Vieira da Silva admite abusos com donativos para vítimas de Pedrógão Grande

por Sandra Salvado - RTP
Fotografia: Tiago Petinga - Lusa

É uma tragédia sem precedentes que vai marcar para sempre o país. O incêndio de Pedrógão Grande fez 64 mortos e mais de duas centenas de feridos. O valor de todos os donativos para as vítimas já ultrapassa os 14 milhões de euros e há denúncias de quem se aproveite da situação. O Governo já admitiu que pode estar a ser feito um aproveitamento abusivo ou haver duplicação de subsídios. Apesar de considerar que “o risco é muito limitado”, o ministro Vieira da Silva avisa que se algum problema for detetado, a justiça entrará “em campo”.

Passados quase três meses, o dinheiro doado para ajudar as vítimas ainda não chegou a todos os que precisam. Entre donativos de anónimos, famosos e várias contas solidárias abertas, a RTP apurou que o valor já ultrapassa os catorze milhões de euros.

O autarca de Pedrógão Grande já disse que quer que o Ministério Público abra uma investigação a contas que foram abertas depois dos incêndios e cujo destino dos fundos angariados é desconhecido. Valdemar Alves denunciou ainda que há pessoas a receber subsídios em duplicado.

O Governo admitiu que pode estar a ser feito um aproveitamento abusivo dos donativos para Pedrógão Grande. Em entrevista ao programa 360 da RTP, o ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social disse mesmo que pode haver duplicação de subsídios mas que o risco é muito limitado.

“Obviamente que eu não posso dizer, ninguém o pode fazer, que não poderá existir num ou noutro caso um aproveitamento abusivo ou duplicação de apoios”, como denunciou o presidente da Câmara de Pedrógão Grande.

“Do ponto de vista destes subsídios que são integrados em políticas públicas ou dos fundos solidários, eu creio que o risco de duplicação é um risco muito limitado e nós estaremos atentos", esclareceu o ministro do Trabalho.

Vieira da Silva sublinhou no entanto que não quer por "em causa que se alguém tem uma suspeita de alguma irregularidade, tem todo o direito e o dever de a tornar pública”.

Vieira da Silva frisou ainda que “o Governo não quis assumir a gestão dos fundos solidários. Deixou às instituições que o receberam a opção de os gerir mas ofereceu-se para ajudar a coordenar porque é de facto difícil".

O ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social disse que tem um “nível elevado de tranquilidade relativamente à possibilidade de evitarmos estes riscos. Se acontecer algum problema que justifique que as instituições com capacidade para averiguar entrem em campo, assim acontecerá”.

Vieira da Silva garantiu ainda que haverá técnicos formados e independentes a verificar a conformidade de todos os procedimentos e que todas as instituições “se comprometeram a enviar relatórios trimestrais sobre o que ficou sobre a sua responsabilidade”.
O fundo Revita
Na prática a população deu o dinheiro às entidades e o Estado organizou um fundo, o Revita. Apesar das intenções de doação chegarem até 4,9 milhões de euros, até ao momento o fundo só recebeu donativos no montante total de 1,961 milhões de euros.

Isto porque algumas entidades que aderiram ao Revita e prometeram ajudar, ainda não o fizeram. É o caso, por exemplo, da Embaixada de Timor Leste (1,3 milhões de euros) ou o BPI/La Caixa (1 milhão de euros a doar pela Fundação Caixa de Barcelona).

O Banco Europeu de Investimento (BEI) avançou que doaria 500 mil euros e a ANA - Aeroportos de Portugal 70 mil euros, dinheiro que também ainda não chegou ao fundo Revita.

