Abstenção do PS no Orçamento impacienta PCP e BE

por RTP
Miguel Portas afirma que o PS de Seguro está a dar “um sinal extraordinariamente equívoco para o mundo do trabalho” Tiago Petinga, Lusa

Comunistas e bloquistas mostraram-se esta sexta-feira pouco surpreendidos com a opção socialista pela abstenção diante do Orçamento do Estado de 2012. Os primeiros associam António José Seguro a uma estratégia “que rouba o povo para satisfazer” a banca. E nem a contraproposta para a salvaguarda de um dos subsídios que o Governo quer cortar a trabalhadores do Estado é vista com bons olhos pelo PCP, que critica o PS por parecer “satisfeito com a amputação de uma perna em vez de duas”. No BE, conclui-se que o maior partido da Oposição capitulou.

Para os comunistas, a decisão selada durante a madrugada no seio da Comissão Política Nacional do PS “não surpreende”. O PCP, reagiu o deputado João Oliveira, já havia percebido que “os compromissos do Partido Socialista não eram com o povo português, eram sim com o setor financeiro, com a especulação, com a banca”. “Portanto, um Orçamento do Estado que rouba o povo português para satisfazer os interesses do setor financeiro obviamente que não podia deixar de ser acompanhado pelo Partido Socialista”, lamentou o parlamentar comunista na Assembleia da República.
“Postura construtiva”

O PSD já veio aplaudir a posição da liderança de Seguro, manifestando “disponibilidade total” para “um diálogo democrático” com o PS.

“Saudamos esta posição do PS. Queremos ver nela uma postura construtiva que sempre quisemos que o PS assumisse neste processo”, declarou o líder do grupo parlamentar laranja, Luís Montenegro, que falou ainda de uma “demonstração muito positiva do ponto de vista interno e externo”.

Pelo CDS-PP, João Almeida classificou a posição socialista de “muito positiva”, uma vez que consolida uma imagem de coesão, no entender do deputado democrata-cristão.

“Isso foi conseguido aquando da subscrição pelos três partidos do Memorando de Entendimento com a troika e é positivo que neste momento do OE, que é o primeiro grande teste a essa coesão nacional, Portugal consiga dar uma imagem diferente de outros países”, assinalou o porta-voz dos parceiros do PSD na coligação governamental.

A uma pergunta dos jornalistas sobre a intenção, por parte da direção socialista, de convencer o Governo a poupar os trabalhadores da Função Pública e das empresas do Estado ao corte de pelo menos um dos subsídios de férias e de Natal, João Oliveira respondeu com a denúncia de “uma desculpa esfarrapada” do PS, acusando o maior partido da Oposição de procurar “justificar o injustificável”: “O apoio a um Orçamento do Estado que é profundamente negativo e penalizador do povo português”.

“Isto parece alguém que está satisfeito com a amputação de uma perna em vez de ser das duas. A verdade é que o povo português vai ficar amputado à mesma e vai ficar amputado para suportar e aguentar os prejuízos e os lucros que durante anos foram acumulados pelo setor financeiro e é disso que se trata”, criticou o deputado do PCP.

“São agora demasiado contraditórias as declarações que o atual secretário-geral do PS assumia há dois meses atrás, quando dizia que era inadmissível pôr o povo português a pagar os prejuízos ou os lucros do setor financeiro num momento de crise. Aquilo que nós esperamos é que o povo português tome uma posição diferente desta do PS e dê combate a este Orçamento, como o PCP vai fazer”, rematou.

PS “demite-se de discutir o Orçamento”
As reações críticas alargam-se ao Bloco de Esquerda. As vozes dos eurodeputados Miguel Portas e Marisa Matias coincidem na avaliação de que são “fracos” os argumentos de Seguro para explicar a escolha da abstenção. No Conselho Superior da Antena 1, Portas sustentou mesmo que os socialistas acabam de deitar por terra “toda a capacidade negocial”: “Não sei se terá sido uma atitude muito sábia”.

