Sindicato dos Jornalistas quer inquérito parlamentar

por RTP
O primeiro-ministro, José Sócrates, criticou no sábado o que considerou ser um "jornalismo de buraco de fechadura" Nuno Veiga, Lusa

O presidente do Sindicato dos Jornalistas defendeu hoje que o primeiro-ministro “tem o dever indeclinável de esclarecer” se as notícias sobre um alegado plano do Governo para o controlo da comunicação social correspondem à verdade ou a “uma fantasia mitómana”. Em entrevista à RTPN, Alfredo Maia disse esperar que o Parlamento forme uma comissão de inquérito.

Os cidadãos portugueses, sustenta Alfredo Maia, "não podem continuar a ser bombardeados com incidentes desta natureza, porque isso adensa uma nuvem de suspeição extraordinariamente grave sobre a forma como o Estado administra as garantias que os cidadãos têm, desde logo uma informação livre e independente do poder político ou do poder económico". Não podem, por outro lado, "continuar a suspeitar que os órgãos de informação e os jornalistas estão permanentemente disponíveis para ver capturada a sua independência e a sua autonomia face ao poder político", uma vez que isso "não é tolerável num Estado de Direito".

Na entrevista deste domingo à RTPN, o presidente do Sindicato dos Jornalistas reforçou a posição assumida pela estrutura na sexta-feira, quando o semanário Sol publicou extractos do despacho do juiz responsável pela instrução criminal do processo Face Oculta, António Costa Gomes, que refere "indícios muito fortes da existência de um plano" do primeiro-ministro para controlar a TVI e afastar a jornalista Manuela Moura Guedes e o antigo director-geral da estação José Eduardo Moniz. Alfredo Maia quer ver o caso escrutinado pela Assembleia da República e pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social.

"Há duas instâncias que, pela sua natureza, impõem a transparência das respectivas conclusões. Uma é sem dúvida a Assembleia da República. É de supor e de esperar que vá constituir uma comissão de inquérito para esclarecer todos estes factos e com certeza que o processo de escrutínio há-de ser público e transparente. Assim como a Entidade Reguladora, que tem também obrigações muito estritas neste domínio, com certeza que há-de realizar as suas averiguações e há-de tornar públicas as suas conclusões", perspectivou o sindicalista. Que se recusou a antecipar conclusões: "Uma hipótese é ser tudo isto uma fantasia, aliás muito estranha, e a outra é haver um fundo de verdade no que se diz. Mas antes de mais é preciso que fique esclarecido o que aconteceu ou não e que isso seja feito de forma pública e transparente".

Sócrates "suspeito de pretender tornar-se no dono da porta inteira"

Confrontado com as notícias dos jornais Sol e Correio da Manhã, José Sócrates condenou, ao final da manhã de sábado, o que considerou ser um "jornalismo de buraco de fechadura" assente em "escutas telefónicas e conversas privadas" destituídas de relevância criminal: "Eu não contribuo para essa infâmia, nem para a degradação da nossa vida pública, baseando-se essas acusações e essas notícias em escutas telefónicas".

Para Alfredo Maia, o primeiro-ministro "tem o direito de fazer apreciações deste tipo". Contudo, é "hoje suspeito de pretender tornar-se no dono da porta inteira e não apenas da fechadura ou do seu buraco".

"Realmente, é isso que está em causa desde sexta-feira. Aliás, eu não percebo porque é que o Parlamento ainda não tornou claro que sim, que vai fazer um inquérito parlamentar. E um inquérito parlamentar que apure todos os factos, porque das duas uma: ou aqueles despachos e as transcrições de escutas são completamente inventados, ou então existem e resultam, hipótese um, de uma fantasia mitómana de um conjunto de pessoas e isso deve ter consequências, ou então contêm factos que devem ser escrutinados", advogou à RTPN o presidente do Sindicato dos Jornalistas.

"O que eu entendo como dirigente sindical, como jornalista e como cidadão, é nessa primeira esfera que também me preocupo, é que o primeiro-ministro tem o dever indeclinável de esclarecer se aqueles factos são verdadeiros, se sim ou não conhecia aquela alegada operação ou se alguma vez a tentou fazer. E se não mandou fazer, conhecendo-a, consentiu na sua realização. Isto é que se deve esclarecer com todas as consequências", enfatizou Alfredo Maia, acrescentando que "as declarações do primeiro-ministro, até agora, assim como de outros dirigentes e responsáveis, não contribuíram em nada para tranquilizar o país acerca da existência ou não desta operação".

"Tensão" entre "normas jurídicas" e "liberdade de imprensa"

No entender do presidente do Sindicato dos Jornalistas, as notícias dos últimos dias constituem "mais um episódio em que a tensão entre as normas jurídicas e um valor fundamental que é a liberdade de imprensa existe e existe sem dúvida".

"Agora, estamos também naquelas circunstâncias em que é preciso ponderar qual é o valor essencial, neste momento, a preservar. E há um valor supremo a preservar nesta altura. É a garantia constitucional dos cidadãos de que a informação se faz num quadro de absoluta liberdade, de absoluta independência e autonomia", sublinhou.

Alfredo Maia defende, por isso, que "o conjunto de incidentes e, em concreto, o que foi revelado na passada sexta-feira, justificam que aprofundemos este escrutínio": "Sem dúvida que no escrutínio destes factos o papel dos média, o papel dos jornalistas, é insubstituível".

O sindicalista escusou-se ainda a "fazer processos de intenção", mas destacou "um dado objectivo": "Há um avolumar de suspeitas, suspeitas essas que são inaceitáveis num Estado de Direito democrático e que nós não podemos, de facto, fazer de conta que não existem".

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