Operação Miríade. Militares portugueses suspeitos de tráfico de diamantes, ouro e droga

por Ana Sofia Rodrigues, Carlos Santos Neves - RTP
Rui Alves Cardoso - RTP

A Polícia Judiciária desencadeou esta segunda-feira 100 buscas de norte a sul do país. Militares que integraram missões no estrangeiro são suspeitos de envolvimento em tráfico de diamantes, ouro e droga. Terão montado uma associação criminosa em torno das missões militares portuguesas, no âmbito da ONU, designadamente na República Centro-Africana. Foram feitas dez detenções.

"No âmbito de um inquérito dirigido pelo DIAP de Lisboa – 10ª Secção, a Polícia Judiciária, no dia de hoje, através da Unidade Nacional de Combate à Corrupção, e com o apoio de várias Unidades da Policia Judiciária e da Autoridade Tributária, juntamente com o Juiz de Instrução Criminal e Magistrados do Ministério Público, procedeu à execução de cem (100) mandados de busca, noventa e cinco (95) buscas domiciliárias e cinco (5) buscas não domiciliárias, visando a recolha de prova relacionada com as práticas criminosas, sob investigação, bem como ao cumprimento de dez (10) mandados de detenção emitidos pelo DIAP", lê-se em comunicado da polícia de investigação criminal.

A operação decorreu em Lisboa, Funchal, Bragança, Porto de Mós, Entroncamento, Setúbal, Beja e Faro, "contando com a participação de cerca de 320 inspetores e peritos da Judiciária".
"Está em investigação uma rede criminosa, com ligações internacionais, que se dedica a obter proveitos ilícitos através de contrabando de diamantes e ouro, tráfico de estupefacientes, contrafação e passagem de moeda falsa, acessos ilegítimos e burlas informáticas, tendo por objetivo o branqueamento de capitais", conclui o comunicado.

O juiz Carlos Alexandre, a tutelar a operação, assinou dez mandados de detenção, que foram entretanto executados.

Entre os alvos das buscas está o Regimento de Comandos, na Serra da Carregueira, em Belas, onde se encontram documentos relativos às missões na República Centro-Africana.
O ouro e os diamantes teriam por destino Antuérpia, na Bélgica. O inquérito que levou a estas operações de busca decorre desde 2020.
EMFGA fez a denúncia
Em nota remetida às redações, o gabinete do chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas revela que em dezembro de 2019 foi reportado ao Comandante da 6ª Força Nacional Destacada (FND), na República Centro-Africana (MINUSCA), o eventual envolvimento de militares portugueses no tráfico de diamantes, denúncia que foi reencaminhada para as instituições de investigação.

As Forças Armadas garantem que, depois de avaliadas as responsabilidades, "tomarão as devidas medidas sendo absolutamente intransigentes com desvios aos valores e ética militar".

“O comandante da FND relatou prontamente ao EMGFA a situação, tendo esta sido de imediato denunciada à Polícia Judiciária Militar (PJM) para investigação”, refere a nota enviada. A PJM comunicou ao Ministério Público, que nomeou como entidade responsável pela investigação a Polícia Judiciária.

O que está em causa de momento é a possibilidade de alguns militares que participaram nas FND, na RCA, terem sido utilizados como correios no tráfego de diamantes, ouro e estupefacientes. Estes produtos foram alegadamente transportados nas aeronaves de regresso das FND a território nacional”, refere a nota enviada pelo gabinete do Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMFGA).
"Uma situação de projeção internacional"
Em Cabo Verde, onde cumpre uma visita oficial, o Presidente da República reagiu às notícias sobre a operação que visa militares portugueses. Marcelo Rebelo de Sousa sublinhou que as suspeitas investigadas pelas autoridades judiciais são "uma situação de projeção internacional" e de "prestígio das Forças Armadas".

"Normalmente, em território estrangeiro, não faço comentários sobre a situação portuguesa, mas aqui é uma situação de projeção internacional, de prestígio das Forças Armadas, nomeadamente numa intervenção neste continente", começou por afirmar o Chefe de Estado.

"Logo que houve a denúncia, no final de 2019, as Forças Armadas, elas próprias, através do Estado-Maior General das Forças Armadas, em colaboração com o Estado-Maior do Exército, desencadearam as investigações", assinalou Marcelo.
"Segundo, a Polícia Judiciária Militar teve um papel nessas investigações. Terceiro, porque o âmbito era mais vasto, a Polícia Judiciária passou a intervir e a ter um papel fundamental nas investigações, ao longo de 2020 e 2021", prosseguiu.

"Quarto, a ideia é levar as investigações o mais longe possível, para apurar o que se passa, confirmar se sim ou não são casos isolados e portanto não afetam em termos de prestígio, que está incólume", disse ainda o Presidente, que insistiu na ideia de este processo "não atinge minimamente o prestígio das Forças Armadas portuguesas.
“Não afeta a nossa imagem internacional”
Questionado pelos jornalistas sobre esta operação judicial, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, quis afiançar que “não afeta a imagem internacional” do país.

“Se as autoridades judiciais entendem que há indícios que exigem investigações, essas investigações devem ser feitas. Vigora o princípio da separação de poderes, por isso não tenho nada a dizer sobre investigações em curso”, acrescentou o governante, que colocou a tónica no facto de “o papel desempenhado por militares portugueses” ser internacionalmente reconhecido.
“Não trato indícios como se fossem factos apurados”, enfatizou Santos Silva.
“Investigações são muito importantes”
Por sua vez, o secretário de Estado adjunto e da Defesa Nacional veio afirmar que “as investigações são muito importantes” para a credibilidade das instituições militares.

“Como é evidente, vivendo nós num Estado de Direito e existindo separação de poderes, estas questões devem ser investigadas de uma forma absolutamente clara, para defender o interesse público, e, portanto, desse ponto de vista, nós observamos com toda a atenção no Governo como é que estas investigações estão a ser feitas, porque elas são muito importantes, nomeadamente para mantermos com toda a credibilidade e com todo o bom-nome todas as instituições militares”, declarou aos jornalistas Jorge Seguro Sanches, numa deslocação à Marinha Grande.

Admitindo que, “por vezes, em todas as organizações, poder haver uma situação menos clara ou outra”, o secretário de Estado contrapôs que é “nessas situações que as autoridades devem investigar”.

Seguro Sanches afiançou ainda que, “logo que houve algumas suspeitas sobre esta situação, os órgãos próprios passaram a fazer essa investigação e este resultado está agora a funcionar”.

“Neste âmbito, existe uma estrutura que é Polícia Judiciária Militar que, desde o início, está envolvida, precisamente na investigação destas situações”.

“Aquilo que nós observamos é, com toda a tranquilidade, as instituições a funcionar, a esclarecer aquilo que têm de esclarecer e a atuar se for caso disso nesta situação”, estimou o governante.

Questionado sobre se este caso afeta a imagem das Forças Armadas e o país, Seguro Sanches retorquiu: “Não, não afeta. Se houver alguma situação que deva ser esclarecida, ela tem de ser esclarecida. Se não fosse esclarecida, é que poderia afetar”.

c/ Lusa
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