Manifesto "em defesa da democracia" contesta austeridade "iníqua"

por RTP
A petição “em defesa da democracia” é dirigida à presidente da Assembleia da República, Assunção Esteves António Antunes, RTP

Uma consolidação das contas públicas expurgada de medidas “excessivas e iníquas”, entre as quais “o corte de salários e de subsídios” no domínio do Estado, é a exigência dos signatários de um manifesto e de uma petição “em defesa da democracia” e da “equidade”, a fazer chegar ao Parlamento antes da discussão do Orçamento do Estado para 2012 na especialidade. Primeiro signatário da iniciativa, o politólogo André Freire defendeu esta sexta-feira na RTP Informação que o país precisa de “alternativas mais consensuais”.

No primeiro conjunto de signatários da petição “em defesa da democracia, da equidade e dos serviços públicos”, publicada na Internet, estão nomes como o de Jorge Miranda, António Arnaut, Adelino Maltez, Nuno Portas, Helena Roseta e frei Bento Domingues.

Nos primeiros parágrafos do texto, lê-se que “as medidas extraordinárias inscritas na Proposta de Lei de Orçamento do Estado para 2012 põem em causa alguns dos princípios fundamentais do governo democrático e do Estado de Direito”. Isto “porque contrariam em absoluto vários compromissos eleitorais fundamentais, bem como a necessária igualdade e justiça de tratamento dos portugueses, a qualidade dos serviços públicos e a motivação dos seus servidores”.

Entrevistado na RTP Informação, André Freire, primeiro signatário, explicou que iniciativa tem por finalidade “marcar o debate” e fomentar “uma discussão mais alargada sobre medidas alternativas mais consensuais”. E que “não amesquinhem os servidores públicos”. O exemplo mais citado é o corte dos subsídios de férias e de Natal para trabalhadores do Estado e pensionistas. Uma “operação contabilística” que equivale na prática, a “uma receita extraordinária”, na perspetiva do politólogo.

“Ou isto é um corte definitivo dos subsídios de férias e de Natal e um corte definitivo de salários – eu chamo a atenção que há aqui outra medida, que já vinha do Governo socialista, que é o corte de salários – e então é um corte estrutural da despesa mas ofende a Constituição, porque há um tratamento desigual dos portugueses e porque há um problema nacional e incide só sobre determinadas camadas, ou é uma medida temporária. Se é uma medida temporária, na verdade é uma espécie de imposto extraordinário, embora seja contabilizado como corte na despesa”, sustentou André Freire.

“Outras medidas de corte”

O “ponto central” do manifesto, sublinhou Freire, “é que, primeiro, se tentem outras medidas de corte nas gorduras” do Estado: “Se houver equidade entre assalariados, mas também acionistas e empresas, pessoas do privado e do público, entre os pensionistas, a fatura é mais distribuída e portanto as pessoas sentem-se todas solidárias no esforço”.

“Esse é o ponto central, porque nós estamos aqui a desmotivar os servidores públicos, pessoas que ao longo de várias décadas têm dado o seu melhor na Função Pública, nas empresas públicas, e que ficam completamente desmotivadas e amesquinhadas. Portanto, quem tem o seu brio profissional não se sente bem com isto”, frisou André Freire, para depois contestar o argumento de que há menos garantias de segurança no mercado de trabalho privado.

“Um dos argumentos que está no manifesto e depois na petição on-line que vamos apresentar à Assembleia da República é para desmontar os argumentos que dizem que os funcionários públicos têm um prémio salarial. Os estudos que existem demonstram que esses prémios salariais só existem para os menos qualificados. Na Função Pública, 45 por cento das pessoas têm Ensino Superior, portanto licenciatura ou mais. No privado, são 13 por cento. Há aqui uma iniquidade sobre os mais qualificados. E os menos qualificados até é bom que recebam mais, porque isso significará menos disparidades salariais”, apontou o académico.

“Quanto à questão da estabilidade no emprego, isso também é uma falácia, porque nós temos uma coisa que se chama contrato em funções públicas e que já não é nomeação definitiva. Legalmente, a figura que existe na Administração Pública não é a nomeação definitiva, não é um contrato ad aeternum, é uma coisa que se chama contrato em funções públicas por tempo indeterminado. Se houver extinção de postos de trabalho, com extinção de ministérios, departamentos, as pessoas vão para rua. Estão aí as listas de excedentários a demonstrá-lo”, vincou.

Desigualdade acentua-se

Segundo André Freire, “há algumas alternativas” às opções do Executivo de Pedro Passos Coelho “que estão elas próprias vertidas no Memorando de Entendimento” negociado com o Fundo Monetário Internacional e a União Europeia e nas quais “o próprio PSD se fartou de insistir quando era oposição, o corte nas chamadas gorduras do Estado, os desperdícios nos consumos intermédios”: “O valor que aponta o Memorando de Entendimento para 2012 é muito superior àquele corte que é feito e que está proposto no Orçamento. Aí há alternativa”.

“Naturalmente, depois também há medidas irrealistas que podem ser – e já têm sido – renegociadas com a troika. Aliás, foi assim na TSU [Taxa Social Única], mas também o reporte de prejuízos em sede de IRC. Foram já negociadas algumas coisas e também pode ser renegociado o prazo”, notou o politólogo.

Os subscritores do manifesto, enfatizou André Freire, aceitam “que haja um desvio, que seja necessária austeridade e que, sobretudo, os compromissos internacionais sejam cumpridos”. Todavia, insistiu, “o ponto central é que há aqui uma grande iniquidade e um tratamento desigual dos portugueses, porque o grosso do esforço dos sacrifícios incide sobre os assalariados e sobre os pensionistas e, dentro dos assalariados, incide sobre a Função Pública”.

A petição dirigida ao Parlamento enuncia as medidas que, na opinião dos signatários, “comprimem brutalmente o nível de vida dos portugueses”: “A eliminação dos subsídios de férias e de Natal dos servidores públicos e dos pensionistas, em 2012 e 2013; a eliminação das promoções e progressões na carreira, bem como o corte de salários (entre cinco e dez por cento), apenas para a Função Pública; o aumento de meia hora de trabalho diário para o setor privado; o brutal aumento da carga fiscal, sobretudo sobre os consumidores e assalariados, ampliando o fosso de rendimentos entre capital e trabalho e as desigualdades sociais, num dos países mais desiguais da UE”.
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