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Organismo europeu contra racismo destaca papel dos mediadores para integração cigana
A Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância (ECRI) recomendou às autoridades portuguesas que garantam a frequentação até à escolaridade obrigatória das crianças ciganas até à idade de 18 anos. Também apelou ao fim de despejos ilegais forçados e a que estes se cumpram de acordo com padrões internacionais. Em declarações à RTP, o secretariado da ECRI sublinha o papel dos mediadores na concretização destes objetivos.
Instado pela RTP a comentar uma decisão judicial que autorizou o abandono escolar de uma rapariga de 15 anos de etnia cigana com base na “tradição”, Wolfram Bechtel do secretariado da ECRI, sublinha a importância do papel dos mediadores “de construir pontes com as comunidades” para atingir os objetivos de integração que o Governo português definiu no âmbito da Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas, adotada em 2013.
Os objetivos da ECRI para a integração da comunidade cigana na área da educação incluem a frequentação do ensino pré-escolar por 100 por cento das crianças ciganas, durante pelo menos um ano, até 2020, e que 60 por cento concluam a escolaridade obrigatória no mesmo ano. Outra das intenções é fazer com que o abandono escolar diminua dos atuais 90 por cento, para 60 por cento em 2020. A taxa de abandono prematuro da população não cigana é de 14 por cento.
Segundo Bruno Gonçalves, o maior desafio está na passagem do 3.º ciclo para o secundário. Na passagem do 9.º para o 10.º ano de escolaridade, a “mediação juntamente com outras medidas pode ajudar”, sublinha, dando como exemplo um projeto em curso na Figueira da Foz, em que o acompanhamento de jovens universitários a alunos do terceiro ciclo contribuiu para o aumento da taxa de sucesso.
Taxa de sucesso de ciganos na universidade aumenta
A atribuição de bolsas de estudo a jovens estudantes do ensino superior de etnia cigana é uma das medidas citadas no relatório do organismo europeu como “um ponto de viragem histórico”.
O organismo do Conselho da Europa de monitorização dos direitos humanos fez, no habitual relatório de acompanhamento dos Estados-membros, duas recomendações às autoridades portuguesas, classificando-as de “prioritárias” e prometendo avaliação e seguimento dentro de dois anos.
“Assegurar que todas as crianças ciganas frequentem rigorosamente o ensino obrigatório até aos 18 anos de idade, é uma das advertências.
“Assegurar o fim dos casos de despejos forçados ilegais e que os despejos legais sejam executados de acordo com as normas internacionais” é o segundo alerta.
No relatório do órgão antirracismo do Conselho da Europa lê-se que “os ciganos continuam a sofrer elevados níveis de desemprego, vivem frequentemente em condições de habitação precárias e são ameaçados de despejos forçados. Os afrodescendentes enfrentam problemas semelhantes”.
Já no que respeita à descrição das condições de habitabilidade da comunidade cigana é notado que “17 por cento dos ciganos viviam sem água corrente nas suas casas, 25 por cento sem sanita, duche ou casa de banho em casa (em comparação com 0,9 por cento da população geral) e 42 por cento tinham um telhado que deixava entrar água, humidade nas paredes ou bolor em volta das janelas ou no soalho”.
“A melhor abordagem é trabalhar em conjunto com representantes ciganos de modo a preservar o melhor interesse das suas crianças”, declarou Wolfram Bechtel à RTP.
Notando que a divulgação do acórdão aconteceu depois da visita dos especialistas a Portugal, realizada em novembro, Bechtel admite que os ciganos “têm um background cultural específico”, mas está confiante quanto à obtenção dos objetivos.
“Estamos conscientes de que representará um enorme esforço fazer progressos” para atingir as metas definidas para a integração da comunidade cigana, acrescentou Wolfram Bechtel. “Não acredito que possamos atingir essa cifra, mas estaremos muito próximos”, reagiu Bruno Gonçalves mediador e dirigente da Letras Nómadas - Associação de Investigação e Dinamização das Comunidades Ciganas.
“Os mediadores não fazem milagres. Na Europa, a mediação tem facilitado o acesso à educação e à justiça. Em Portugal, poderá ajudar, mas complementando com outras medidas como formação de professores a nível intercultural e acompanhamento dos conteúdos programáticos”, acrescenta.
Taxa de sucesso de ciganos na universidade aumenta
A atribuição de bolsas de estudo a jovens estudantes do ensino superior de etnia cigana é uma das medidas citadas no relatório do organismo europeu como “um ponto de viragem histórico”.
“Na nossa perspetiva, foi útil e bem sucedido trazer tais pessoas da comunidade cigana para a universidade”, comentou Wolfram Bechtam à RTP.
Na primeira edição do programa – uma iniciativa da Letras Nómadas que recebeu o apoio do Alto Comissariado para as Migrações e da pela Rede Portuguesa de Jovens para a Igualdade de Oportunidades entre Mulheres e Homens – foram atribuídas 25 bolsas para o ano letivo 2016/2017.
No ano seguinte, o programa foi alargado para 32 bolsas de 1.500 euros, além de apoio técnico especializado ao nível da sensibilização e mediação familiar, acompanhamento e tutoria da parte de especialistas na área da integração escolar das comunidades ciganas.
“Não acreditamos que as medidas de discriminação positivas sejam para toda a vida”, mas antes para permitir um patamar mínimo de integração, nota Bruno Gonçalves.
