A direita mais cáustica, a esquerda mais amiga. As reacções ao Congresso do PS

por RTP
Paulo Cunha, Lusa

Dada a palavra aos convidados da oposição que assistiram ao encerramento do congresso socialista, os social-democratas, na voz de Morais Sarmento, acusaram o PS de escolher um trajecto à esquerda, “um caminho que Mário Soares sempre recusou”. Em sentido contrário, o PCP adverte contra as “submissões do grande capital”, um recado com eco nas declarações dos bloquistas, que avisam para a impossibilidade de tratar melhor os portugueses quando se responde "obsessivamente" às metas de Bruxelas. Já o CDS-PP acenou com o fantasma Sócrates.

O vice-presidente do PSD Morais Sarmento defendeu no final do 22.º Congresso do PS, na Batalha, que os socialistas estão a afirmar "um caminho que Mário Soares sempre recusou", de "viragem à esquerda", e que seria melhor um PS "sem dependências, coligações ou prisões".

"Era melhor que o PS, que prestou homenagem ao seu fundador Mário Soares, mas que neste Congresso afirma um caminho que Mário Soares sempre recusou, era mais importante, porventura, que reafirmasse o seu próprio caminho, como nos habituámos a ver: sem dependências, coligações ou prisões a quaisquer outros partidos", afirmou Nuno Morais Sarmento. Nuno Morais Sarmento estava acompanhado pelo líder parlamentar do PSD, Fernando Negrão, e pela vice-presidente da bancada social-democrata Margarida Mano.

O dirigente social-democrata acrescentou: "Pelo menos, é assim que sempre nos recordámos do PS, é assim que continuamos a fazer o nosso caminho e que esperamos que o PS também seja capaz de fazer".

Morais Sarmento considerou que no Congresso da Batalha o PS se dedicou mais a "discutir o futuro do PS do que o futuro de Portugal" e lamentou "a reafirmação de uma viragem à esquerda como sendo uma opção que se deseja repetir por muitos e bons anos".

No seu entender, essa opção "é, infelizmente, para os portugueses, a garantia de que continuarão a ter um Governo que não é mais do que a soma dos equilíbrios que em cada momento é possível conseguir entre três partidos".

O vice-presidente do PSD sustentou que a atual solução governativa com apoio parlamentar dos partidos à esquerda do PS torna "impossível contar que por parte deste Governo seja apresentada uma estratégia coerente, sólida e de médio e longo prazo, porque ela tem de ser negociada a cada momento e a cada tema com cada um dos dois partidos que, sem as mesmas ideias".
CDS-PP cola Costa a Sócrates

Nuno Melo puxou da ironia para comentar o congresso do PS, dizendo que parecia o reino da fantasia, e associou o Governo de António Costa ao passado e a José Sócrates.

Depois de ouvir o discurso de António Costa no fecho da reunião do PS, o vice-presidente do CDS-PP sublinhou que, no executivo socialista, à exceção de Sócrates, estão lá "os mesmos ministros, os mesmos secretários de Estado, os mesmos assessores que até 2011 arruinaram as contas públicas do país e trouxeram a 'troika'"."Um dos maiores aplausos" do congresso foi para Sócrates. Esta salva de palmas "mostra que o PS não aprendeu nada com os erros".

E assinalou também o facto de "um dos maiores aplausos" do congresso ter sido para Sócrates, o líder que deu a primeira maioria absoluta ao PS, foi primeiro-ministro e é acusado no Processo Marquês.

"Não deixa de ser relevante", afirmou o dirigente centrista, que também concluiu que, com esta salva de palmas, "mostra que o PS não aprendeu nada com os erros".

Nuno Melo afirmou que teve "uma sensação estranha" de o congresso ter decorrido no pavilhão da fantasia, em Paris, na Eurodisney, e não no pavilhão ExpoSalão, na Batalha. Esta fantasia e a falta de posições do PS quanto à dívida pública ou quanto à "maior carga fiscal" em Portugal, aconselhou, estará "em julgamento" nas próximas eleições, europeias e legislativas, em 2019.
Bloco reitera estar disponível

A dirigente do Bloco de Esquerda Marisa Matias disse que o partido está sempre disponível para convergir com o PS, mas avisou que é uma "equação impossível" tratar melhor os portugueses quando se responde "obsessivamente" às metas de Bruxelas.

"Estamos sempre disponíveis para convergir com o PS naquilo que melhorar a vida dos portugueses, mas obviamente precisamos de investimento e, para termos investimento, para podermos incrementar essas medidas, precisamos de enfrentar muito diretamente aquilo que são as normas e as regras que são impostas por Bruxelas que não nos deixam investir e não nos deixam melhorar a condição de vida das pessoas", afirmou Marisa Matias.Há que "fazer escolhas" e o BE escolhe "as medidas que favorecem a vida dos portugueses".

A também eurodeputada assinalou que "é verdade que muitas daquelas que foram conquistas recentes na sociedade portuguesa e que resultaram dos acordos com os partidos à esquerda foram capitalizadas pelo PS como se fossem medidas do PS".

