António Costa: "Com este Orçamento não há retrocessos"

por RTP
Miguel A. Lopes - Lusa

Na abertura do debate na generalidade de Orçamento do Estado para 2020, o primeiro-ministro sublinhou que a proposta orçamental apresentada pelo Governo é de "continuidade e progresso". Rui Rio insistiu na questão da discrepância de 590 milhões de euros entre dois quadros do documento orçamental e criticou a carga fiscal do mesmo. À esquerda, o Bloco de Esquerda diz que a abstenção na votação na generalidade teve "garantias mínimas" de avanços na especialidade e o PCP criticou as "imposições e submissões" para com a União Europeia na questão do excedente orçamental.

Durante mais de três horas de debate, o primeiro-ministro respondeu esta quinta-feira às questões dos deputados na primeira parte do debate sobre a proposta do Governo para o Orçamento do Estado para 2020. Já se sabe que o documento deverá ser aprovado na generalidade quando a discussão continuar, esta sexta-feira.
A proposta de Orçamento irá contar com os votos favoráveis dos 108 deputados do PS e as abstenções do Bloco de Esquerda, PCP e PEV. A sessão de sexta-feira será iniciada com a intervenção do ministro das Finanças, Mário Centeno. Os ministros Pedro Siza Vieira, da Economia, Pedro Nuno Santos, das Infraestruturas e Habitação, e Marta Temido, com a pasta da Saúde, também deverão intervir.

Hoje, no discurso de abertura de cerca de 20 minutos, o primeiro-ministro defendeu a proposta orçamental do Governo, considerando que esta é "de continuidade da mudança iniciada em 2016, assegurando mais crescimento, melhor emprego, maior igualdade, com contas certas".

António Costa disse que é um orçamento "de progresso" que responde a "quatro grandes desafios estratégicos da nova legislatura: alterações climáticas, demografia, transição digital, desigualdades".

"Com este Orçamento não há retrocessos. Não ficamos a marcar passo, nem mudamos de rumo. Com este Orçamento continuamos a avançar na melhoria de rendimentos e direitos, na qualidade dos serviços públicos, no reforço do investimento, na consolidação das finanças públicas", sustentou.



O documento orçamental promove, na visão apresentada pelo primeiro-ministro, "mais investimento, a qualidade dos serviços públicos, a melhoria dos rendimentos e uma cada vez maior justiça social e que nos permite prosseguir o caminho de equilíbrio orçamental e de redução da dívida".

"Promover o investimento - público e privado - é fundamental para reforçar o crescimento económico sustentado e partilhado, a criação de mais e melhor emprego e a qualidade dos nossos serviços públicos. O crescimento da economia nos últimos quatro anos está associado ao forte crescimento do investimento, mais do dobro da média da área do euro", acrescentou.


Excedente orçamental

António Costa destacou na intervenção inicial que este é o primeiro orçamento da democracia com excedente orçamental. "Este é o resultado da trajetória de consolidação prosseguida na anterior legislatura e é também condição essencial para prosseguirmos a nossa estratégia de prosperidade partilhada", destacou.

Sem mencionar as forças de esquerda - que já indicaram que se vão abster na votação na generalidade - o primeiro-ministro explicou: "Alguns interrogam-se sobre a necessidade do excedente orçamental, quando há tantas necessidades a satisfazer no imediato. O Orçamento não pode ignorar essa outra necessidade que é a de nos libertarmos, de modo sustentável, da elevada dívida pública que ainda temos".



O chefe de Governo complementou a argumentação com números: "Ao longo da última legislatura, o peso da dívida no PIB (produto Interno Bruto) caiu mais de 12 pontos percentuais, de 131.2% em 2015 para 118.9% em 2019. E é nosso objetivo terminar a presente legislatura próximo do limiar dos 100%. Só assim libertaremos todos os anos recursos afetos ao serviço da dívida" referiu.

"É nesta fase de crescimento económico que o país deve poupar os recursos de que pode vir a necessitar quando um novo ciclo económico exija uma política anti-cíclica", argumentou ainda.
"Há mesmo mais vida para além do Orçamento"

Ainda a falar para a esquerda, o primeiro-ministro explicou que estes objetivos não partem de imposições externas. "Não, não se trata de imposições da União Europeia. Trata-se do dever que nos impomos de preparar o futuro e garantir que os portugueses não voltam a ter de suportar o custo de uma crise económica, que deixou marcas profundas na vida de todos aqueles que ficaram sem emprego, que viram os seus rendimentos cortados ou que viram limitada a tão necessária proteção social", disse.

