Governo acusa semanário Sol de "divulgação criminosa"
O ministro da Presidência apoia-se na ideia de que “Portugal tem uma comunicação social inteiramente livre” para acusar o Sol de fazer uma “divulgação criminosa” de “conversas telefónicas privadas" e "gravadas para utilização" judicial. "O Polvo" é a manchete do semanário, que revela mais dados sobre o alegado plano do Executivo para controlar os média.
A Cofina, proprietária do Correio da Manhã, e mesmo a Impresa, de Pinto Balsemão, terão sido encaradas como potenciais alvos da operação, numa fase inicial. Por fim, adianta o Sol, foi equacionada a possibilidade de compra da Controlinveste, proprietária do Diário de Notícias, do Jornal de Notícias e da TSF.
A expensas de uma providência cautelar interposta por Rui Pedro Soares, administrador executivo da Portugal Telecom, o semanário saiu para as bancas com mais extractos de escutas telefónicas. Armando Vara e Paulo Penedos, ambos arguidos no processo Face Oculta, o advogado e antigo presidente da RTP João Carlos Silva e os administradores da PT Fernando Soares Carneiro e o próprio Rui Pedro Soares são os nomes referidos na edição de sexta-feira do Sol. São ainda publicadas conversas do proprietário da Controlinveste, Joaquim Oliveira, com o antigo ministro socialista Armando Vara e o director do Jornal de Notícias, José Leite Pereira.
"Actos criminosos"
A reacção do Governo de José Sócrates às novas revelações do Sol coube ao ministro da Presidência. Pedro Silva Pereira reiterou "que é totalmente falsa a ideia de que o primeiro-ministro ou o Governo tenham, ou possam ter tido, qualquer plano para o controlo da comunicação social". Em seguida referiu-se à publicação das escutas como "a prática de actos criminosos".
Quanto à providência cautelar que teve por objectivo travar as notícias do semanário, o governante argumentou que "ela foi requerida, legitimamente, por um cidadão, por sua livre iniciativa, em defesa daquilo que julga serem os seus direitos fundamentais e foi depois decidida por um tribunal com total independência".
"O Governo respeita as decisões da justiça e respeita a separação dos poderes. O Governo quer também chamar a atenção dos portugueses para o facto de que essa ideia de que não existe em Portugal, ou que pode não existir, ou estamos em risco de que possa não existir, uma situação de uma comunicação social livre onde as pessoas podem dizer aquilo que bem entendem é desmentida pelos factos todos os dias. Essa ideia só pode convencer quem não leia jornais, quem não ouça rádios ou quem não veja televisão", disse Silva Pereira.
Governo sem "receio" de "conteúdo" de escutas
Pedro Silva Pereira repetiu também a tese de o país tem "uma comunicação social inteiramente livre", para logo descartar que o Governo tenha "receio" da divulgação do "conteúdo" das escutas em causa: "Quero dizer que, se a divulgação de escutas por um qualquer meio de comunicação social é criticável, não é porque o Governo ou quem quer que seja possam ter receio da divulgação do conteúdo dessas conversas telefónicas, mas porque se trata da prática de actos criminosos, de divulgação de conversas telefónicas privadas que foram gravadas para utilização no âmbito da justiça".
"Portanto, do que estamos a falar é de uma divulgação criminosa, seja pela violação do segredo de justiça, seja por contrariar a ordem do tribunal ou seja por atingir os direitos das pessoas", insistiu.
"O Governo quer também reafirmar que é totalmente falsa a ideia de que o primeiro-ministro ou o Governo tenham, ou possam ter tido, qualquer plano para o controlo da comunicação social. Isso já foi desmentido e esclarecido formalmente pelo senhor primeiro-ministro para quem o quis ouvir", reiterou ainda o ministro da Presidência.
Conclusão "falsa e fantasiosa"
O governante passou, depois, ao ataque contra os partidos da Oposição, que exigem mais explicações por parte de José Sócrates": "O que verificamos, naqueles que insistem em pedidos de esclarecimentos, é que há muita gente que não quer ouvir esse esclarecimento e esse desmentido. O Governo não tem, nem nunca teve, qualquer plano para o controlo da comunicação social ou de alguns dos seus meios de comunicação".
O Governo, reafirmou o ministro da Presidência, "não deu nenhuma instrução à PT para aquisição de uma posição na Media Capital, e portanto de controlo da TVI, e não deu essa instrução, aliás, já foi também desmentido pelo presidente da PT, tal como não deu nenhuma instrução no sentido de a PT estabelecer uma qualquer parceria estratégica na área da comunicação social que a pudesse colocar numa posição dominante em relação a outros meios de comunicação social".
"As escutas divulgadas não permitem de forma alguma tirar essa conclusão absolutamente falsa e fantasiosa. A existência desse alegado plano, por parte do primeiro-ministro ou por parte do Governo, já foi aliás desmentida por quem tinha a competência para avaliar essas escutas e para as conhecer na íntegra e na totalidade. E a conclusão é sabida. Foi tirada pelas mais altas instâncias da justiça portuguesa", concluiu Silva Pereira, aludindo ao Procurador-Geral da República, Pinto Monteiro, e ao presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha Nascimento.
Primeira edição do Sol esgotada em duas horas
A direcção do semanário decidiu, entretanto, publicar uma edição extra de cerca de 130 mil exemplares com mais detalhes sobre o alegado plano do Governo socialista. A primeira, indicou em declarações à agência Lusa o subdirector José António Lima, "esgotou no espaço de duas horas em todo o país". A segunda edição do Sol inclui "tudo o que foi publicado na semana passada sobre o caso e comunicados da direcção e da administração do jornal, bem como a providência cautelar".
A direcção do jornal revela, num comunicado citado pela Lusa, que tomou conhecimento, por parte da administração, "do conteúdo integral de uma providência cautelar visando impedir referências a um administrador da PT interceptado nas escutas do processo Face Oculta". "Ponderados os valores em causa", os responsáveis pela linha editorial do Sol optaram por repetir conteúdos na tiragem da tarde, "considerando que está em causa o valor superior da liberdade de informação".
"O autor da providência cautelar não é referido nas notícias por factos da sua vida privada ou pessoal, mas enquanto administrador de uma empresa com capitais públicos e interveniente num plano que - como hoje é público - visava o condicionamento de órgãos de comunicação social", sublinha o comunicado assinado por José António Saraiva, José António Lima, Mário Ramires e Vítor Rainho.
"A interposição da providência cautelar mais não visou do que o encobrimento de factos cujo interesse público é já indiscutível", reforça a direcção do semanário.
A edição extra do Sol publica também um comunicado em que a administração adianta ter aceitado esta sexta-feira, "voluntariamente", a notificação entregue a um segurança na portaria do edifício do jornal. Indica ainda ter comunicado o conteúdo da providência cautelar à direcção e deixa vincado que, "como é de lei, não interfere, não conhece previamente, não sugere e não condiciona qualquer conteúdo do jornal, pelo que não tem a capacidade formal de cumprir a decisão judicial referida".