegando que se torna um processo "ingerível" e "tudo fica minado".

"Como é que um doente de Alzheimer, na situação em que o meu cliente está, pode provar o que quer que seja? Aquilo que se está a fazer em relação a Ricardo Salgado, em todos os processos, (...) é uma profunda injustiça".

Entre o rol de arguidos estão ainda o ex-banqueiro do extinto Banco Espírito Santo, Ricardo Salgado, que responde por três crimes de corrupção ativa, um dos quais de titular de cargo político, e oito crimes de branqueamento de capitais.

Ricardo Salgado já respondeu em tribunal num processo extraído da Operação Marquês, tendo sido condenado por abuso de confiança a oito anos de prisão efetiva, uma pena cujo cumprimento ficou condicionado à avaliação da condição de saúde do ex-banqueiro, diagnosticado com Alzheimer.

Onze anos depois do eclodir da investigação, inicia-se esta quinta-feira o julgamento da Operação Marquês, que leva a tribunal o ex-primeiro-ministro e mais 20 arguidos e conta com mais de 650 testemunhas. Estão em causa 117 crimes, incluindo corrupção, branqueamento de capitais e fraude fiscal, pelos quais serão julgados os 21 arguidos neste processo.

Para já, estão marcadas 53 sessões que se estendem até ao final deste ano, devendo no futuro ser feita a marcação das seguintes e, durante este julgamento, serão ouvidas 225 testemunhas chamadas pelo Ministério Público e cerca de 20 chamadas pela defesa de cada um dos 21 arguidos.

c/ Lusa
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