Comissão de Trabalhadores adverte administradores para Código de Ética

A Comissão de Trabalhadores da Portugal Telecom considera que os dois administradores envolvidos no alegado projecto do Governo de José Sócrates para controlar órgãos da comunicação social “deverão renunciar aos cargos”, caso se confirmem as suspeitas. A estrutura apoia-se no capítulo do Código de Ética da empresa relativo “a conflitos de interesses”.

RTP /
Henrique Granadeiro reconheceu que se sentiu enganado pelos administradores Rui Pedro Soares e Fernando Soares Carneiro António Carrapato, Lusa

"Estamos a aguardar por novos desenvolvimentos, pois trata-se de uma matéria melindrosa, mas, a ser verdade e a comprovar-se, os administradores deverão renunciar aos cargos", sustentou esta segunda-feira o coordenador da Comissão de Trabalhadores da Portugal Telecom, em declarações citadas pela agência Lusa.

A posição da estrutura representativa dos trabalhadores, explicou Mário Rojo, assenta no articulado do Código de Ética da PT, que foi revisto com o objectivo de reforçar o capítulo sobre "conflitos de interesses".

O Código de Ética da Portugal Telecom defende os princípios da lealdade de todos os trabalhadores para com o grupo e o empenho "em salvaguardar a sua credibilidade e boa imagem em todas as situações", assim como "garantir o seu prestígio". Qualquer quebra do Código de Ética, assinalou Mário Rojo, acarreta uma responsabilização nos "termos das normas legais e regulamentares".

Administradores da PT no centro da polémica

Na dupla edição da passada sexta-feira, o semanário Sol transcreveu mais extractos das escutas do processo Face Oculta, adiantando que o alegado projecto do Governo de José Sócrates para o controlo dos média ia além da aquisição da TVI. O plano, escrevia então o jornal, passaria pela compra de um grande grupo de comunicação social "que se tornaria parceiro" da Portugal Telecom - numa fase inicial, a Cofina, detentora do Correio da Manhã, ou a Impresa, de Pinto Balsemão; numa fase posterior, o grupo Controlinveste, de Joaquim Oliveira, que detém o Diário de Notícias, o Jornal de Notícias e a TSF.

O jornal, que saiu para as bancas depois de uma providência cautelar interposta por Rui Pedro Soares, administrador executivo da PT, citou um despacho de 23 de Junho em que Marques Vidal, procurador do processo Face Oculta, escreve que o plano passaria pelo "controlo da comunicação do Grupo TVI, bem como a aquisição do jornal Público, com o mesmo objectivo e, por último, mas apenas em consequência das necessidades do negócio, a aquisição do grupo Cofina, proprietário do Correio da Manhã".

Ainda segundo o semanário, o procurador Marques Vidal considerava que as diligências teriam de ser adoptadas de forma urgente, uma vez que o negócio deveria ser concretizado a 25 de Junho: o magistrado sublinhava, no despacho, que do negócio "poderiam resultar prejuízos económicos para a Portugal Telecom que previsivelmente seriam pagos com favores do Estado ou no mínimo colocariam os decisores políticos na dependência dos decisores económicos".

O Sol publicou também novos extractos de escutas de conversas telefónicas entre Armando Vara e Paulo Penedos, ambos arguidos no processo Face Oculta, João Carlos Silva, advogado e antigo presidente da RTP, e dos administradores da PT Fernando Soares Carneiro e Rui Pedro Soares.

"Manipulações"

Em comunicado difundido na véspera da publicação do semanário, Rui Pedro Soares admitia ter "perfeita consciência de que a decisão de um Tribunal" valeria "pouco ou nada para muitos, nomeadamente os que, nos últimos dias, têm tentado branquear as violações da lei perpetradas pelo Sol". O administrador executivo da PT argumentava ainda que as "histórias" publicadas pelo jornal, "como se provará pelos meios e no momento adequado, são manipulações".

"Enquanto cidadão, não posso compactuar com as graves violações de normas essenciais do Estado de Direito", acrescentava o quadro da Portugal Telecom, para depois acusar o Sol de publicar um texto "truncado e manipulado".