"Trata-se de olhar para a nossa Segurança Social e ver que, pela primeira vez, temos uma reserva financeira superior a 20 mil milhões de euros e que garantimos a sustentabilidade do nosso sistema de pensões por mais 29 anos, face ao projetado no Orçamento do Estado de 2015", acrescentou.

Ainda sobre a necessidade de cumprir objetivos, o primeiro-ministro argumentou que "o rigor orçamental dá liberdade, porque um Orçamento não deve nunca ser um fim em si mesmo".

"Há mesmo mais vida para além do Orçamento. É por isso que a saúde é principal prioridade do Orçamento. Trata-se do maior reforço de sempre no orçamento inicial da Saúde e representa o começo de um novo ciclo para o Serviço Nacional de Saúde", salientou.
Disponível para o diálogo

O primeiro-ministro manifestou-se disponível para dialogar e introduzir alterações ao Orçamento do Estado em sede de especialidade. "O claro reforço eleitoral do PS não dispensa o Governo do dever de promover o diálogo parlamentar e a estabilidade no horizonte da legislatura", frisou.

"É muito importante que todos compreendamos que este é apenas o primeiro Orçamento da nova legislatura. É o começo - e não o fim - de um novo ciclo. É o começo de um novo caminho de quatro anos, ao longo do qual faremos novos avançamos e obteremos novos progressos", afirmou ainda.

"O Governo tem cumprido a sua obrigação e vontade de abertura ao diálogo com os parceiros parlamentares, com os quais quer continuar a construir a solução de estabilidade política e desenvolvimento social de que Portugal tanto beneficia. (...) Na elaboração da proposta de Orçamento, adotámos uma postura de diálogo e de busca de compromisso, indo ao encontro de prioridades e pretensões manifestadas pelos nossos parceiros parlamentares", frisou.

Ainda assim, o primeiro-ministro defendeu que este "é um bom Orçamento" e "um bom ponto de partida para uma legislatura que vai caracterizar-se por novos passos seguros na nossa trajetória de desenvolvimento e prosperidade".

"Este é um Orçamento que continua e aprofunda o caminho seguido desde 2016, apoiando as pessoas e as famílias, incentivando o crescimento da economia e do emprego, promovendo o investimento, qualificando os serviços públicos, reduzindo as desigualdades, privilegiando o conhecimento, a educação e a cultura. Este Orçamento não contém nenhuma espécie de retrocesso, em nenhuma área", defendeu, apelando indiretamente aos partidos da "Geringonça" pelo "aprofundamento do caminho seguido desde 2016; com os parceiros parlamentares que têm feito esse caminho".
"Onde estão os 580 milhões de euros?"

Rui Rio foi o primeiro deputado a falar depois da intervenção inicial de António Costa. Com ironia, o primeiro-ministro agradeceu mesmo a sua presença: "Obrigado por ter tido tempo para este debate com a vida atarefada que tem nestes dias”, em referência às eleições diretas de sábado para a liderança dos social-democratas.

No seu discurso, o presidente e líder parlamentar do PSD criticou o orçamento que considera ter "a maior carga fiscal" e sublinhou que os portugueses da classe média “andam meio ano a trabalhar para o Estado”.

“Em sua opinião, em Portugal a carga fiscal está ou não demasiado alta, em Portugal temos ou não de fazer uma redução de impostos?”, questionou o primeiro-ministro.



Rio levantou ainda dúvidas sobre a transparência do documento. "É preciso perceber, não onde está o Wally, mas onde estão os 590 milhões de euros?”, perguntou.

O presidente do PSD voltava a apontar a existência de uma discrepância de 590 milhões de euros entre dois quadros do Orçamento do Estado sobre o saldo em contabilidade pública.

Sem responder diretamente à pergunta, António Costa disse que a pergunta revelava mais a dificuldade do PSD do que a do Governo.

“Num Orçamento do Estado onde o conjunto da despesa são 96.918 milhões de euros, a sua preocupação ser com 0,6 por cento desta despesa diz tudo sobre a dificuldade das críticas”
, criticou.



Sobre a carga fiscal, Costa respondeu com a redução do IRC das empresas, que baixa 60 milhões de euros com este Orçamento, e o IRS das famílias, em 60 milhões de euros.

