Grande Entrevista. Decisão de Marcelo "significa que Ministério Público pode determinar tempo dos mandatos políticos"

por RTP

Foto: Tiago Petinga - Lusa

O presidente da Assembleia da República pede esclarecimentos à Procuradoria-Geral da República sobre a Operação Influencer, que envolveu o primeiro-ministro. Augusto Santos Silva lembra erros sucessivos da justiça com casos que envolvem políticos, que não chegaram a ter acusação formada.

É um caso muitíssimo grave e é muito importante que se esclareça o mais depressa possível. Creio que temos o direito de pedir ao STJ que seja lesto na realização do inquérito”, declarou Augusto Santos Silva na Grande Entrevista da RTP3.

O presidente da Assembleia da República recorda que, “entretanto, ficámos a saber que esse inquérito já corre desde o dia 17 outubro”.

Cinco meses é um período de tempo que me parece mais do que suficiente para que o inquérito seja concluído e o conjunto dos portugueses saiba – da única fonte que deve saber, que é a justiça – o que realmente se passou e se há alguma responsabilidade penal do primeiro-ministro”, sustentou.Em relação à decisão de Marcelo Rebelo de Sousa de avançar com a dissolução da Assembleia da República, Santos Silva considera que “é legitima, mas não necessária. E pode ser perigosa”. E explica que “não era necessária porque há uma maioria parlamentar coesa e estável. Porque é que pode ser perigosa? É porque na prática significa que o Ministério Público, ou parte do Ministério Público, pode determinar o tempo dos mandatos políticos, o tempo da agenda política e o tema da agenda política”.

Augusto Santos Silva disse ainda que os portugueses se interrogam e devem ser esclarecidos sobre quais são os factos, quais são as provas e quais são as responsabilidades do primeiro-ministro neste caso.

“Acho que a justiça tem todas as condições para que nos informe – só as justiça nos pode informar – a tempo das pessoas perceberem e poderem avaliar o que se passou”, reforçou, antes de se referir a “erros acumulados pelo Ministério Público” ao longo dos últimos anos.

“Ao constituir arguidos em processos de que depois não avançam - em alguns casos não chega a haver acusação, noutros há a acusação mas as pessoas são inocentadas em primeira instância -, provavelmente a constituição de arguido por si só, ao contrário do que é a perceção pública, não significa que haja suspeitas fundadas”, referiu.
"Cinismo" do Sindicato dos Magistrados do MP

O presidente do Parlamento classifica ainda de "cinismo" os argumentos do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público e pediu desculpa ao autarca de Sines, por ter estado detido seis noites, acabando por sair em liberdade, sem sequer ser suspeito de corrupção.

“Respeito o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público nas suas funções sindicais, mas não aceito que seja o sindicato, e não a senhora procuradora [Geral da República, Lucília Gago], ou quem ela entender, a ser a porta-voz do Ministério Público e a agir publicamente como se fossem os chefes do Ministério Público”, declarou o ex-ministro socialista, antes de também se mostrar apreensivo com os riscos de judicialização da política.

“Há uma atitude que perpassa em vários operadores judiciais e judiciários segundo a qual a atividade política, por ser política, é por natureza suspeita. E, portanto, no limite, tende a criminalizar a ação política e governativa. É uma atitude de abordar em sede penal questões que são de natureza política ou, no limite, administrativa”, advertiu.

Nesta entrevista, o presidente da Assembleia da República criticou também a existência de “um grande abuso” do recurso à técnica das escutas na investigação, indicando que se trata de uma técnica que permite “descontextualizações” de conversas em muitos casos e que é muito invasiva da privacidade e, igualmente, a “tentação de se deter” para investigar.

Segundo Augusto Santos Silva, verifica-se um recurso a diligências “gravosas”, como buscas domiciliárias, em fases muito iniciais de processos de investigação, ”tipo pesca de arrastão”.

Em relação ao chamado “operação Influencer”, Augusto Santos Silva, como presidente da Assembleia da República, sede do poder legislativo, pediu desculpa ao presidente da Câmara de Sines, que esteve detido seis dias e saiu em liberdade inocente, sem que sobre ele impenda qualquer suspeita de crime.

“Ainda ninguém lhe pediu desculpa. Peço eu. E sabe porque é que lhe peço? Porque eu sou o presidente da Assembleia da República”.

“Estou bastante triste com isto, com as consequências para o país, mas também muito inconformado”, acrescentou.
Chocado com dinheiro encontrado no gabinete de Vítor Escária

Augusto Santos Silva afirmou ainda que ficou chocado com a descoberta de 75.800 euros em numerário no escritório do chefe de gabinete do primeiro-ministro, considerando tratar-se de uma quebra de confiança absoluta.

“Primeiro não acreditei, mas depois ouvi o advogado [de Vítor Escária] a confirmar e fiquei absolutamente chocado. É uma quebra de confiança absoluta. É uma coisa inaceitável – e espero que o Ministério Público seja absolutamente impiedoso para a resposta à pergunta de onde veio aquele dinheiro”, declarou o ex-ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros.

Para o presidente da Assembleia da República, tem de ser apurado se aquele dinheiro, que se encontrava guardado em envelopes e numa caixa de vinho, foi ou declarado ao fisco, entre outros aspetos.

“É daquelas coisas em que não há nenhuma parede que possa proteger as pessoas por estarem em lugares públicos”, acentuou.

Interrogado se a escolha de Vítor Escária para chefe de gabinete do primeiro-ministro revela um problema de avaliação por parte de António Costa na escolham de colaboradores diretos, Augusto Santos Silva admitiu: “Pode ter havido um erro de avaliação”.

“Todos nós cometemos erros de avaliação na escolha das pessoas. Eu já cometi”, acrescentou, numa alusão ao seu longo percurso governativo.

Veja ou reveja aqui, na íntegra, a Grande Entrevista com Augusto Santos Silva.
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