Na sequência das notícias conhecidas na sexta-feira, o presidente do Conselho de Administração da Portugal Telecom admitiu à revista Visão que se sentiu enganado por Rui Pedro Soares e Fernando Soares Carneiro, referenciados nas escutas. Os dois elementos da Comissão Executiva da PT entraram na cúpula da empresa com o apoio do Governo, ao abrigo das prerrogativas que lhe são conferidas pela golden share do Estado.

Em declarações citadas pela edição on-line da Visão, Henrique Granadeiro garantia que "não sabia nem desconfiava" do envolvimento da Portugal Telecom no alegado plano do Governo de Sócrates. Ainda assim, reconheceu que "pode ter acontecido" à sua revelia. Ao Jornal de Negócios, o responsável tornaria a afirmar que não teve "conhecimento prévio" da providência cautelar interposta por Rui Pedro Soares para travar a publicação de escutas do processo Face Oculta pelo Sol, sem deixar de reconhecer as consequências das notícias para a reputação do grupo.

Financiamento da campanha socialista

O nome de Rui Pedro Soares regressou às páginas da imprensa no sábado. De acordo com o Correio da Manhã, o administrador executivo da Portugal Telecom teria sido o pivot de uma alegada operação que passou pelo pagamento de 750 mil euros ao antigo futebolista Luís Figo em troca da sua participação na campanha eleitoral do PS e de José Sócrates.

Na reacção à manchete do Correio da Manhã, o administrador da PT garantiu que iria processar o diário "pelas notícias difamatórias" que envolviam o seu nome.

Numa segunda nota remetida à Lusa, Rui Pedro Soares asseverou que "nunca, não apenas na PT, mas também em outras sociedades, associações ou organizações" sugeriu a alguém que apoiasse um candidato político. Sem citar nomes, o responsável apontou o dedo a "quem se põe a monte para fugir à justiça e se tenta esconder atrás da liberdade de imprensa para desrespeitar os tribunais": "As suas motivações, práticas e métodos são evidentes a todos os que conseguem abstrair-se do ruído mediático. Estive, estou e estarei do lado de quem respeita a justiça e o Estado de Direito. Do outro lado está quem se encontra fora da lei".

"O doutor Rui Pedro Soares, como qualquer cidadão, tem todo o direito a mover processos. O Correio da Manhã tem o dever de dar as notícias", respondeu no mesmo dia o director adjunto do jornal, Armando Esteves Pereira, acrescentando que, "se há jornalistas que temem processos e não dão notícias, acaba-se o jornalismo".

A edição de sábado do Correio da Manhã avançou ainda que Inês de Medeiros, actual deputada da bancada socialista, recebeu da Portugal Telecom um apoio na ordem dos 50 mil euros para um festival de cinema, estreando-se, em seguida, "na política". Para a deputada, o envolvimento do seu nome nas notícias sobre o alegado financiamento da campanha do PS constituiu uma "obscenidade total".

"Não se explica nada do que se está a falar, só se diz que negociei com a PT um apoio e que depois disso entrei na política, abrindo a porta para todas as insinuações e mais alguma", reagiu a deputada, citada pela agência Lusa.

"O chamado apoio foi um patrocínio que, de facto, pedi à PT para o festival Mostra-me - o Outro Lado do Cinema, que nasceu de um protocolo entre a EGEAC [entidade que gere equipamentos e acontecimentos culturais na capital] e o Instituto de Cinema Audiovisual para promoverem o cinema português", alegava Inês de Medeiros no sábado. "Como se sabe, há pouco dinheiro para fazer iniciativas e fui procurar patrocínios. Obtive da Meo, Zon Lusomundo, da REN, da FNAC e outros. Os contratos nem fui eu que os assinei, foi a EGEAC", explicou.

Por sua vez, Figo afirmou estar "tranquilo" face às suas "acções" e "consciência". O antigo internacional português lembrou também que há um processo-crime em curso contra o Correio da Manhã, que, afiançou, "irá provar que tudo quanto este jornal tem afirmado se destina exclusivamente" a difamá-lo "com propósitos" que desconhece.

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