“Se me pergunta se quero reverter, não, não quero. Não quero nem baixar o rendimento nem aumentar o desemprego”, disse o primeiro-ministro.

Rui Rio já anunciou que o PSD irá votar contra a proposta de Orçamento do Estado na generalidade, sendo que os três parlamentares madeirenses do partido na Assembleia da República vão abster-se na votação de amanhã.


"Pensamento mágico"
Ainda resposta às críticas de Rui Rio, o primeiro-ministro acusou o líder social-democrata de ter "um pensamento mágico" em matéria orçamental.

"O PSD quer mais investimento, quer menos impostos e quer um maior excedente orçamental, é verdadeiramente o pensamento mágico. (...) Este pensamento mágico já ouvimos, foi o que inspirou Durão Barroso, quando propôs o choque fiscal, foi o que prometeu Passos Coelho, e que se traduziu simplesmente no maior agravamento fiscal que o país teve", criticou.

Já a líder parlamentar do PS, também em resposta a Rui Rio, disse que o PSD "continua em negação em relação àquilo que os portugueses escolheram a 6 de outubro", em que os sociais-democratas tiveram "uma derrota estrondosa".

Acusando o PSD de querer a privatização e a degradação do Serviço Nacional de Saúde, Ana Catarina Mendes considerou que a proposta de orçamento "dá resposta a um dos problemas mais gritantes que temos em Portugal, que é o estado da degradação do SNS fruto das políticas do PSD e do CDS".
"Garantias mínimas"

Por seu lado, o Bloco de Esquerda anunciou esta manhã que se iria abster na votação na generalidade do Orçamento do Estado. No debate desta tarde, Catarina Martins criticou a posição do Governo.

O Governo decidiu apresentar a proposta de Orçamento do Estado e entregá-la ao parlamento antes de negociar e isso foi um erro, até porque o Partido Socialista não tem maioria absoluta, o que tem é um mandato popular para procurar entendimentos”, apontou.



Na perspetiva da coordenadora do Bloco de Esquerda o Governo viu-se agora, inevitavelmente, "na necessidade de negociar”, mas “agora com menos tempo e em condições mais difíceis”.

"Se hoje começa este debate sabendo que a sua proposta de Orçamento vai chegar à especialidade é porque aceitou ceder garantias mínimas de avanços na especialidade para as quais o Bloco trabalhou e continuará a trabalhar”, acrescentou a bloquista, referindo no entando que as propostas do Governo quanto a salários e pensões "são insuficientes para responder por quem trabalha e trabalhou toda uma vida”.

Em resposta, o primeiro-ministro garantiu que nunca teve dúvidas com quem teria de negociar. “Não podemos dizer que não negociámos, podemos não ter chegado a acordo como chegámos ontem. Dirá que a culpa foi nossa, eu poderia retribuir e dizer que a culpa foi sua. Se calhar foi de ambos. (...) Houve um esforço conjunto e esse esforço teve tradução desde logo na apresentação inicial do orçamento”, argumentou.

"Tenho a certeza que durante as próximas semanas, de debate neste parlamento, poderemos mais uma vez contar com o Bloco de Esquerda para melhorar aquela que já é a melhor proposta orçamental que eu apresentei nestes cinco anos à Assembleia da República”, completou António Costa.
Jerónimo critica "submissões"
No debate, o secretário-geral do PCP considerou que a proposta do Orçamento do Estado para 2020 tem várias insuficiências e criticou o "excedente orçamental", acusando o Governo socialista de ceder a "imposições e submissões" da União Europeia.

“Pode chamar-lhe um pífaro, mas que há imposições e há submissão é uma realidade incontornável”, considerou. Jerónimo disse ainda que se lembra “das listas de espera no SNS ou da falta de equipamentos e dos milhões de recursos desviados para o negócio da saúde privada” cada vez que ouve falar no excedente.

O primeiro-ministro garantiu aos comunistas que o excedente "não é o objetivo" do Governo e incluiu o PCP no grupo dos que conseguiram import "uma derrota histórica à direita".

“Conseguimos provar que era possível ter finanças públicas sãs sem cortar salários e fazer aumentos brutais de impostos. E essa é a derrota histórica da direita em Portugal”, na qual o PCP “teve um papel importante”, considerou o primeiro-ministro.

Ao recuperar os contributos da geringonça, António Costa defendeu um "recomeço" nas relações entre o Governo e os parceiros de esquerda. "Temos de reiniciar um ciclo para dar continuidade” reforçou.

