Pacto de Justiça: conheça as principais propostas

por RTP
osé Carlos Resende da Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução, Maria Manuela Paupério do Sindicato dos Juizes Portugueses, António Ventinhas do Sindicato dos Magistrados do Ministério Publico e Fernando Jorge do Sindicato dos funcionários Judiciais Rui Minderico - Lusa

São quase 90 as propostas incluídas no Pacto de Justiça entregue esta tarde ao Presidente da República, na Sala dos Embaixadores do Palácio de Belém, em Lisboa. Resultam de um acordo entre a Associação Sindical dos Juízes Portugueses, o Sindicato Magistrados do Ministério Público, a Ordem dos Advogados, a Ordem dos Solicitadores e o Sindicato dos Funcionários Judiciais.

Da organização dos tribunais ao custo do acesso à justiça por parte dos portugueses, à execução das sentenças dos tribunais, à cobrança de dívidas e à justiça económica, o Pacto aborda diversos temas e propõe alterações, para simplificar e garantir o acesso da Justiça aos cidadãos, além da sua proteção.

Marcelo recebeu o documento com palavras de elogio à iniciativa dos agentes judiciários, que considerou um exemplo a seguir por outros setores e "um desafio aos partidos e ao Governo" para que legislem.

"Assim fosse na Saúde, assim fosse na Segurança Social, assim fosse na Educação", referiu.

"Quando aqueles que trabalham no setor conseguem chegar a consenso, pergunto-me: será tão difícil assim que os partidos políticos cheguem a consenso, não direi nas 88 propostas, mas em muitas das propostas apresentadas?", questionou o Presidente da República, reafirmando: "Esse é o próximo desafio".
Ordem única de tribunais
Os agentes judiciários querem, por exemplo, a unificação da jurisdição comum com a jurisdição administrativa e fiscal, criando uma ordem única de tribunais, um único Supremo Tribunal e um único Conselho Superior da magistratura judicial.

Sublinham, em justificação, que "os princípios que enformam as suas áreas de direito, o quadro de organização e funcionamento dos tribunais e até o modelo de ingresso dos juízes na carreira está, desde 2004, muito próximo entre jurisdições".

Propõem ainda a a implementação concreta de estruturas de apoio direto ao magistrado nos tribunais e a reserva aos oficiais de justiça da realização de tarefas processuais.

Também quanto à formação, o sentido é de maior unidade. O Pacto da Justiça defende assim a realização de iniciativas formativas comuns alargadas ao Centro de Estudos Judiciários e aos departamentos de formação das Ordens e à Direção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ).
Família e menores
Mais atenção à família e às crianças é também um fio condutor nas propostas para reformar a organização dos tribunais.

O Pacto defende, por exemplo, a criação de um corpo de peritos de diversas áreas (pediatras, psicólogos, psiquiatras, técnicos de serviço social) nos quadros permanentes dos tribunais de família e da criança.

As propostas incluem aliás a cobertura nacional completa dos juízos de família e menores e a criação de secções da família e da criança nos tribunais da relação, assim como a especialização dos tribunais superiores na área da família e da criança.
Acesso dos cidadãos ao CITIUS
A generalidade dos cidadãos deveria, por outro lado, ter acesso direto às plataformas informáticas do sistema de justiça para consulta dos dados processuais do próprio, defende o Pacto.

Os agentes da Justiça defendem assim a necessidade de manter e desenvolver o sistema informático CITIUS, que serve os tribunais, até ao "limite das suas capacidades" e não consideram necessária a sua substituição no curto médio prazo.

Deveriam também ser criados gabinetes de comunicação nas comarca, estruturados a partir de um gabinete central nos conselhos superiores, sugerem.

Ainda em matéria de comunicação com a sociedade, os juízes presidentes deveriam igualmente ter, em todas as instâncias, assessoria de imprensa disponível a tempo inteiro, para garantir a comunicação de informação jurisdicional, afirma o Pacto.

O sistema eletrónico deveria ainda ser "multiplataforma" e, em matéria de atos eletrónicos, e-government e funcionalidades, ser criado um serviço eletrónico de contagem automática de prazos integrado nas diversas plataformas e a criação de um domicílio digital pelo cidadão, para efeitos de comunicação com a justiça.
Redução de taxas e custos
Também na área do cidadão, o Pacto quer uma redução generalizada das taxas e custas processuais  para que nenhum cidadão se sinta coibido por razões financeiras de pedir a avaliação da Justiça para o seu caso.

A dispensa de taxas para os trabalhadores em processo de impugnação de despedimento e isenção de custas em ações por acidente de trabalho são outras ideias apresentadas,

O documento denuncia aliás, na explicação sobre a área do acesso ao direito, "uma grave distorção do sistema", que apenas protege os mais desfavorecidos economicamente.

