PSD condiciona inquérito aos resultados das audições

por RTP
"Em função do que lá se disser, do que lá se apurar, poderá justificar-se que se avance ou não para a comissão de inquérito" Tiago Petinga, Lusa

O PSD faz depender dos resultados das audições na Comissão de Ética a sua posição quanto à proposta do BE para uma comissão de inquérito sobre o alegado plano do Governo para controlar os média. O líder parlamentar social-democrata adianta que o partido quer ouvir vários directores de jornais, jornalistas e administradores de empresas, incluindo a PT.

Só "em função" do que "disser" e "apurar" na Comissão de Ética é que os sociais-democratas vão tomar uma posição sobre a proposta do partido de Francisco Louçã para a constituição de uma comissão de inquérito parlamentar com o objectivo de clarificar o alegado papel desempenhado pelo Governo socialista no negócio gorado de aquisição da TVI pela Portugal Telecom.

O PSD considera prioritário ouvir em sede da Comissão de Ética uma extensa lista de responsáveis por empresas privadas ou participadas pelo Estado, desde logo a PT, assim como directores de órgãos de comunicação social e jornalistas.

"Neste primeiro momento, entendemos que era importante ouvir os senhores directores do Jornal de Notícias, da TVI, do Sol, do semanário Expresso e do Diário Económico", indicou esta segunda-feira, em conferência de imprensa, o presidente do grupo parlamentar social-democrata, José Pedro Aguiar-Branco.

No plano "das empresas", o PSD tenciona chamar à Assembleia da República "os presidentes dos conselhos de administração da Controlinveste, da Cofina, da Media Capital, da Comissão Executiva da PT, do Conselho de Administração da PT, do Conselho de Administração da Ongoing e Manuel Polanco, administrador da Prisa".

Os sociais-democratas querem também ouvir "José Eduardo Moniz, Mário Crespo, Armando Vara, Arons de Carvalho, José Manuel Fernandes, Manuela Moura Guedes, Paulo Penedos, Rui Pedro Soares, a jornalista Ana Paula Azevedo e a jornalista Felícia Cabrita", revelou ainda Aguiar-Branco.

A última edição do semanário Sol publicou extractos do despacho do juiz de Aveiro responsável pela instrução criminal do processo Face Oculta. No documento, António Costa Gomes refere a existência de "indícios muito fortes da existência de um plano", com o envolvimento de José Sócrates, para controlar a TVI e afastar a jornalista Manuela Moura Guedes e José Eduardo Moniz, antigo director-geral da estação de Queluz de Baixo. O despacho do juiz de instrução criminal da Comarca do Baixo Vouga inclui transcrições de escutas telefónicas que envolvem Armando Vara, arguido no processo e actual consultor do Millennium BCP, Paulo Penedos, assessor da PT, e Rui Pedro Soares, administrador executivo da empresa de telecomunicações.

"Plano do Governo" levado a Estrasburgo

As notícias sobre um alegado plano do Governo socialista para controlar órgãos de comunicação social estiveram também no centro de uma intervenção de Paulo Rangel no Parlamento Europeu. O eurodeputado social-democrata considerou estar em causa "a liberdade de expressão" em Portugal.

"Eu queria denunciar aqui aquilo que se está a passar em Portugal neste momento, onde é claro que a comunicação social trouxe à luz um plano do Governo para controlar os jornais, para controlar estações de televisão, para controlar estações de rádio", afirmou o antigo líder parlamentar do PSD na abertura da sessão plenária do Parlamentou Europeu, que decorre até à próxima quinta-feira.

Paulo Rangel citou, a título de exemplo, o caso de "um jornalista muito conhecido, Mário Crespo", que "viu censurada uma crónica sua, também por sugestão, ou aparente sugestão, do primeiro-ministro". José Sócrates, prosseguiu o eurodeputado, "tem de dar explicações ao país, explicar que não está a dominar, a saciar, a censurar a liberdade de expressão em Portugal".

"Pela forma que estamos a andar, Portugal já não é um Estado de Direito, é um Estado de Direito formal onde o primeiro-ministro se limita a formalidades, a procedimentos, a formalismos e não quer dar explicações substanciais", rematou Rangel, dizendo ainda querer para o país "um Estado de Direito material".

Sócrates "faltou à verdade ao Parlamento"

A proposta para a constituição de uma comissão de inquérito parlamentar partiu do Bloco de Esquerda, que traçou como objectivo da iniciativa perceber "se houve ou não houve uma intervenção do Governo em todos os negócios da compra eventual da TVI pela PT".

No domingo, o coordenador político do partido, Francisco Louçã, deixava um "forte apelo a todos os partidos parlamentares" para que a comissão pudesse "funcionar num curto prazo" e "esclarecer os portugueses sobre se, sim ou não, houve uma intervenção do Governo para determinar, condicionar ou influenciar a compra de um canal de televisão por razões de influência sobre a sua linha editorial".

