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Jornal Sol sai para as bancas após providência cautelar

por RTP
A meio da tarde, um agente de execução procurava, sem sucesso, entregar a notificação aos responsáveis pelo jornal Sol Mário Cruz, Lusa

O semanário Sol foi confrontado esta quinta-feira com uma providência cautelar interposta por Rui Pedro Soares, administrador executivo da Portugal Telecom, para travar a publicação de mais transcrições de escutas. A direcção do jornal garante que a edição de sexta-feira vai fazer "novas revelações sobre as escutas" do processo Face Oculta.

O semanário Sol revelou, na edição da passada sexta-feira, extractos do despacho em que o juiz de Aveiro responsável pela instrução do processo Face Oculta, António Costa Gomes, aponta para a existência de "indícios muito fortes da existência de um plano", com o envolvimento de José Sócrates, para controlar a TVI e afastar a jornalista Manuela Moura Guedes e José Eduardo Moniz, antigo director-geral daquela estação televisiva.

O despacho do juiz de instrução criminal da Comarca do Baixo Vouga inclui transcrições de escutas telefónicas que envolvem o antigo ministro socialista Armando Vara, Paulo Penedos, assessor da Portugal Telecom, e Rui Pedro Soares, administrador executivo da empresa de telecomunicações.

Na sequência da notícia do Sol, o administrador executivo da Portugal Telecom interpôs, há dois dias, uma providência cautelar que visa impedir a publicação de notícias com transcrições de escutas que envolvam o seu nome. Numa nota citada pela agência Lusa, Rui Pedro Soares afirma que o tribunal determinou que o jornal "está impedido de publicar, por qualquer forma", conversas telefónicas em que tenha participado e que façam parte do processo Face Oculta.

O quadro da PT adianta que a decisão foi tomada por "um Tribunal Civil Português, numa providência cautelar" que impede o semanário de "distribuir e vender edições do Sol que contenham essas conversas e facultá-las a quem quer que seja". Rui Pedro Soares diz ainda esperar, "porventura em vão", que o jornal cumpra a providência cautelar.

"O Polvo" é manchete no Sol

O agente de execução e a advogada que se deslocaram esta quinta-feira às instalações do jornal pretendiam notificar o director José António Saraiva e as jornalistas Felícia Cabrita e Ana Paula Azevedo. A meio da tarde, um agente de execução permanecia no edifício do Sol, sem que a direcção do semanário se mostrasse disponível para receber a notificação. O agente de execução abandonou as instalações cerca das 18h15, depois de entregar o documento a um segurança.

De acordo com a edição on-line do Expresso, a próxima manchete do semanário terá como título "O Polvo" - o jornal divulga novas escutas relacionadas com o processo Face Oculta.

"Tenho perfeita consciência de que a decisão de um Tribunal valerá pouco ou nada para muitos, nomeadamente os que, nos últimos dias, têm tentado branquear as violações da lei perpetradas pelo Sol", sustenta Rui Pedro Soares no comunicado remetido à Lusa.

O administrador da Portugal Telecom argumenta também que as "histórias" publicadas pelo Sol, "como se provará pelos meios e no momento adequado, são manipulações".

"Enquanto cidadão, não posso compactuar com as graves violações de normas essenciais do Estado de Direito", acrescenta, para depois acusar o semanário de ter publicado um texto "truncado e manipulado".

"Manobras para controlar outros órgãos de comunicação social"

Em comunicado publicado esta noite, a direcção do Sol garante que o jornal "estará amanhã nas bancas como habitualmente, incluindo novas revelações sobre as escutas no processo Face Oculta".

As escutas em causa, indica a nota publicada na edição on-line do semanário, "provam manobras para controlar outros órgãos da comunicação social, além da TVI e condicionar jornalistas".

"A Direcção do jornal tomou conhecimento através da comunicação social de uma providência cautelar interposta por uma figura citada nas notícias, não tendo sido notificado, porém, nenhum membro da administração da empresa ou da direcção do jornal", lê-se no comunicado assinado por José António Saraiva, José António Lima, Mário Ramires e Vítor Rainho.

José Eduardo Moniz denuncia "ingerência"

A providência cautelar interposta pelo administrador executivo da PT foi conhecida no mesmo dia em que o antigo director-geral da TVI reiterou que houve "ingerência" do Executivo de Sócrates no processo que levou ao fim do bloco de notícias apresentado por Manuela Moura Guedes.

"Ontem houve uma pequena nuance nas afirmações do primeiro-ministro. Diz que não teve conhecimento formal [do negócio frustrado para a compra da TVI pela PT]. Anteriormente não tinha conhecimento puro e simples, o que significa que alguma coisa sabia do negócio", afirmou José Eduardo Moniz na capital de Moçambique, onde assinou, em representação da Ongoing, um acordo com um grupo de comunicação social daquele país.

"Que houve ingerência nestes processos relacionados com a TVI e outras entidades da parte do Governo, não tenho a mínima dúvida. Aliás, acho que hoje em dia, em Portugal, ninguém tem dúvidas sobre isso. Apenas se não conhecem os contornos específicos em que as coisas ocorreram", sustentou Moniz.

No entender do administrador da Ongoing, o jornalismo em Portugal pode sair fortalecido com este processo, uma vez que "a circunstância de se terem tornado conhecidos alguns episódios que envergonham quem deles participou" acabará por consolidar os princípios da "independência" e da "transparência". No entanto, José Eduardo Moniz considera também que o processo está inquinado "a partir do momento em que há despachos judiciais que impedem que se tornem conhecidas algumas conversas que poderiam contribuir" para o apuramento da verdade.