A este propósito exemplificou com o aumento das pensões, que "não constava do programa do PS" e "foi graças a esses acordos que se conseguiram essas conquistas".

A dirigente bloquista adiantou que o partido viu "neste congresso um discurso muito autocentrado, com o acolhimento de muitas conquistas que não são necessariamente integradas no programa eleitoral inicial do PS", acrescentando que "gostaria de ter ouvido coisas mais concretas".

"Gostaríamos de ter ouvido, por exemplo, como é que é possível compatibilizar propostas de mais investimento em setores estratégicos da sociedade - e que tão necessários são porque ainda há tanto para fazer na saúde, educação, em tantas áreas fundamentais da sociedade - ao mesmo tempo que se responde às metas obsessivas Bruxelas, porque elas são incompatíveis", declarou Marisa Matias.

Reiterando a disponibilidade do BE para "discutir todas as medidas", onde se incluem o reforço do Serviço Nacional de Saúde, da escola pública ou o regresso de emigrantes, Marisa Matias insistiu que estas precisam de investimento, mas "a equação mais investimento, tratar melhor os portugueses e os serviços públicos ao mesmo tempo que se responde obsessivamente às metas de Bruxelas é uma equação impossível".
PCP alerta contra maiorias absolutas

O PCP acusou o PS de continuar "amarrado às submissões do grande capital" e da Europa e alertou para os riscos de uma maioria absoluta dos socialistas nas legislativas do próximo ano.

"Este congresso, no mais fundamental, confirma que o PS permanece amarrado a um conjunto de submissões ao grande capital e à União Europeia, que têm impedido de resolver alguns dos problemas nacionais", afirmou Carlos Gonçalves, da comissão política do PCP e porta-voz das críticas comunistas.Avanços e conquistas de dois anos e meio "não se devem tanto ao PS, mas muito mais à luta dos trabalhadores e do povo e, seguramente, à intervenção e à proposta do PCP".

Acrescentou Carlos Gonçalves que o PCP não acredita que tivessem sido conseguidos "avanços, conquistas, recuperação de rendimentos e de direitos" dos últimos dois anos e meio se o PS estivesse sozinho do Governo desde 2016.

"Avanços, conquistas" que "não se devem tanto ao PS, mas muito mais à luta dos trabalhadores e do povo e, seguramente, à intervenção e à proposta do PCP".

Olhando para o futuro e a afirmações de vários dirigentes socialistas, de que, mesmo com maioria, procuraria um entendimento com os partidos à sua esquerda, Carlos Gonçalves responde com uma pergunta em sentido contrário: Se "o PS, com uma maioria absoluta, estará disponível, de facto e não na propaganda, para discutir com o PCP coisas sérias".

"O caminho que leve até às últimas consequências os aspetos mais positivos desta governação e que seja capaz de dar uma oportunidade ao desenvolvimento, ao futuro, não passa por uma maioria absoluta do PS", afirmou.

Exemplos de aspetos negativos dessas cedências ao "grande capital e à União Europeia" são, por exemplo, "manter situações como os juros absurdos da dívida, insuperáveis e impossíveis de satisfazer".

A "quadratura do círculo", de manter estas políticas e um entendimento à esquerda, é impossível, estimou o dirigente comunista.
'Os Verdes' dizem antes ver para crer
O dirigente do Partido Ecologista "Os Verdes" José Luís Ferreira disse esperar que "haja sintonia" entre o que hoje disse o secretário-geral do PS, António Costa, e as posições dos socialistas na Assembleia da República: "Vamos esperar agora que haja sintonia entre aquilo que hoje aqui foi dito e depois o dia a dia, nomeadamente a posição do PS na Assembleia da República"."Vamos esperar que haja sintonia entre as posições que o PS assume na Assembleia da República e aquilo que foi aqui dito".

"Quando falamos de mais democracia, veremos se há sintonia quando se discutir a proposta para repor as freguesias extintas pelo anterior Governo, do PSD/CDS; quando falamos de mais justiça social, vamos ver como é que o PS se vai posicionar quando discutirmos a necessidade de valorizar os salários e os aumentos salariais ou a necessidade de investir nos serviços públicos, nomeadamente na saúde e na educação", declarou.

José Luís Ferreira disse ainda esperar sintonia quando o debate for transportes públicos, que "têm um papel importante no que diz respeito ao combate às alterações climáticas e à redução de gases com efeito de estufa".

Classificando o discurso de António Costa "interessante", o deputado ecologista destacou igualmente o facto de ter sido "reconhecida a importância da devolução de rendimentos aos portugueses", como também o facto de o PS se comprometer "com mais justiça social, com mais democracia, mas também empenhado no combate às alterações climáticas".

"Vamos esperar que haja uma perfeita sintonia entre as posições que o PS assume na Assembleia da República e hoje, aquilo que foi aqui dito na intervenção de encerramento do secretário-geral do PS", reafirmou.


c/ Lusa
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