Fonte do BPI esclareceu à TSF que “os donativos da conta solidária, cerca de 140 mil euros, que estavam depositados no banco, já foram entregues ao fundo Revita. O restante dinheiro, um milhão de euros acionados pela instituição bancária em conjunto com a Fundação La Caixa, ainda não foi transferido porque está dependente de um protocolo entre o BPI, Fundação La Caixa e Fundo Revita. Fonte do banco não adiantou quando é que esse protocolo será assinado”.
"Estado não gere nenhum dos fundos"
O ministro do Trabalho e Solidariedade e Segurança Social quis esclarecer que “o Estado não gere nenhum dos fundos que foram criados com a solidariedade dos portugueses, das empresas ou das famílias"

"O Estado criou o Fundo Revita porque houve instituições que o solicitaram, onde o Estado está representado, mas não tem maioria. São três as pessoas que têm responsabilidade para o gerir: um presidente de Câmara que foi escolhido pelos presidentes de câmara que foram atingidos (Presidente da Câmara de Castanheira de Pêra); um provedor de uma Misericórdia (Pombal), que por acaso é da região e o outro que é o Presidente do Instituto de Segurança Social”.

Ao contrário do que tem vindo a ser público, disse Vieira da Silva, “o Governo não quis gerir os fundos da solidariedade. Criou a oportunidade de existir um veículo, onde as pessoas puderam colocar os seus apoios, que tem um sistema de verificação que é fiscalizado pela Direção Geral de Finanças”.

O ministro frisou ainda que o Governo conversou com as três instituições que têm mais peso nos outros fundos solidários – Gulbenkian, União das Misericórdias e a Cáritas – no sentido de se coordenarem os trabalhos no terreno.

“Fizemos uma pergunta: Se queriam integrar todos o mesmo fundo, mesmo que a gestão fosse deles, a opção foi por ter um mecanismo autónomos e nós respeitámos completamente mas houve interesse em assinarmos um protocolo com a Segurança Social para podermos coordenar estes trabalhos”.

O responsável do Governo referiu que a recuperação de algumas casas está a ser feita pelos fundos da União das Misericórdias ou da Cáritas Diocesana. “Estamos a tentar que o processo decorra com toda a normalidade. Obviamente que esta não é uma situação normal”.

O Presidente da União das Misericórdias recusa qualquer aproveitamento irregular dos donativos que ainda não foram investidos e nega que seja a entidade que mais donativos recebeu.

Em entrevista ao Jornal 2 da RTP, Manuel Lemos anunciou que toda a informação será publicada na internet já na próxima semana.
"Arderam 55 mil estádios de futebol"
"Se pudéssemos reduzir isto a termos futebolísticos, arderam 55 mil estádios de futebol. É uma área imensa. Portanto, fazer depressa não é fazer à pressa. O dinheiro que não está gasto está todo nas instituições onde as pessoas o depositaram e confiaram em nós. Cada cêntimo gasto vai ser posto na plataforma online".

E explicou: "A União das Misericórdias não é a entidade que recebeu mais dinheiro, aparentemente, até é a que recebeu menos dinheiro porque até hoje [05/09/2017] tinham entrado 1.606.888,99, mas isso não muda nada na responsabilidade da instituição".

O responsável quis frisar que “O Estado criou um fundo – O Revita – e a esse fundo associaram-se mais três fundos, o da União das Misericórdias, o da Cáritas e o da Fundação Calouste Gulbenkian. Há depois muito outro dinheiro que terá chegado a outras instituições daquela zona, inclusivamente algumas misericórdias [como a Misericórdia de Pedrógão Grande], bombeiros e outras associações (…) No nosso caso estamos completamente articulados com o fundo Revita”.

Manuel Lemos revelou que à União de Misericórdias e à Gulbenkian coube a reconstrução de 40 casas, “algumas obras já estão a terminar, outras a meio e outras no princípio”.

Ouvido pela TSF,  também o presidente da Cáritas Portuguesa está incomodado com o clima de suspeição lançado sobre os donativos para as vítimas dos incêndios de Pedrógão Grande.

A organização recebeu pouco mais de dois milhões de euros e até agora entregou 100 mil euros em Mação e o resto vai para a reconstrução de habitações.

Eugénio Fonseca diz que o Governo tem mecanismos legais para saber onde está todo o dinheiro dos donativos e defendeu que "os portugueses têm o direito de saber o que é feito ao dinheiro confiado a estas instituições".

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