"Acho que sai muito beliscada a classe política de tudo isto, nomeadamente o primeiro-ministro e o Governo que liderou anteriormente, como também sai beliscado o poder judicial, porque são muitos os ziguezagues, são muitos os enredos em que o próprio sistema judicial se envolveu", prosseguiu o antigo director-geral da estação televisiva de Queluz de Baixo.

Moniz reiterou, ainda, que deixou a TVI porque "a partir de determinada altura tinha deixado de ser possível sustentar o ambiente que se tinha gerado": "Apercebia-me de que os accionistas da empresa estavam pressionados a vários títulos para actuar sobre a informação da empresa, nomeadamente sobre um jornal específico".

Governo demarca-se

Confrontado com a notícia da providência cautelar contra o semanário Sol, o ministro da Justiça, Alberto Martins, invocou o "princípio da separação de poderes" para se escusar a tecer quaisquer comentários.

"Não comento tudo o que está a ser apreciado no âmbito da justiça. A justiça tem as suas regras, os seus procedimentos próprios. À justiça o que é da justiça, é o princípio da separação de poderes", declarou Alberto Martins à margem do segundo dia de debate da proposta de Orçamento do Estado para 2010.

"Não comento, nem aprecio, nem julgo matérias que estão a ser apreciadas na justiça. Não me cabe isso nem farei isso. Isso cabe aos tribunais e aos seus órgãos próprios", reforçou o governante, acrescentando que "o princípio da separação de poderes é uma trave fundamental do Estado de Direito que o Governo respeita, a Assembleia da República respeita e todos temos o dever de respeitar".

Também o ministro dos Assuntos Parlamentares considerou que a providência cautelar contra a publicação de escutas no jornal Sol "é matéria em relação à qual o Governo nada tem a ver, é uma questão do foro judicial".

"O Governo não interefere com as competências dos tribunais", enfatizou Jorge Lacão.

Situação "embaraçosa para a liberdade de expressão"

Para o líder parlamentar do PSD, José Pedro Aguiar-Branco, a existência de uma providência cautelar contra o Sol corresponde a uma "situação, em termos globais, embaraçosa para a liberdade de expressão".

"Eu, em concreto, quanto a sentenças judiciais, não vou fazer nenhum comentário. A situação, na sua forma global, é que é um bocado embaraçosa para a liberdade de expressão", declarou Aguiar-Branco a partir do Parlamento.

A uma pergunta sobre quem estará a pôr em causa a liberdade de expressão no país, o dirigente social-democrata respondeu: "Podemos fazer aqui várias vezes ensaios sobre a pergunta e sobre a resposta, só que eu o que tenho a dizer é isto: em relação ao processo concreto, não me pronuncio; em relação à situação, em termos globais, é embaraçosa para a liberdade de expressão".

Decisões judiciais "têm que ser respeitadas por todos"

Pelo CDS-PP, Nuno Magalhães sublinhou que as "decisões judiciais devem ser respeitadas por todos", sem deixar de chamar a atenção para o "desconforto e a incomodidade" motivados pela providência cautelar contra o jornal Sol.

"Num Estado de Direito, as decisões judiciais têm que ser respeitadas por todos. Pode-se concordar ou pode-se discordar, mas têm que ser respeitadas. Dito isto, não deixamos de admitir e sublinhar que este caso causa socialmente algum desconforto e até incomodidade", declarou o porta-voz do partido.

O deputado democrata-cristão recusou-se a responder a mais questões, argumentando que desconhecia "quer o teor da decisão, quer o estado do processo".

"Episódio incendiário"

O líder do grupo parlamentar do Bloco de Esquerda, José Manuel Pureza, classifica, por seu turno, de "episódio incendiário" a providência cautelar interposta para impedir o Sol de publicar mais notícias sobre as escutas do processo Face Oculta.

José Manuel Pureza abordou, de resto, no plenário da Assembleia da República, a notícia da providência cautelar interposta contra o jornal, ao intervir no encerramento do debate sobre o Orçamento do Estado para 2010.

"Perante o episódio incendiário de hoje, quero reafirmar ao Parlamento que o Bloco de Esquerda mantém como sempre a mesma atitude de separação entre a justiça e a política e de procurar aqui mesmo, que é o local próprio para a fiscalização dos actos do Governo, todo o esclarecimento que é devido ao país para que não reste nenhuma dúvida", afirmou o deputado do Bloco.

"Derrotismo seria no dia de hoje ignorar o clima de desagregação, de confusões judiciárias e sobretudo de recusa persistente de esclarecimento acerca de todas as dúvidas legítimas sobre como se portou o Estado e o Governo em relação à operação de compra da TVI e à eventual tentativa de condicionar a sua linha editorial", vincou José Manuel Pureza.

"Precedente preocupante" e "perigoso"

Os comunistas vêem na providência cautelar "um precedente preocupante" e "perigoso". Na óptica do deputado do PCP António Filipe, está em causa a liberdade de expressão, que constitui um "direito fundamental" com "uma importância democrática transcendente".

"Estamos a falar da liberdade de expressão, que é um direito fundamental, tem uma importância democrática transcendente e é com alguma preocupação que vemos qualquer decisão que possa traduzir-se em limitações ao exercício dessa liberdade", assinalou o deputado comunista.

Depois de ressalvar que não está em causa a "legitimidade das autoridades judiciais", que "exercem a sua competência e devem fazê-lo sem qualquer intromissão do poder político", António Filipe sustentou que "tudo aquilo que se traduza em limitações da liberdade de expressão" é "motivo de preocupação".

António Filipe defendeu ainda a necessidade de ser "cabalmente esclarecida", em sede de Comissão de Ética do Parlamento, a questão das "eventuais pressões feitas sobre a liberdade de imprensa e promiscuidade entre poder político e económico para condicionamento da comunicação social".

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