PSD e BE ponderam chamar presidente da PT ao Parlamento

por Carlos Santos Neves, RTP

O PSD e o Bloco de Esquerda consideram que “os novos factos” sobre as escutas do processo Face Oculta justificam a audição do presidente da Portugal Telecom, Zeinal Bava, na Assembleia da República, a par de responsáveis por grupos de comunicação social. O PS mostra-se disposto a viabilizar as audições sobre a liberdade de expressão em sede da Comissão de Ética.

Os sociais-democratas começaram por defender a audição, no Parlamento, de personalidades directamente visadas por José Sócrates, nomeadamente a jornalista Manuela Moura Guedes e o antigo director-geral da TVI José Eduardo Moniz. Contudo, o conteúdo das notícias avançadas pelos jornais Sol e Correio da Manhã, que apontam para a existência de um alegado plano do primeiro-ministro com o intuito de controlar órgãos da comunicação social e condicionar a acção do Presidente da República, levam o PSD a admitir alargar o conjunto de nomes a convocar à Assembleia da República. A posição é avançada ao Diário de Notícias por Agostinho Branquinho.

Nas palavras do deputado social-democrata, "a publicação pelo jornal Sol das escutas", que consubstanciam um alegado papel do Executivo de Sócrates no negócio gorado de compra da estação de Queluz de Baixo pela PT, levam o maior partido da Oposição a "ponderar" o eventual alargamento do grupo de pessoas a ouvir na Comissão de Ética. Agostinho Branquinho invoca o que considera ser "os novos factos conhecidos" e admite que Zeinal Bava pode ser um dos nomes a chamar ao Parlamento. "Veremos, quando discutirmos os nomes", afirma o deputado, citado na edição de domingo do Diário de Notícias.

A "título pessoal", o social-democrata Luís Campos Ferreira sustenta ao jornal que é "muito importante ouvir os accionistas e representantes dos grupos económicos", entre os quais o presidente da Portugal Telecom. Por sua vez, o deputado do Bloco de Esquerda João Semedo argumenta que "faz sentido" chamar à Assembleia da República os diferentes agentes alegadamente envolvidos no caso. Isto "se a intenção é avaliar a relação dos poderes político e económico com a comunicação social".

PS viabiliza requerimento do PSD

A última edição do semanário Sol transcreve extractos do despacho assinado pelo juiz de Aveiro responsável pela instrução criminal do processo Face Oculta. O juiz António Costa Gomes refere a existência de "indícios muito fortes da existência de um plano", com o envolvimento de José Sócrates, para controlar a TVI e afastar Manuela Moura Guedes e José Eduardo Moniz. O despacho do juiz de instrução criminal da Comarca do Baixo Vouga inclui transcrições de escutas telefónicas que envolvem Armando Vara, então membro da administração do Millennium BCP, Paulo Penedos, assessor da PT, e Rui Pedro Soares, administrador executivo da empresa de telecomunicações.

O tema foi recuperado no sábado pelo Correio da Manhã, que se baseou nos mesmos extractos para revelar que Sócrates e Vara, arguido no processo Face Oculta, seriam protagonistas de um "plano para condicionar e constranger" Cavaco Silva, controlar órgãos dos média e fazer uso de verbas de empresas públicas em prol do PS - o jornal adiantou que a cúpula dos socialistas teria por objectivo provocar eleições antecipadas em 2011, perante o cenário de perda da maioria absoluta.

O PS, pela voz do líder da bancada parlamentar, já admitiu viabilizar o requerimento dos sociais-democratas para que a Comissão de Ética promova audições sobre o exercício da liberdade de expressão em Portugal, uma iniciativa defendida logo na sexta-feira por Manuela Ferreira Leite.

"Os partidos políticos podem promover iniciativas, no âmbito das várias comissões no Parlamento. Ao que percebi, havia uma intenção de solicitar esse debate no âmbito da Comissão de Ética e naturalmente que o Partido Socialista, como sempre, tem toda a disponibilidade para participar activamente nessa discussão no âmbito parlamentar", afirmava ontem Francisco Assis à RTPN.