"O primeiro-ministro já foi confrontado no Parlamento sobre se conhecia ou não a compra da TVI. E o primeiro-ministro faltou à verdade ao Parlamento. Disse-o de uma forma bastante económica algum tempo mais tarde, dizendo que não tinha tido conhecimento oficial. Mas, portanto, tinha conhecimento. O que houve de novo na sexta-feira foi um documento de um tribunal. Não foi a divulgação de escutas, foi um documento de um magistrado, uma opinião fundamentada de um magistrado e ela nós tomamos em consideração", declarou então o dirigente bloquista.

PS privilegia separação de poderes

O vice-presidente da bancada parlamentar socialista Ricardo Rodrigues vincou, entretanto, que a proposta do Bloco de Esquerda terá a oposição do partido de Sócrates, caso avance em rota de colisão com o princípio da separação de poderes.

"Portugal vive num Estado de Direito e não é adequado uma comissão de inquérito debruçar-se sobre decisões do Supremo Tribunal de Justiça ou sobre despachos de magistrados. Se for esse o caso, votaremos contra", garantiu o deputado do PS, em declarações à agência Lusa.

Sem conhecer o conteúdo do requerimento do Bloco de Esquerda, Ricardo Rodrigues assinalou que "há uma agenda na Comissão Parlamentar de Ética que tem a ver precisamente com a matéria requerida pelo Bloco de Esquerda": "Cabe à Comissão Parlamentar de Ética tratar de assuntos relativos à comunicação social. Mas vamos aguardar pelo requerimento do Bloco de Esquerda e depois definiremos a nossa posição".

Por sua vez, o ministro da Defesa, Augusto Santos Silva, voltou esta segunda-feira a assumir a defesa do primeiro-ministro, argumentando que a publicação de escutas do processo Face Oculta "põe em causa fundamentos básicos de um Estado de Direito".

Depois de sublinhar que as autoridades judiciais "não encontraram indício de qualquer ilícito criminal", uma posição que "os amantes do Estado de Direito devem respeitar", Santos Silva disse que "o Governo não tem nenhuma razão para não estar tranquilo".

"Em democracia ninguém comanda a comunicação social, nem sequer os proprietários dos meios, nem o Governo, nem nenhuma entidade", prosseguiu o dirigente socialista, acrescentando que "a democracia é um regime no qual a comunicação social é comandada pela lei e pelos seus públicos, que, através, da reputação e credibilidade que emprestam aos órgãos de comunicação social, fazem valer ou não os projectos de comunicação social".

PCP quer obter explicações "de forma expedita"

A eventual constituição de uma comissão de inquérito é um cenário admitido pelos comunistas, que, no entanto, consideram ser mais importante divisar uma "forma expedita de obter esclarecimentos".

"As acusações que foram feitas ao Governo, de tentativa de influência da comunicação social, são suficientemente graves para justificar que a Assembleia da República faça diligências sobre elas. Se os esclarecimentos devem ser obtidos por via de uma comissão parlamentar de inquérito ou outra, como a Comissão de Ética, são ambas possibilidades idóneas", sustentou António Filipe.

No entender do deputado do PCP, impõe-se "optar por uma das soluções, desejavelmente a que garanta mais celeridade e eficácia". A audição de diferentes personalidades em sede da Comissão de Ética, defendeu António Filipe, seria "mais rápida, seguramente". "Mas não há qualquer objecção nossa se se obtiver um consenso maioritário no sentido de uma comissão de inquérito", reiterou.

Comissão de Ética é "preferível"

O CDS-PP, pela voz do líder parlamentar, Pedro Mota Soares, anunciou também que vai propor a audição do antigo director-geral da TVI e do presidente da PT, entre outras personalidades, na Comissão de Ética da Assembleia da República.

"Vamos propor à Comissão de Ética, que tem a tutela da comunicação social, um conjunto de audições a propósito da forma como o Governo lida com a comunicação social e especificamente sobre o caso da TVI. A Comissão de Ética pode convocar as pessoas rapidamente para esclarecimentos cabais sobre a questão", disse Pedro Mota Soares à agência Lusa.

O líder da bancada dos democratas-cristãos argumentou ainda que "o Parlamento não pode ser indiferente" ao modo como "um Governo lida com a comunicação social": "Há questões que estão a ser tratadas na justiça, mas há outras questões que são do âmbito da política e têm a ver com a forma como um Governo lida com a comunicação social. E a esse propósito o Parlamento não pode ser indiferente. A liberdade de expressão é um valor fundamental em democracia". 

O CDS-PP pretende ouvir Zeinal Bava, para "perceber se a PT pode ou não ter sido utilizada nessa estratégia do Governo para produzir alterações na TVI", José Eduardo Moniz e o então administrador da Prisa em Lisboa e o presidente da Ongoing, "que a seguir fez o negócio da compra do capital da TVI".

Questionado sobre a eventual realização de um inquérito parlamentar, Pedro Mota Soares considerou que "seria preferível" abordar a matéria na Comissão de Ética. Isto porque "só a possibilidade de se discutir em plenário demoraria um mês e meio".

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