"Sem catastrofismos". Investigadores de Aveiro corrigem previsões de subida do nível do mar para Portugal

É cientificamente sabido que o nível médio das águas do mar está a subir. E muitas das previsões apontam, a longo prazo, para que boa parte das zonas litorais e ribeirinhas portuguesas, já identificadas, sejam fortemente afetadas. Mas um grupo de investigadores da Universidade de Aveiro, insatisfeito com o cenário catastrófico até aqui apresentado, fez novas contas e concluiu que o futuro vai continuar a favorecer inundações, mas não tão graves como o já anunciado.

João Miguel Dias, investigador da Universidade de Aveiro e um dos autores do estudo, afirmou à RTP que o que tem sido divulgado pela comunicação social - em concreto que o mar irá “roubar” no futuro parte do território nacional - é manifestamente exagerado.

O investigador da UAveiro é claro nesta matéria, afirmando que, “na maioria do planeta, o nível do mar está a subir”. Mas, se assim é, o que mudou para que agora os dados apresentados não sejam tão dramáticos?

João Miguel Dias refere que o estudo agora realizado foi apenas centrado nos estuários de maior risco em Portugal, embora as conclusões possam ser extrapoladas para outros locais. E realça que os anteriores estudos, ainda que com credibilidade científica, pecaram pela simplicidade com que foram realizados e não tiveram em conta as dinâmicas dos territórios envolventes.

“Como eram feitos a uma escala global, não era possível ir ao rigor de cada zona em particular e não estavam a ser contabilizados estes locais em particular, o que é a dinâmica física dos processos (…) nem todas as medidas de proteção que já existem em vários locais”.
Estudos hidrodinâmicos de elevada resolução que foram aplicados em vários estuários e locais nacionais, tais como a Praça do Comércio, Algés e Vila Franca de Xira, marginal da Figueira da Foz, Aveiro, Tróia e litoral algarvio.

Mas não estão por natureza e morfologicamente estes locais em risco de ficar inundados? “Sim”, refere João Miguel Dias, “mas sem catastrofismos”.
Estudo contempla locais inundáveis a curto e a longo prazo
Na verdade não estamos isentos de perder território costeiro para o mar e este estudo prova isso mesmo, oferecendo alguns exemplos.

No estuário do Tejo, no ano de 2055, cerca de 11 quilómetros quadrados de zonas urbanas - onde para além de zonas habitacionais se incluem áreas industriais, estradas e outros elementos edificados – vão com cada vez com maior frequência estar alagados devido ao efeito combinado da maré, da subida do nível médio do mar e em consequência de fenómenos meteorológicos extremos que podem ocorrer uma vez a cada 100 anos.

Os investigadores preveem ainda que cerca de 66 quilómetros quadrados de áreas agrícolas e de pastagem estejam inundados em 2055.

À medida que o tempo avança e o nível do mar sobe, até 2100, a área ocupada pela água será de 14,9 quilómetros quadrados, prevendo-se nessa altura que a área agrícola e de pastagem ocupada seja já de 95 quilómetros quadrados.


Atendendo à densidade populacional e face a dinâmica populacional, estima-se que mais de 6.500 pessoas possam ser afetadas pela subida da água do estuário do Tejo em 2055. Em 2100 o número de pessoas afetadas será superior a 12.500.

João Miguel Dias refere mesmo que, “na costa portuguesa, há vários exemplos de zonas que estão em risco de erosão costeira (…) e não faltam exemplos de zonas que estão em risco e que no futuro, de facto, à deslocalização de milhares de pessoas”.
No que às áreas urbanas diz respeito, os dados apresentados no estudo da UAveiro indicam que, na Ria de Aveiro (6,4 km2 de área inundada em 2055 e 8 km2 até 2100), na foz do Mondego (1,4 km2 em 2055 e 1,7 até 2100), no estuário do Sado (5,6 km2 em 2055 e 6,7 até 2100) e na Ria Formosa (3,6 km2 em 2055 e 4,4 km2 até 2100), os números não são alarmantes, apesar de todos os prejuízos decorrentes da perda de território.

Relativamente às áreas agrícolas e de pastagem alagadas e ao número de habitantes afetados, os cálculos da equipa de investigação falam por si:

• Ria de Aveio com 57 km2 em 2055 e 62,6 em 2100 e com mais de 10.500 pessoas afetadas em 2055 e de 13100 até 2100;

• Foz do Mondego com 33 km2 em 2055, 36 km2 até 2100 e cerca de 600 pessoas afetadas em 2055 e de 800 até 2100;

• Estuário do Sado com 43,5 km2 em 2055 e 44,9 até 2100 com mais e 2.500 pessoas afetadas em 2055 e cerca de cinco mil até 2100;

• Ria Formosa com 3,6 km2 em 2055 e 4,4 até 2100 com cerva de 2.200 pessoas afetadas em 2055 e 2.500 até 2100.

