Governo diz que Mário Crespo "vai ficar a falar sozinho"

por RTP
"O primeiro-ministro deste país disse que eu era um problema por resolver. Isso é insofismável", garante Mário Crespo Hugo Delgado, Lusa

O ministro da Presidência encara a polémica suscitada por um artigo de Mário Crespo como “uma história mal contada” que “releva de um mexerico”. Pedro Silva Pereira, referido no texto como um dos protagonistas de uma conversa em que o jornalista teria sido classificado como “um problema” a “ser solucionado”, minimiza ainda as reacções da Oposição.

"Pela minha parte, o Mário Crespo vai ficar a falar sozinho". É nestes termos que o ministro da Presidência reage ao conteúdo do artigo "O Fim da Linha", em que o jornalista da SIC adianta ter sido "o epicentro da parte mais colérica" de uma alegada conversa, durante um almoço no restaurante de um hotel de Lisboa, entre José Sócrates, Pedro Silva Pereira e o ministro dos Assuntos Parlamentares, Jorge Lacão.

Em entrevista à RTPN, Silva Pereira escusou-se a "contar a versão correcta" dos acontecimentos relatados no texto de Mário Crespo, que o Jornal de Notícias não quis publicar na sua edição de segunda-feira. Prometeu, ao invés, deixar o jornalista "a falar sozinho".

"Esta história nasceu porque há alguém que diz que alguém lhe disse que acha que ouviu alguém dizer alguma coisa na mesa ao lado num restaurante. Ora, toda a gente compreende que isto não é assunto. Nós já não estamos a falar nem de opinião, nem de jornalismo. Estamos a falar de mexericos e um Governo não se ocupa de mexericos", afirmou o ministro da Presidência.

Pedro Silva Pereira rejeita, por outro lado, que o artigo tenha sido objecto de "confirmação jornalística": "O que tenho a dizer é o que já disse. Nós não podemos chegar a uma situação em que as pessoas têm que revelar as suas conversas telefónicas, depois passam à fase em que têm que revelar as suas conversas nos restaurantes. Isso é de outro tempo. Isso é do tempo da ditadura. No tempo do doutor Salazar e do general Kaúlza de Arriaga é que se tinha que ter cuidado com as pessoas que estavam ao lado a ouvir as conversas nos restaurantes".

ERC discute caso de Mário Crespo

A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) debruça-se esta quarta-feira sobre o artigo assinado por Mário Crespo, em reunião do Conselho Regulador. O agendamento foi solicitado "com carácter de urgência", segundo indicou à agência Lusa Luís Gonçalves da Silva, membro daquele órgão.

Conhecida a decisão da direcção do Jornal de Notícias, o Bloco de Esquerda pediu a intervenção da ERC. Uma iniciativa desvalorizada por Pedro Silva Pereira, para quem "o Governo não tem explicações para dar a Bloco de Esquerda nenhum".

"Não tenho nenhum comentário a fazer. São iniciativas do Bloco de Esquerda. Eu não quero alimentar esse caso, essa história. Digo apenas que é uma história mal contada, é uma história totalmente absurda e é uma história que releva de um mexerico que nós não devemos, pura e simplesmente, alimentar", insistiu o ministro da Presidência.

Mário Crespo diz ter actuado "jornalisticamente"

Na terça-feira, à entrada para um evento integrado nas jornadas parlamentares do CDS-PP, Mário Crespo garantiu ter procedido "jornalisticamente" ao escrever o artigo, que acabou por ser publicado no site do Instituto Sá Carneiro, uma estrutura ligada ao PSD. O jornalista assevera que obteve confirmação de que o "almoço tinha tido lugar" e de "quais as pessoas que tinham lá estado". E "cruzou informação".

"O primeiro-ministro deste país disse que eu era um problema por resolver. Isso é insofismável. Até que ponto é que eu sou um problema resolvido vamos ver. Neste caso, na direcção do JN, eu sou um problema resolvido", afirmou o jornalista, que pôs termo à sua colaboração com o diário. "Começa a haver demasiados problemas resolvidos em Portugal", acrescentou, numa alusão aos casos da jornalista Manuela Moura Guedes, na TVI, e do antigo director do Público, José Manuel Fernandes.

Sobre a publicação do texto numa página social-democrata, Mário Crespo garantiu desconhecer em que circunstâncias foi feita a "reprodução": "Eu quando soube da reprodução da crónica foi pela net, no site do Público, porque me chamaram a atenção que ela estava com a minha foto no site. Já uma clonagem do que aparentemente tinha aparecido no site do PSD. Não faço ideia nenhuma".

Conversa "não aconteceu como Crespo a descreve"

Durante o evento organizado pelos democratas-cristãos, o jornalista da SIC adiantou que "um elemento que foi referido" no alegado almoço com membros do núcleo duro do Executivo "é que era preciso solucionar o problema Mário Crespo e o problema Medina Carreira", fiscalista e antigo ministro socialista das Finanças que tem sido um dos maiores críticos do Governo de José Sócrates. O apelo, disse o jornalista, "era dirigido a Nuno Santos".

Em declarações ao Correio da Manhã, o director de programas da estação de Carnaxide confirma que esteve a almoçar com Bárbara Guimarães no mesmo restaurante onde se encontravam o primeiro-ministro e os ministros da Presidência e dos Assuntos Parlamentares. Mas afiança também que a conversa "não aconteceu como Crespo a descreve".

"Estávamos em mesas diferentes e a conversa não se passou da forma como é descrita", afirma Nuno Santos.

Director do Jornal de Notícias nega pressões

Por sua vez, o director do Jornal de Notícias, José Leite Pereira, negou à RTPN ter sido alvo de quaisquer pressões por parte de elementos do Governo socialista.

"Não houve pressão nenhuma nem há pressões. Não vale a pena. Quem trabalha nos jornais sabe como é que as coisas se passam", disse José Leite Pereira, que reafirmou o argumento de que uma crónica como aquela que Mário Crespo assinou deve ser produzida ao abrigo do princípio do contraditório: "Claro que sim, se ele invocar, como invocou, aquelas circunstâncias".

"O Mário Crespo escreveu artigos gravíssimos no jornal, pesadíssimos, muito acutilantes, sobre o Presidente da República, sobre membros do Governo, sobre o primeiro-ministro. Nem o Mário Crespo sequer me avisou, alguma vez, que iria escrever um artigo que pudesse levantar problemas, nunca lhe passou pela cabeça, nem a mim", assinalou.

Mário Crespo avançou ontem que a "primeira iniciativa" que adoptou para a publicação do texto foi entrar em contacto com Zita Seabra, editora da Alêtheia.

"A Alêtheia e a Zita Seabra têm um mecanismo aparentemente moderno que consegue produzir livros com enorme rapidez", disse o jornalista. "A Última Crónica" sai esta quinta-feira.

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