Embaixada alemã durante o PREC: uma "política de duas vias"

por António Louçã - RTP
Lisboa, 11 de março de 1975: diplomata alemão instado por jornalistas a explicar presença de militares refugiados na Embaixada Arquivo RTP

É conhecida a divergência que houve entre o chaceler alemão Helmut Schmidt e o secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger, com Schmidt a preconizar um envolvimento do Portugal revolucionário e Kissinger a sua ostracização. Mas a política alemã de envolvimento não correspondia a uma fórmula simplista e tinha os ovos em pelo menos dois cestos diferentes.

Uma investigação recente sobre o papel da Fundação Ebert em Portugal e no Brasil dava conta da desconfiança com que era olhada pela oposição portuguesa, nos últimos anos da ditadura, a Embaixada da Alemanha Federal. E, com efeito, a Embaixada mantinha ligações estreitas com o regime salazar-marcelista, e deixava à Fundação Ebert a outra via, de aproximação aos meios dissidentes.

Assim se explica que a Embaixada alemã, sempre tão bem informada sobre a ditadura, fosse, ao que se sabe, tão surpreendida como todas as outras pelo 25 de abril. Antonio Muñoz-Sánchez evoca com saborosa ironia o cocktail de despedida que o embaixador Ehrenfried von Holleben, em fim de comissão, deu na sua residência oficial em 24 de abril de 1974, sem intuir que dentro de algumas horas a maioria dos convidados estaria em fuga, na prisão ou apeada do poder e remetida à insignificância política.

O défice de informação da Embaixada sobre o MFA andava de mãos dadas com o seu défice de informação sobre sindicalistas ou personalidades políticas da esquerda. E este só começaria a ser colmatado depois do 11 de março de 1975, precisamente com a chamada à Embaixada de Lisboa de um quadro da Fundação Ebert, Hans-Ulrich Bünger, entrevistado noutra peça deste dossier.

Mas até lá a Embaixada continuou bem informada sobre a direita política e também sobre a direita militar. A sua informação sobre as conspirações spinolistas terá mesmo superado a que delas tinha a Embaixada norte-americana.
A assembleia militar de 11 de março e a sua transcrição
Ao longo dos anos foram surgindo informações fragmentárias sobre o conhecimento prévio que a Embaixada alemã-federal tinha da movimentação dos putschistas do 11 de março. Uma dessas informações foi tornada pública logo na noite de 11 para 12 de março pelo então major Costa Neves, perante os cerca de 200 participantes da famosa assembleia militar que então se realizou.

Os relatos sobre o que se passou na assembleia transpiraram para fora, complementando-se mas por vezes contradizendo-se também entre si. Só em abril de 2019 foi dada à estampa uma versão mais definitiva sobre vários discursos pronunciados nessa altura, quando Carlos Almada Contreiras, Vasco Lourenço e o jornalista da RTP Jacinto Godinho publicaram um livro com a transcrição das bobines de gravação audio da assembleia. Essas bobines, dadas por perdidas durante 44 anos, constituíram em 2019 um verdadeiro achado.
Carlos de Almada Contreiras. "A noite que mudou a revolução de abril. A assembleia militar de 11 de março de 1975". Lisboa: 2019, Ed. Colibri

Segundo a transcrição (pg. 104), Costa Neves relatou à assembleia que na noite de 6 para 7 de março estivera em casa do general Galvão de Melo e que "um quarto de hora depois de chegarmos lá a casa, batem à porta e entra um senhor da Embaixada alemã (...), branco como a cal da parede, o suor caíndo-lhe em bica, quase a desmaiar, dizendo que a contra-revolução estava na rua. (...) Ele insiste e diz que os páraquedistas tinham acabado de sair e a Cavalaria de Santarém, tal e qual como ele disse, a Cavalaria de Santarém já estava na rua também".

Costa Neves prossegue o seu relato: "Aí, tento obter mais informações. Ponho em dúvida e ele afirma que é uma informação da Embaixada alemã e que não havia qualquer dúvida sobre o assunto". Finalmente, a conclusão do orador peca por excessivamente modesta: "Foi na noite de quinta para sexta feira por volta da uma da manhã. A Embaixada alemã estava a par de que qualquer coisa se preparava".

Com efeito, se a Embaixada alemã sabia do envolvimento dos páraquedistas e das tentativas visando o aliciamento da Escola Prática de Cavalaria, não estava apenas ao corrente de "qualquer coisa" se encontrar em preparação, e sim de detalhes muito precisos dessa "qualquer coisa".

E quatro dias depois o lançamento do putsch confirmaria os detalhes: os páraquedistas iriam mesmo sair e a Escola Prática de Cavalaria estava mesmo na ordem de operações gizada pelos oficiais spinolistas, embora vindo a recusar no último instante a sua adesão.
O relato de Armando Ramos

Já depois de publicada a transcrição das bobines da assembleia, surgiu um escrito de carácter memorialístico do coronel comando Armando Marques Ramos, datado de 10 de março de 2020, que recorda a existência de um centro conspirativo paralelo àquele que entretanto organizava o golpe a partir da Base de Tancos. Nesse outro centro participavam ele próprio, o então tenente-coronel Ramalho Eanes e os comandantes da PSP, majores Luís Casanova Ferreira e Aparício Ponces de Carvalho.

Este centro reuniu no dia 10 de março e decidiu assumir o comando das forças militares que se encontravam em Peniche (Marinha e R.I.5). Armando Ramos contactou nesse sentido o major Virgílio Varela ("para me facilitar a missão em Peniche") e por ele soube que o golpe já estava em marcha, a partir de Tancos.

Tornava-se portanto necessário reavaliar o plano e para isso se convocou nova reunião em casa do major Manuel Monge. Aí estiveram presentes o próprio Monge, Ramos, Varela e Eanes. Segundo o relato de Ramos, "Varela e Monge contaram-nos que tinham estado na Embaixada Alemã e que aqui tinham sido informados que se estavam a juntar forças para desencadear um golpe militar e que o gen. António Spínola já se encontrava nessa unidade de pára-quedistas [Tancos]".

O relato prossegue depois, descrevendo as novas missões que o grupo fixou a si próprio, em função do quadro profundamente alterado e da precipitação que logo entenderam ter sido cometida pelos golpistas.
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