Questionário sobre origem étnica de alunos vai ser retirado das escolas

por RTP
O inquérito visava "melhorar a educação e a leitura" em Portugal mas "algumas coisas não correram bem", admite a empresa Nuno Veiga - Lusa

A Direção-Geral de Educação retirou das escolas um inquérito com uma questão sobre a etnia dos pais, indo agora analisar "o que correu mal". A distribuição do documento tinha sido autorizado pela própria DGE e motivou queixas junto de várias entidades, incluindo da secretaria de Estado da Cidadania e Igualdade. À RTP, a autora do inquérito garantiu que foi um lapso e não tinha intenção de discriminar.

A pergunta que motivou queixas dos encarregados de educação está relacionada com a origem étnica dos pais: “portuguesa, cigana, chinesa, africana, Europa de Leste, indiana, brasileira” ou outra.

É uma pergunta “não autorizada” e que mereceu “o parecer negativo” da Comissão Nacional de Proteção de Dados, levando à retirada imediata do inquérito das escolas onde havia sido distribuído, declarou a secretária de Estado da Cidadania e Igualdade. “Foi uma pergunta mal formulada, sem nenhum tipo de rigor metodológico. É inaceitável”, considerou Rosa Monteiro.

O inquérito, com 15 páginas, foi distribuído esta segunda-feira em pelo menos duas escolas da Grande Lisboa e do Grande Porto. A distribuição foi autorizada pela Direção-Geral da Educação.

"Qualquer inquérito que é aplicado dentro do recinto escolar (seja a alunos, professores ou funcionários) necessita de uma autorização da Direção-Geral da Educação (DGE). Há uma legislação em Portugal que quando os questionários se dirigem a alunos é muito exigente relativamente ao tipo de perguntas e ao tamanho do questionário", explicou o diretor-geral da Educação.

José Vítor Pedroso notou que, devido a um conjunto de critérios, a DGE dispõe de um serviço que tem por missão analisar os questionários. "E foi o que aconteceu com estes. Este questionário, como tinha perguntas sensíveis, exigiu uma avaliação prévia da Comissão de Proteção de Dados. Nós trabalhamos com a comissão e em alguns questionários é-lhes pedido um parecer prévio. A comissão aprovou este, mas desde que fossem retiradas as questões relacionadas com a origem étnica dos estudantes. Foi nessa condição que foi aprovado", contou.

Foi então "passada uma declaração à entidade que está a fazer a investigação de que os inquéritos só podem ser aplicados nas escolas se forem retiradas as questões”, cabendo ao diretor da escola decidir se autoriza a distribuição do documento.

José Vítor Pedroso admite ainda não ter tido "tempo de perceber o que aconteceu, porque não aplicaram o questionário que foi aprovado mas sim o original, eventualmente", sendo necessário ter de se analisar “o que correu mal”.

"O que me referiram da escola (a escola é que deveria ter analisado o questionário) é que tinham analisado uma versão, que não esta, e que no dia da aplicação do questionário, estes chegaram à escola num envelope fechado. A escola, no meio de um primeiro dia de aulas, não teve tempo para verificar", acrescentou.
Para melhorar educação e leitura
Com o objetivo de “melhorar os métodos educativos em Portugal”, a CLOO, uma empresa de consultoria em economia comportamental elaborou um inquérito, composto pelos termos de identificação e consentimento, pela ficha de participação e o pelo questionário.

Em declarações à RTP, a coordenadora do estudo garante que foi um lapso e que não tinha a intenção de discriminar.

“Toda esta investigação tem um objetivo que é melhorar a educação e a leitura mas, de facto, houve algumas coisas que não correram bem”, afirmou a coordenadora do estudo Diana Orghian ao Jornal de Notícias, que revelou o conteúdo do inquérito.

“Entre os lapsos, Diana Orghian destaca o facto de os inquéritos serem entregues antes do dia 24 de setembro. Até lá os investigadores queriam retirar a palavra "cigana" do documento”, acrescenta o jornal.

Entre as 15 páginas do questionário, autorizado pela DGE a 3 de agosto, apenas três questões são dedicadas aos hábitos de leitura entre pais e filhos. Os encarregados de educação são convidados a responder Verdadeiro/Falso a perguntas sobre comportamento dos pais, como: “às vezes, gosto de fofocar”, “já senti inveja da sorte de outras pessoas” e “houve ocasiões em que me aproveitei de alguém”.

A coordenadora do estudo garante que a identificação dos educandos, bem como data de nascimento, género e composição familiar, entre outros dados dos alunos não são partilhadas com outras pessoas para além dos elementos da equipa.

“Garantimos o sigilo. Os nomes e os números de telefone serão substituídos por códigos. E os pais podem não responder”, devendo, para o efeito, “dizer se costumam ir às reuniões da escola e qual o papel da Ciência na melhoria da qualidade de vida”, disse Diana Orghian ao Jornal de Notícias.
Três queixas por discriminação racial
Na sequência do inquérito, foram feitas várias denúncias ao Alto-Comissariado para as Migrações (ACM), na Comissão para Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR) e também junto de Rosa Monteiro, secretária de Estado da Cidadania e Igualdade.

O presidente da CICDR está a desencadear os procedimentos para “verificar o tipo de procedimento”. A lei prevê o pagamento de uma coima no valor de oito mil euros.

A realização do inquérito contava com a parceria da Fundação Belmiro de Azevedo, que entretanto já rescindiu o contrato com a empresa de economia comportamental Cloo.
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