"No atual sistema, apenas têm verdadeiramente assegurado o seu acesso ao direito os indigentes ou próximos de tal estado e as classes mais elevadas em termos económicos, fruto de um 'tudo ou nada' do sistema de proteção jurídica", consideram juízes, procuradores, advogados, solicitadores e funcionários judiciais.
Proposta: escalões
Os agentes pretendem, assim, a redução generalizada das taxas e custas processuais e a revogação do pagamento faseado das taxas que não resolve, afirmam, as distorções.

Em substituição, propõem a criação de escalões que, face ao diferente grau de carência económica, permita o pagamento de uma proporcional percentagem da taxa de justiça e das custas, em função da situação económica do beneficiário.

Nos casos em que haja lugar a isenção de taxas, os agentes da justiça defendem a definição de três escalões -- 25%, 50% e 75% da taxa - indexados à situação económica do requerente e a criação de um número único de proteção jurídica que evite a multiplicação de pedidos consecutivos.

Já nos processos tutelares cíveis, os agentes de Justiça defendem o fim da dispensa de pagamento prévio da taxa inicial em ação da jurisdição de família.

Propõem o pagamento prévio da taxa de justiça, restringindo-se a sua dispensa apenas às situações em que esteja em causa a "premente e urgente" salvaguarda dos interesses dos menores.
Contraordenações
Já quanto a contraordenações, os agentes lamentam que não haja distinção entre os casos simples e os processos complexos. "Designadamente quando estejam em causa contraordenações no âmbito do direito bancário, financeiro, do mercado de valores mobiliários ou transfronteiriço", referem.

Estes últimos são, ainda, "insuficientemente tributados" em custas, propondo o Pacto por isso um aumento do valor das custas nos processos de contraordenação em função do valor da coima aplicada em concreto pela autoridade administrativa e da complexidade da ação.

Por outro lado, a taxa seria reduzida quando a decisão judicial fosse proferida por simples despacho e sem julgamento.
Justiça económica
O Pacto da Justiça recomenda ainda, no âmbito da "justiça económica", a criação de um sistema de informação e alerta sobre situação jurídica de sociedades, para gerar transparência e induzir credibilidade nos negócios, sem pôr em causa dados protegidos.

O acordo, sublinha que este tipo de serviço já é prestado em algumas plataformas privadas, mas em condições pouco transparentes, pelo que se justifica que o sistema público de justiça assuma essa tarefa.

A iniciativa permitirá sistematizar a informação sobre as sociedades, defendem os agentes, tornando-a acessível aos interessados, fornecendo dados sobre propositura de processos cíveis, de insolvência ou de recuperação de empresas, bem como alterações da situação de registo e outros.

É também proposta a criação de um guia do investidor, nomeadamente um guia prático, em português e inglês, que explique aos investidores nacionais e internacionais, de forma clara, simples e acessível o sistema de cobrança de dívidas português e o que do mesmo podem esperar.
Mais controlo do incumprimento
Para a regulação do tecido económico, o pacto avança a inibição dos administradores, gerentes e sócios maioritários de sociedades que não se apresentem à insolvência ou que tenham sido liquidadas administrativamente, ficando aqueles proibidos de constituir ou participar em novas sociedades por um período de cinco anos.

"Esta proposta constitui um pressuposto básico de controlo geral ao incumprimento de obrigações", lê-se no documento.

Outra medida aponta para a adoção de regras de dissolução administrativa de sociedades, com o argumento de que "o tecido económico deve ser expurgado, de forma rápida e eficaz, das empresas que não reúnam requisitos de funcionamento".
Cobranças difíceis
Os autores do pacto rejeitam qualquer modelo legal de `cobranças difíceis, fora do quadro dos agentes do sistema da justiça, bem como a possibilidade de legalização de formas de atuação, formais ou informais, que não realizadas a coberto de mandato pelos agentes da justiça.

"O facto de existirem múltiplos comportamentos desviantes no mercado deve impor aumento de regulação e não promover a desregulação e a desproteção dos cidadãos nesta área", diz o documento.

Quanto à regulamentação especial de dívidas, é proposto que passe a ser documento obrigatório na escritura de compra e venda de imóvel uma declaração da administração de condomínio relativa às dívidas de condomínio existentes (ou não) e declaração do seu valor.

O documento defende ainda que a regulamentação específica da responsabilidade pelas dívidas de condomínio e a clarificação legal das dívidas passíveis de execução (cobrança) com base na ata de condomínio.

No âmbito das execuções fiscais, o Pacto da Justiça pretende suspender as diligências de cobrança em execução fiscal no caso de haver penhora anterior em execução civil.

A intenção é equiparar a regra das execuções fiscais à das execuções civis e evitar a duplicação de diligências, uma vez que os créditos públicos estão sempre salvaguardados com a reclamação na execução civil, refere o documento.

C/Lusa
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