Política
Lei dos Solos. Casos de governantes e imobiliárias aquecem debate de moção de censura
O Parlamento debate esta sexta-feira, a partir das 15h00, uma moção de censura ao Governo, uma iniciativa do Chega de André Ventura. Na argumentação de base, o partido considerou recaírem sobre o primeiro-ministro “suspeitas gravíssimas de incompatibilidade” no exercício de funções públicas, nomeadamente devido à polémica em torno de uma empresa imobiliária que vendeu à mulher antes de chegar à liderança do PSD. Nas últimas horas, todavia, a RTP apurou que também o ministro adjunto e da Coesão Territorial deteve, até há uma semana, uma participação numa imobiliária. Um novo caso que deverá aquecer o confronto parlamentar.
Manuel Castro Almeida terá passado a quota aos restantes sócios já depois da polémica que levou à demissão do secretário de Estado Hernâni Dias.
Intitulada Pelo fim de um Governo sem integridade, liderado por um primeiro-ministro sob suspeita grave, a moção de censura submetida na passada terça-feira ao Parlamento refere que está em causa um “cenário de total e generalizada descredibilização do Governo e do primeiro-ministro” que deve resultar na demissão do Executivo minoritário de PSD e CDS-PP.
“Se até aqui os problemas surgiam pela mão de governantes diversos, desta vez é o próprio primeiro-ministro quem mancha a reputação e a imagem do país, tanto interna, como externamente”, escreve o partido, argumentando que em causa estão “suspeitas gravíssimas de incompatibilidade no exercício de funções públicas”.
Nesta moção, o Chega argumenta que a “explicação nunca foi dada, nem detalhados os dados importantes da situação relativos, por exemplo, aos clientes daquela empresa, a natureza das atividades desempenhadas ou a respetiva faturação”.André Ventura ameaçara, na segunda-feira, avançar com uma moção de censura caso o primeiro-ministro não desse explicações até ao final desse dia sobre a empresa de compra e venda de imóveis da mulher e dos filhos.
De visita ao Brasil esta semana, Luís Montenegro afirmou que,”por respeito à representação de Portugal” na 14ª Cimeira Luso-Brasileira, remetia para o debate da moção de censura “todas as considerações devidas sobre a atual situação política interna”. Mais tarde veio dizer-se “tranquilo”.
O que está em causa
No último fim de semana, o Correio da Manhã avançou que a empresa Spinumviva, da família de Luís Montenegro, poderia “beneficiar com a alteração à lei dos solos aprovada pelo Governo” e que, sendo o primeiro-ministro “casado em comunhão de adquiridos com a principal sócia da firma”, tal o deixaria "numa situação de potencial conflito de interesses".
Na quarta-feira, o chefe do Executivo disse estar “muito tranquilo” e garantiu que fará aquilo que é sua obrigação, “com toda a tranquilidade de quem honrou sempre a sua vida pessoal, profissional e política por critérios de honestidade, de tolerância e de respeito por toda a gente”.
Luís Montenegro garantiu não existir qualquer conflito de interesses, já que desde 30 de junho de 2022 não é sócio da empresa imobiliária em causa. “Nunca foi, não é e não será objeto da atividade da empresa qualquer negócio imobiliário ligado à alteração legislativa” da lei dos solos, assegurou.
A quota que detinha na empresa foi vendida por Luís Montenegro um mês antes de este ter chegado à liderança do PSD. A participação com o valor de 3.750 euros foi repartida entre a mulher e os dois filhos.A RTP confirmou que foi realizado um contrato de cessão e de divisão quota e que o pagamento foi feito no prazo de 60 dias, por transferência bancária.
No entanto, as dúvidas jurídicas permanecem, já que, por ser casado em comunhão de bens de adquiridos, poderá manter-se como cotitular dessa participação.
O Código Civil estabelece que estão proibidos os contratos de compra e venda entre cônjuges a não ser que estejam casados em regime de separação de bens, o que não é o caso. No entanto, o Código das Sociedades Comerciais prevê que seja possível a transmissão de quotas entre marido e mulher.
“A cessão de quotas não produz efeitos para com a sociedade enquanto não for consentida por esta, a não ser que se trate de cessão entre cônjuges, entre ascendentes e descendentes ou entre sócios”, lê-se no Artigo 228.º.
E Castro Almeida? “Nada escondido, tudo legal”
Já o ministro adjunto e da Coesão Territorial, apurou uma investigação da RTP, teve até há uma semana uma participação numa empresa imobiliária e terá passado a quota aos demais sócios já depois da polémica relacionada com o secretário de Estado Hernâni Dias.
Em causa está a empresa Quantun 98, Investimentos Imobiliários Lda, sociedade criada em 1998 e com sede em Vale de Cambra. Nas atividades, além daquelas ligadas à construção civil e projetos de engenharia e arquitetura, está a "compra para revenda de imóveis”.
Surgem assim dúvidas, uma vez mais, sobre um potencial conflito de interesses, uma vez que esta empresa pode beneficiar da Lei dos Solos, que está sob a tutela direta de Castro Almeida.O ministro comunicou a participação na empresa à Entidade para a Transparência, mas fez a transmissão da quota que detinha para os sócios no dia 13 de fevereiro, já após a saída de Hernâni Dias do Executivo de PSD e CDS-PP.
A Quantun 98 não foi a única participação do atual ministro neste setor. Manuel Castro Almeida chegou a ter uma outra sociedade ligada ao ramo imobiliário que foi dissolvida em 2016. Numa análise aos ex-sócios de Manuel Castro Almeida, na Quantun 98, um deles tem também participação numa construtora civil.