Das 25 bolsas atribuídas em 2016, 11 foram para homens e 13 para mulheres, com idades compreendidas entre os 18 e os 39 anos. No ano passado, 14 foram para raparigas e 18 para rapazes.
A taxa de sucesso no primeiro ano do programa foi de 71 por cento [no global] e de 77 por cento nas mulheres. “Posso avançar que a taxa de sucesso é superior à do ano passado”, disse Bruno Gonçalves à RTP.
Mas, caso a conclusão da escolaridade obrigatória torne evidente as diferenças de género, “os mediadores devem intervir”, aconselha Bechtel.
“Há ainda um longo caminho a fazer”, comenta Bruno Gonçalves, que espera cada vez mais mulheres ciganas interessadas em fazer um percurso escolar no ensino superior. Questionado sobre o poder real dos mediadores para reduzir a diferença de género no abandono escolar, Bruno Gonçalves está confiante: “Se os mediadores iniciarem trabalho no 1.º ciclo até ao ensino superior, acredito que sim”.
“É um percurso que se está a fazer mas não se espere que os homens vão estender uma passadeira vermelha (ainda por cima numa sociedade patriarcal). São as mulheres que têm de fazer esse processo”, insiste, sublinhando a capacidade de concretização, determinação e organização das mulheres.
As fases da integração: educação, emprego, habitaçãoO organismo do Conselho da Europa de monitorização dos direitos humanos fez, no habitual relatório de acompanhamento dos Estados-membros, duas recomendações às autoridades portuguesas, classificando-as de “prioritárias” e prometendo avaliação e seguimento dentro de dois anos.
“Assegurar que todas as crianças ciganas frequentem rigorosamente o ensino obrigatório até aos 18 anos de idade, é uma das advertências.
“Assegurar o fim dos casos de despejos forçados ilegais e que os despejos legais sejam executados de acordo com as normas internacionais” é o segundo alerta.
O quinto relatório do organismo sobre Portugal – o anterior data de 2013 - “dá conta da situação” até 22 de março de 2018. As análises, feitas para todos os Estados membros do Conselho da Europa, centram-se em quatro temas comuns: Questões legislativas, Discurso de ódio, Violência, Políticas de integração.
O relatório foi elaborado com base em informações “oriundas das mais
diversas fontes”, incluindo análises documentais, uma visita ao país e
diálogo confidencial com as autoridades nacionais.
A educação é, então, a primeira etapa de um processo de integração, da qual faz parte a habitação.
No entanto, Bruno Gonçalves é menos otimista quanto ao sucesso a curto prazo de estratégias para a habitação, que considera estarem intrinsecamente ligadas à integração no mercado de trabalho. A habitação “tem um papel secundário, se houver trabalho consistente na educação e no emprego”, e consequente capacidade salarial para garantir um teto, explica.
No relatório do órgão antirracismo do Conselho da Europa lê-se que “os ciganos continuam a sofrer elevados níveis de desemprego, vivem frequentemente em condições de habitação precárias e são ameaçados de despejos forçados. Os afrodescendentes enfrentam problemas semelhantes”.
Bruno Gonçalves não hesita em apontar o “preconceito do mercado laboral para com os ciganos”, como o maior desafio à integração.
Sobre a posição das comunidades ciganas para com o mercado laboral, o mediador e dirigente associativo considera que “as comunidades ciganas são muito heterogéneas”, verificando-se “diferentes estágios de integração”, mas “existe vontade de boa parte" em ter uma situação estável.
Integração económica: o dilema
O primeiro estudo sobre a comunidade cigana portuguesa, que reuniu dados de 1.599 pessoas em 2014, concluiu que "uma percentagem grande trabalha", só que muitas vezes não se trata de trabalho no mercado formal, com um contrato ou um salário.
A venda ambulante é a principal atividade económica, confirmou a pesquisa encomendada pelo Alto Comissariado para as Migrações, coordenado por Manuela Mendes. Ainda assim, 57 por cento dos inquiridos há quatro anos dizia nunca ter trabalhado, encontrando-se no desemprego e/ou à procura do primeiro emprego.
“Apenas 35 por cento dos ciganos entre os 20-62 anos de idade trabalhavam (52 por cento dos homens e 18 por cento das mulheres)”, refere o documento da Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância.
O estudo concluiu também que os ciganos portugueses têm baixos níveis de escolaridade, casam cedo e quase metade passou fome. As diferenças de género são ainda acentuadas no que respeita aos números sobre a empregabilidade.
Para Bruno Gonçalves, a comunidade enfrenta agora um dilema económico, do qual a guetização é um dos elementos. “Há boas intenções do Governo”, confirma Bruno Gonçalves, referindo-se à publicação, em junho passado, em Diário da República, do 1º Direito - Programa de Apoio ao Acesso à Habitação, que dificilmente passará do papel.
Na opinião pública portuguesa “há muito preconceito” em relação aos ciganos, afirma Bruno Gonçalves.
Bruno Gonçalves tem baixas expectativas quanto ao impacto do progama, que implica a adesão dos municípios. “As autarquias têm aqui um papel importante”, pois, se por um lado "existem bons municípios, boa parte dos autarcas não está disposta a arriscar uma possível condenação na opinião pública", comenta.
Por isso, Bruno Gonçalves considera que a política de habitação “não é consistente”, nem vai contribuir para o retrato das condições de habitação em que vivem os ciganos. “Pouco se vai fazer a nível da habitação” e até “a Associação Nacional de Municípios omite por completo este problema”, afirma Bruno Gonçalves.