Em declarações à agência Lusa, a deputada socialista Inês de Medeiros disse igualmente que o partido do Rato "aceita obviamente realizar uma série de audições", rejeitando, no entanto, que exista falta de liberdade de expressão: "Estes últimos dias têm provado que não há propriamente um problema de liberdade de expressão em Portugal. Não nos parece que a imprensa, que a comunicação social esteja inibida de falar seja do que for".

O PS, frisou a deputada, tenciona "pensar seriamente sobre quem deve ser ouvido" em sede da Comissão de Ética, de forma a fazer "uma avaliação nacional".

CDS-PP vê notícias "com preocupação"

Numa nota citada pela Lusa, o porta-voz do CDS-PP, Nuno Magalhães, afirmava no sábado que os democratas-cristãos estão a acompanhar "com preocupação" as "informações de natureza estritamente política, e apenas essas, que revelam a forma como o Governo lida com as empresas de comunicação social". O "bom-senso", prosseguiu, "impõe que essas informações sejam esclarecidas pelo Governo, até porque temos presente as declarações feitas no Parlamento sobre o chamado caso TVI".

Já o deputado do CDS-PP José Ribeiro e Castro propugnou que cabe à Assembleia da República contribuir para o "esclarecimento cabal" das notícias sobre o alegado plano de assinatura governamental para controlar o "sentido editorial" de um órgão de comunicação social.

"A Assembleia da República tem de ter em conta a ocorrência e apreciar, seja no quadro do funcionamento normal de uma comissão, seja de um inquérito parlamentar que permita o esclarecimento cabal de todos os factos", declarou Ribeiro e Castro na Sertã, à margem do Roteiro das Comunidades Locais Inovadoras que Cavaco Silva ontem realizou na Beira Baixa.

"Acções de ataque à democracia"

No sábado, ao encerrar em Lisboa o seminário "2000-2010: dez anos de política de direita - exigência de ruptura", o secretário-geral do PCP condenou as "acções de ataque à democracia", incluindo as "sistemáticas tentativas de controlo da comunicação social".

"Uma década onde foi patente a intensificação de acções de ataque à democracia (...) e na gravosa ofensiva legislativa visando limitar a autonomia dos partidos políticos, particularmente do PCP, procurando condicioná-lo nas suas opções soberanas, mas também as sistemáticas tentativas de controlo da comunicação social, como o evidenciam os recentes casos", sintetizou Jerónimo de Sousa.

Também o PCP admite votar favoravelmente o requerimento do PSD, caso sirva "para o esclarecimento da situação". E exige "um cabal esclarecimento por parte do primeiro-ministro" face às notícias de "alegadas pressões para determinar alterações e afastamentos favoráveis ao Governo e ao PS", um "esclarecimento tão mais necessário e imperativo quanto a multiplicação de notícias sobre casos deste domínio não podem deixar de causar legítima interrogações e inquietações".

Na reacção às notícias do Sol e do Correio da Manhã, José Sócrates considerou "absolutamente lamentável" o que considerou ser um "jornalismo de buraco de fechadura" baseado em "escutas telefónicas e conversas privadas".

Sem se alargar em comentários, Cavaco Silva sublinhou, por sua vez, que "Portugal é um Estado de Direito".

"Principalmente nestas circunstâncias todos devemos respeitar a lei, tendo em conta os princípios constitucionais, e desses princípios constitucionais faz parte aquilo que acabam de referir, a liberdade de expressão e o pluralismo da comunicação social. Mas entendo que, nas circunstâncias em que se encontra o país, não devo acrescentar absolutamente mais nada e continuar concentrado naquilo que me trouxe à Beixa Baixa, dar o meu contributo para o reforço da recuperação económica, porque acredito nas pequenas e médias empresas e nas comunidades locais", declarava no sábado o Presidente da República.

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