José Sócrates toca a reunir com estruturas socialistas
Num período conturbado da vida política portuguesa, com o PSD a decidir a liderança interna e o Governo a braços com acusações que enchem as páginas dos jornais, José Sócrates, líder do PS e primeiro-ministro, decidiu convocar a estrutura do partido para várias reuniões esta semana: 4ª feira do Secretariado Nacional, 5ª feira do Grupo Parlamentar e sábado da Comissão Nacional.
Lida na sequência das polémicas dos últimos dias, com as denúncias de um alegado plano governamental para controlar a comunicação social, a agenda socialista presta-se às mais diferentes especulações, que foram, no entanto, atalhadas por uma fonte do Partido Socialista contactada pela agência Lusa.
"Aprovado na generalidade o Orçamento do Estado para 2010 e numa fase em que o Programa de Estabilidade e Crescimento se encontra em preparação, esta foi a altura considerada mais adequada para reunir os órgãos partidários", declarou esta fonte.
Mas a mesma fonte acrescentou que as semanas vindouras serão marcadas por "um regresso em força do secretário-geral do PS", declarações que podem ser identificadas com a predisposição de José Sócrates de avançar com uma contra-ofensiva face ao que algumas estruturas do PS já consideram ser um plano de decapitação do primeiro-ministro.
Para já, e perante o silêncio de José Sócrates, a defesa do Governo vem sendo assumida pelos pesos pesados do PS, tendo saltado hoje a terreiro Mário Lino, ex-ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.
Face às notícias relativas a um alegado plano do Executivo para controlar órgãos da comunicação social, este ministro do primeiro Governo Sócrates sustentou em declarações à RTP que a polémica em torno de um negócio com vista à compra da TVI pela Portugal Telecom resulta de uma "patranha".
"Nunca recebi nenhuma informação de que a PT estivesse a preparar ou envolvida em qualquer negócio de aquisição da TVI, nem nunca discuti esse assunto com nenhum dos administradores, nem nunca dei instruções nesse sentido", garantia Mário Lino, lembrando que "isso já tem sido afirmado por mim várias vezes, pelo senhor primeiro-ministro várias vezes. O senhor presidente do Conselho de Administração da PT já o declarou várias vezes e eu não percebo porque é que se insiste nesta patranha".
Na última sexta-feira, o semanário Sol acrescentou várias páginas a um primeiro artigo da semana anterior escritos com base nas escutas realizadas no âmbito do processo Face Oculta. A edição de 12 de Fevereiro acrescentou novos dados sobre o alegado projecto de Sócrates para controlar a comunicação social, um plano que, de acordo com o semanário, envolveria administradores da Portugal Telecom e do grupo Ongoing, que viria a contratar José Eduardo Moniz, antigo director-geral da TVI. O nome de Sócrates é referenciado em excertos de escutas de conversas telefónicas entre Armando Vara, arguido no processo Face Oculta, e Joaquim Oliveira, o patrão da Controlinveste.
Socialistas desafiam Oposição a avançar com moção de censura
Face às polémicas que ameaçam lançar uma sombra sobre o Governo Sócrates, seria no entanto de entre as hostes socialistas que partiria a ideia de avançar com uma moção de censura ao Executivo. O antigo ministro socialista e vice-presidente da Comissão Política do PS Capoulas Santos lançava sábado o repto entre lamentos de que está em curso uma tentativa de decapitação do primeiro-ministro.
"Se querem ser coerentes com as tomadas de posição que têm vindo reiteradamente a assumir porque é que não têm a coragem de apresentar uma moção de censura ao Governo", lançou o vice-presidente da Comissão Política socialista.
Desde logo, figuras do PS como António Costa e de Vitalino Canas cerraram fileiras em torno do líder defendendo que José Sócrates tem todas as condições para continuar no Executivo. O presidente da Câmara de Lisboa foi mesmo liminar na recusa de vir a substituir o número um do partido no lugar de primeiro-ministro.
Oposição diz não a repto socialista
Escutado o desafio, a Oposição parlamentar viu nesse repto uma cortina de fumo para os problemas do país, descartando prontamente ser esse o gesto de que Portugal necessita para clarificar a sua vida política.
Numa altura em que procura um rumo interno para a sua estrutura, o PSD, maior partido da Oposição, declinou avançar com uma moção de censura defendendo que o Governo deve permanecer em funções. Apesar desta posição, algumas vozes sociais-democratas admitem no entanto que no caso de o clima político se tornar insustentável é real a possibilidade de virem a realizar-se eleições antecipadas.
Nesse sentido, defendem antes ser imperativo que o primeiro-ministro José Sócrates dê explicações ao país relativamente às denúncias de uma alegada orquestração do seu Governo para tomar controlo da comunicação social portuguesa.