“Na verdade, este Orçamento do Estado para 2012 está muito para lá daquilo que são as imposições da troika a que o Partido Socialista ainda se encontra amarrado. Ao decidir-se pela abstenção, o que o Partido Socialista esteve a fazer foi ao mesmo tempo decidir-se por não usar o seu peso na tentativa de minorar alguns dos efeitos mais gravosos desta proposta de Orçamento, ou seja, a decisão de abstenção é uma decisão de demissão de negociar”, reprovou Miguel Portas na rádio pública.

O PS, insistiu o eurodeputado, “pode apresentar as propostas que quiser, mas a partir do momento em que já anunciou que faça sol ou faça chuva vou abster-me é evidente que perdeu toda a capacidade negocial para procurar fazer valer o seu peso político nessa negociação”. Miguel Portas está convencido de que o Partido Socialista não avaliou bem “o que acontece num contexto em que não há só um Orçamento a ser discutido, há também uma greve geral com características novas, que envolve a UGT e que envolve manifestações de rua”.

Em declarações à agência Lusa, Marisa Matias disse ver na proposta de manutenção de um dos subsídios um “argumento fraco para justificar uma abstenção”: “Não é essa alteração que faz a diferença. Será António José Seguro a tentar tomar uma pequena parte para justificar uma opção pelo todo e verdadeiramente o todo é muito violento para com os trabalhadores, com os pensionistas portugueses e com os cidadãos em geral. Essa violência não se compra com um subsídio”.

“Revisionismo histórico”
De acordo com uma fonte oficial do PS, citada pela Lusa, a proposta de António José Seguro foi aprovada com 68 votos favoráveis, 22 contra e duas abstenções. Mas a impossibilidade de uma posição unânime foi sonora na Comissão Política Nacional. O presidente da Câmara de Lisboa, António Costa, que chegou à reunião partidária em cima da meia-noite, foi um dos membros daquele órgão que votaram contra a abstenção. Assim como o ex-ministro Pedro Silva Pereira e os três elementos do grupo de trabalho para a análise do Orçamento do Estado, Pedro Nuno Santos, Pedro Marques e João Galamba. José Lello, Sérgio Sousa Pinto, Fernando Serrasqueiro e Eduardo Cabrita foram também vozes de sinal contrário que se fizeram ouvir no Largo do Rato.

Após a reunião, Seguro vinha a público para eleger como objetivo dos socialistas a retirada do Orçamento do Estado de um dos dois subsídios a cortar aos profissionais do Estado e pensionistas com vencimentos mensais acima de mil euros. “É profundamente injusto retirar dois salários aos funcionários públicos e aos pensionistas. Em alguns casos, estamos até a falar em quatro salários, porque há famílias com dois funcionários públicos”, argumentava o secretário-geral do Partido Socialista.

Com base nas “contas do PS”, Seguro defendeu haver “uma folga muito importante” na proposta de Orçamento do Estado que é “suficiente para cobrir quase na totalidade um dos subsídios, de férias ou de Natal, incluindo também os pensionistas”. “O que é necessário é cerca de mil milhões de euros”, nos cálculos invocados pelo dirigente.

Prometendo “dizer aos portugueses, de forma clara, que há uma diferença muito grande entre este Governo e o PS”, António José Seguro alegou que a abstenção “é um voto a favor da viabilidade da continuação de Portugal na Zona Euro”. Na intervenção que encerrou os trabalhos da Comissão Política Nacional, o líder socialista terá lamentado, segundo uma fonte partidária ouvida pela agência Lusa, as críticas de correligionários: “Às vezes vejo com preocupação camaradas mais preocupados em ver o que eu faço ou digo do que em combater o Governo”.

Numa resposta ao PCP e ao Bloco de Esquerda, o porta-voz do Secretariado Nacional do PS, João Ribeiro, contrapôs já esta sexta-feira que o partido “fica surpreendido com as tentativas de branqueamento e de revisionismo histórico”. Porque “se há este Orçamento do Estado é porque há este Governo e, se há este Governo, é porque o Bloco de Esquerda e o PCP se aliaram à direita mais liberal de sempre para derrubar um Governo de esquerda, através de uma coligação negativa contra os trabalhadores”.
pub