Contrariando o secretário-geral dos comunistas, o primeiro-ministro insistiu que o excedente "é o resultado de boa gestão orçamental, crescimento, do emprego e apesar do maior rendimento pago em prestações sociais".

Tal como o Bloco de Esquerda, também o PCP já anunciou que se vai abster na sexta-feira na votação do Orçamento de Estado na generalidade.
"O novo voto a favor é a abstenção"

Entre os restantes partidos, destaque para a crítica do CDS-PP. A deputada Cecília Meireles considera que a proposta de Orçamento é de continuidade "sobretudo no enorme abismo que separa a propaganda do seu Governo, e as suas palavras aqui, da realidade do país e dos números”.

A líder do grupo parlamentar do CDS-PP ironizou também que a abstenção anunciada pelos partidos à esquerda não foi uma novidade.

“Agora o novo voto a favor é a abstenção”, atirou, assinalando que surpresa “só se for para os próprios, porque todo o país já tinha percebido que há muito que havia uma nova geringonça e que este orçamento ia ser viabilizado”.

Para a deputada centrista, a redução de impostos "não é uma prioridade nem para o Governo nem para nenhum dos partidos que constitui esta nova geringonça”, até porque “nenhum exigiu uma diminuição da carga fiscal ou sequer, no mínimo dos mínimos, uma manutenção da carga fiscal para viabilizar o orçamento”.

À esquerda, Os Verdes lançaram críticas à necessidade de obter autorização da Comissão Europeia para reduzir o IVA da eletricidade.

"É desprovido de qualquer sentido que o Governo português tenha de pedir autorização à Comissão Europeia para reduzir o IVA da eletricidade, sobretudo num país em que o terço da população não tem dinheiro para aquecer as suas casas", salientou o deputado José Luís Ferreira.



André Silva, deputado do PAN, considera que o Governo está a apresentar "um Orçamento-avestruz". "Aparentemente, por falta de coragem para afrontar alguns interesses, o Govenro prefere pôr a cabeça debaixo da areia para não ter de encarar o complexo desafio de enfrentar, de forma consequente, os problemas do país", refere.

Contestou a transferência de verbas do fundo ambiental para a EDP e "a preocupante continuidade na política de isenções ao Imposto Sobre Produtos Petrolíferos (ISP)".

"Senhor primeiro-ministro, manter isenções fiscais à queima de carvão, à navegação marítima e ao transporte aéreo é o melhor que o Governo consegue fazer? São estas as opções coerentes no combate às alterações climáticas?", questionou, apontando incoerências do Governo neste objetivo do executivo.

Outro tema forte foi o da construção do aeroporto do Montijo. Uma opção política que, avisa André Silva, "vai meter água".

No debate sobre o Orçamento, Joacine Katar Moreira diz que o documento "não é minimamente de esquerda".

A deputada do Livre afirmou que este orçamento "ilude e desilude" no que toca ao salário mínimo nacional e insistiu que o valor atual "não dignifica os trabalhadores".

O deputado único da Iniciativa Liberal considerou que se o primeiro-ministro acredita que subindo impostos se gera crescimento é preciso avisar os portugueses que isso vai acontecer.

"Se acha que mais impostos produzem mais crescimento, acho bem avisarmos já os portugueses que isso vai acontecer, a começar por estes que estão aqui nas galerias, que nos próximos anos para crescer mais vamos ter mais impostos", apontou João Cotrim Figueiredo.

André Ventura usou a sua intervenção no debate orçamental da generalidade para acusar o Governo de ter "muito pouco realismo".

“Senhor primeiro-ministro, é ou não verdade que esta é a maior carga fiscal de sempre? Bruxelas diz que é, o seu ministro das Finanças diz que não, quem está enganado ou a enganar os portugueses?”, questionou o único deputado do Chega.

André Ventura perguntou ainda ao primeiro-ministro se “é ou não verdade” que este Orçamento retira competências ao Tribunal de Contas, algo que foi rejeitado por António Costa.

“Há algumas matérias em que efetivamente desaparece o visto prévio do TdC, o que não significa retirar a fiscalização. Ela é feita a posteriori, ou seja, com maior responsabilidade por parte de quem excuta essa despesa. Trata-se de agilizar o investimento, não se trata de diminuir o controlo de fiscalização sobre esse investimento”, explicou o primeiro-ministro.
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