Carina Lopes, uma das investigadoras que faz parte deste estudo, refere também que se verificou que "a energia da onda de inundação é fortemente dissipada durante a inundação de planícies de maré e aluviais" e que "essa dissipação se traduz numa redução do nível máximo da água e, consequentemente, da extensão de inundação". Este mecanismo é particularmente importante na Ria de Aveiro e nos estuários do Tejo e do Mondego, que possuem extensas planícies de maré e aluviais.

A dimensão da embocadura dos estuários é outro fator que determina a amplitude da onda de inundação. “Verificámos que a onda de inundação é fortemente atenuada durante a sua propagação ao longo de embocaduras estreitas e pouco profundas, como é o caso da Ria de Aveiro e estuário do Mondego”, apontam os investigadores.

Os investigadores da UA verificaram ainda que “a onda de inundação é amplificada nas regiões a montante da entrada dos estuários do Tejo e Sado, devido à sua configuração geométrica divergente”. No entanto, “esta amplificação não resulta num aumento da área inundada, uma vez que as regiões adjacentes à entrada destes estuários apresentam cotas relativamente elevadas”. Por tudo isto, “concluímos que os modelos de inundação simplificados projetam extensões de inundação particularmente exageradas na Ria de Aveiro e nos estuários do Mondego e Tejo”.
Zona para novo aeroporto de Lisboa continua inundável
Estudos anteriores em zonas inundáveis no estuário do Tejo referenciam já a zona onde se pretende instalar o futuro aeroporto de Lisboa, nas atuais instalações do aeroporto militar no Montijo, como sendo um local que vai sofrer com a subida gradual das águas do mar.

Mesmo tendo em conta a dinâmica territorial, o risco de inundação desta futura infrastrutura continua a ser uma realidade, diz o investigador do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM) e do Departamento de Física (DFis), na UAveiro: “É uma zona em que atualmente existe um risco de inundação e no futuro estará obviamente sujeito a um risco de inundação superior devido à subida do nível médio do mar”.

Mas João Miguel Dias não dramatiza este problema e explica que, se houver uma intervenção humana de salvaguarda desta infrastrutura, os efeitos de eventuais inundações serão minimizados. Refere ainda que “a zona do novo aeroporto poderá estar em risco, mas se o Homem quiser investir um milhões de euros a protegê-la, deixa de estar“.
“Construção em zonas identificadas como inundáveis devia ser proibida”
São muitas as referências ao longo da história humana de inundações em áreas ocupadas pelo Homem. Locais facilmente inundáveis por ocupação indevida e muitas em zonas de leito de cheia.

Se a maioria se devia a cheias fluviais, com a subida dos níveis médios marinhos, a conjugação destes dois factores, em alguns estuários, passa agora a ser mais frequente. Ainda assim, parece não haver sensibilidade por parte dos gestores territoriais na concessão e autorização de construção nestas áreas classificadas e identificadas como inundáveis.

Uma questão que o investigador João Miguel Dias vê de forma muito negativa e com custos elevados no futuro, quer a nível de deslocalização populacional, quer nas estruturas envolvidas, razão pela qual este estudo, diz, é importante.

Alertar para o que pode acontecer ao território no futuro “foi uma das motivações para a realização deste estudo, porque entendemos que é fundamental, quer para as populações, para a sociedade e para os decisores políticos estarem na posse das melhores previsões que são possíveis, à data de hoje, para que se possa identificar corretamente as zonas de risco, avaliar se essas zonas devem ou não ser protegidas no futuro”, com uma decisão politica e com fator custo/beneficio em cima da mesa. Isto “para que efectivamente, no futuro, não se esteja a construir em zonas que sabemos que vão estar inundadas. E não faz sentido hoje estar a construir nessas zonas”.

Múltiplos fatores
O valor do nível máximo da água, principalmente visível nos estuários, depende de vários fatores, entre os quais a própria dinâmica geológica territorial. Isto porque, se o nível médio do mar subir meio metro, por exemplo, tal não implica necessariamente uma subida de meio metro do nível máximo da água em todo o estuário.

Se os níveis do mar sobem, devido ao degelo, ou à dilatação do volume oceânico, as placas continentais também são dinâmicas e podem ser um importante fator no escalar destas inundações. E há também que ter em conta as marés de maior amplitude no período de inverno, conjugadas ou não com influência da gravitação lunar e/ou maior fluxo de águas fluviais.

Este estudo fornece uma visão global dos mecanismos físicos que determinam a extensão da inundação em estuários com características geomorfológicas distintas e aconselha a aplicação de modelos numéricos, em vez dos modelos de inundação simplificados em sistemas estuarinos.

As previsões alarmistas, consideram os investigadores da UA, “tendem a desmobilizar a população e a gerar desconfiança na ciência, sendo por isso urgente disponibilizar ao público previsões fidedignas, de forma a garantir o seu envolvimento e compromisso na proteção das regiões costeiras e no combate às alterações climáticas”, esclarece o investigador do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM) e do Departamento de Física (DFis) João Miguel Dias, um dos autores do estudo publicado na revista Scientific Reports.


Carina Lopes, Magda Sousa, Américo Ribeiro, Humberto Pereira, João Pinheiro e Leandro Vaz, todos investigadores do CESAM/DFis, assinam igualmente o trabalho.