Só Jardim clama pela moção contra o Governo
A voz dissonante entre os sociais-democratas chega da Madeira, com Alberto João Jardim, presidente do Governo Regional e figura de peso no partido, a sustentar que o PSD já devia ter avançado com essa moção de censura.
Jardim declarava no fim-de-semana perante os jornalistas que o esperavam no aeroporto da Madeira após uma viagem a Bruxelas e a Lisboa que fosse ele líder parlamentar e teria apresentado uma moção de censura ao Executivo Sócrates logo após a aprovação da Lei das Finanças Regionais.
"Eu, se fosse líder do partido, tinha apresentado moção de censura ao Governo, mas previamente combinada com outros partidos, porque esta Lei de Finanças Regionais da Madeira confirmou ser possível haver um compromisso histórico entre os partidos da Oposição", explicou o líder madeirense, acrescentando que esta ideia foi deixada por si à líder do PSD, Manuela Ferreira Leite.
É necessário que Portugal "deixe de ser um país de carácter siciliano como tem sido nos últimos tempos", ironizou Alberto João Jardim, aproveitando para lamentar o facto de vivermos "num país de censura".
CDS-PP fala em desnorte do Governo
O CDS-PP não entende "como é que um Governo que teve um Orçamento viabilizado há dois dias esteja a pedir à Oposição para o derrubar", o que levou os democratas-cristãos a apontarem "a inconsciência" dos socialistas.
Dizendo não à moção de censura, em comunicado, o líder parlamentar Pedro Mota Soares afirmou não entender "como é possível que um Governo que teve um Orçamento viabilizado há dois dias esteja agora a pedir à Oposição para o derrubar".
O líder parlamentar questionou até que ponto irá "a inconsciência" do Governo e do PS, quando se permitem lançar este tipo de desafios à Oposição.
Acusando os socialistas de estarem a esticar a corda, Mota Soares considerou "inconcebível que um Governo que sabe os riscos que Portugal corre nos mercados internacionais, que conhece os avisos externos feitos ao país, esteja sistematicamente a criar instabilidade e a encenar crises artificiais, como quem procura pretextos para fugir às suas responsabilidades e atirar o país para eleições.
"Não ocorre sequer aos socialistas que pedem moções de censura que a Constituição protege a estabilidade e proíbe eleições neste momento?", deixou ainda este dirigente do CDS-PP.
Bloco aponta tentativa de criar uma crise
O Bloco de Esquerda também reagiu com uma nega aos socialistas. Para o Bloco, o cenário de uma moção de censura faz parte de uma crise política artificial que os socialistas procuram neste momento difícil.
Francisco Louçã, coordenador do Bloco de Esquerda, lembra por outro lado que todos os dias há confusões respeitantes a quadros socialistas que têm de ser esclarecidas.
Esta ideia posição ganhou corpo com o deputado bloquista Semedo, que apontou uma tentativa do PS de provocar uma crise política artificial, resultado que serviria o posicionamento da direcção do PS, que "tem há muito definida, praticamente desde a tomada de posse deste Governo, uma estratégia conducente à abertura de uma crise política artificial".
"Na perspectiva do Bloco de Esquerda, as declarações de Capoulas Santos inscrevem-se nesta lógica do Governo e do PS de criarem um clima de dramatização e de crise política artificial", sublinhou João Semedo, respondendo ao vice-presidente da Comissão Política do PS com ironia: "(O Governo) acaba de receber uma verdadeira moção de confiança da parte do CDS e do PSD, partidos que viabilizaram o Orçamento do Estado para 2010 através da abstenção".
Moção de censura é uma cortina de fumo, apontam comunistas
Em resposta a Capoulas Santos, o PCP denunciou o que considera tratar-se de uma tentativa artificial de fugir às respostas que o país espera do primeiro-ministro e do Governo socialistas. Jerónimo de Sousa lamentou que o ruído gerado à volta do processo Face Oculta permita deixar para segundo plano "a questão central da necessidade de ruptura na política nacional".
A partir do encerramento da 9ª Assembleia da Organização Regional do Porto, o secretário-geral dos comunistas deixou o alerta: "Há por aí muito ruído em questões que, tendo importância, lateralizam a questão central da necessidade de ruptura e de mudança na política nacional".
Abordando em concreto o processo Face Oculta, Jerónimo de Sousa disse que, "quando se iniciam retaliações na base de quem não é por nós é contra nós, se usa o poder político para defender interesses particulares, se promove o 'amiguismo' em rede e a promiscuidade entre o poder económico e o poder político, sabemos como começa mas nunca como acaba".