Na época em que o agora governante era presidente da Câmara de São João da Madeira, a empresa Construções Fernando Soares Ferreira teve adjudicação de oito ajustes diretos e ganhou um concurso público, contratos firmados entre 2009 e 2013 cujos documentos não estão anexados no portal das contratações públicas. Ou seja, Manuel Castro Almeida fez ajustes diretos à empresa de um sócio.A presidência do Conselho de Ministros não respondeu à RTP se considerava existir conflito de interesses.
O ministro com a pasta da Coesão Territorial confirma que teve “uma sociedade durante mais de 25 anos”, mas que sempre a declarou. Adianta ainda que decidiu vender a sua quota na sequência das polémicas em torno da Lei dos Solos.
Questionado sobre a posse e venda das quotas da sociedade, Castro Almeida acrescentou que “agora, neste Governo, declarei [essa empresa] à Entidade da Transparência. Tudo claro, nada escondido, tudo legal”.
“Há três ou quatro semanas, no mês de janeiro, decidi vender a minha quota porque se começou a gerar no espaço público a ideia de que ter uma empresa imobiliária era uma vantagem com a Lei dos Solos", justificou o governante que participou na definição dessa nova legislação.
“O que é um erro, porque a lei se aplica a qualquer cidadão”, sublinhou à RTP. Questionado sobre se beneficiaria de vantagens com uma lei que legislou, sublinhou: “Por minha iniciativa [resolvi] cortar o mal pela raiz”.
Confrontado com o facto de ter aceitado a demissão de Hernâni Dias, que constituiu duas empresas enquanto governante, e se não estava a ser incoerente por se tratar de um caso semelhante, defendeu que o ex-secretário de Estado admitiu ter cometido uma imprudência.
Sobre a lei, continua a dizer que é boa e fundamental.
c/ Lusa
Intitulada Pelo fim de um Governo sem integridade, liderado por um primeiro-ministro sob suspeita grave, a moção de censura submetida na passada terça-feira ao Parlamento refere que está em causa um “cenário de total e generalizada descredibilização do Governo e do primeiro-ministro” que deve resultar na demissão do Executivo minoritário de PSD e CDS-PP.
“Se até aqui os problemas surgiam pela mão de governantes diversos, desta vez é o próprio primeiro-ministro quem mancha a reputação e a imagem do país, tanto interna, como externamente”, escreve o partido, argumentando que em causa estão “suspeitas gravíssimas de incompatibilidade no exercício de funções públicas”.
Nesta moção, o Chega argumenta que a “explicação nunca foi dada, nem detalhados os dados importantes da situação relativos, por exemplo, aos clientes daquela empresa, a natureza das atividades desempenhadas ou a respetiva faturação”.André Ventura ameaçara, na segunda-feira, avançar com uma moção de censura caso o primeiro-ministro não desse explicações até ao final desse dia sobre a empresa de compra e venda de imóveis da mulher e dos filhos.
De visita ao Brasil esta semana, Luís Montenegro afirmou que,”por respeito à representação de Portugal” na 14ª Cimeira Luso-Brasileira, remetia para o debate da moção de censura “todas as considerações devidas sobre a atual situação política interna”. Mais tarde veio dizer-se “tranquilo”.
O que está em causa
No último fim de semana, o Correio da Manhã avançou que a empresa Spinumviva, da família de Luís Montenegro, poderia “beneficiar com a alteração à lei dos solos aprovada pelo Governo” e que, sendo o primeiro-ministro “casado em comunhão de adquiridos com a principal sócia da firma”, tal o deixaria "numa situação de potencial conflito de interesses".
Na quarta-feira, o chefe do Executivo disse estar “muito tranquilo” e garantiu que fará aquilo que é sua obrigação, “com toda a tranquilidade de quem honrou sempre a sua vida pessoal, profissional e política por critérios de honestidade, de tolerância e de respeito por toda a gente”.
Luís Montenegro garantiu não existir qualquer conflito de interesses, já que desde 30 de junho de 2022 não é sócio da empresa imobiliária em causa. “Nunca foi, não é e não será objeto da atividade da empresa qualquer negócio imobiliário ligado à alteração legislativa” da lei dos solos, assegurou.
A quota que detinha na empresa foi vendida por Luís Montenegro um mês antes de este ter chegado à liderança do PSD. A participação com o valor de 3.750 euros foi repartida entre a mulher e os dois filhos.A RTP confirmou que foi realizado um contrato de cessão e de divisão quota e que o pagamento foi feito no prazo de 60 dias, por transferência bancária.
No entanto, as dúvidas jurídicas permanecem, já que, por ser casado em comunhão de bens de adquiridos, poderá manter-se como cotitular dessa participação.
O Código Civil estabelece que estão proibidos os contratos de compra e venda entre cônjuges a não ser que estejam casados em regime de separação de bens, o que não é o caso. No entanto, o Código das Sociedades Comerciais prevê que seja possível a transmissão de quotas entre marido e mulher.
“A cessão de quotas não produz efeitos para com a sociedade enquanto não for consentida por esta, a não ser que se trate de cessão entre cônjuges, entre ascendentes e descendentes ou entre sócios”, lê-se no Artigo 228.º.
E Castro Almeida? “Nada escondido, tudo legal”
Já o ministro adjunto e da Coesão Territorial, apurou uma investigação da RTP, teve até há uma semana uma participação numa empresa imobiliária e terá passado a quota aos demais sócios já depois da polémica relacionada com o secretário de Estado Hernâni Dias.
Em causa está a empresa Quantun 98, Investimentos Imobiliários Lda, sociedade criada em 1998 e com sede em Vale de Cambra. Nas atividades, além daquelas ligadas à construção civil e projetos de engenharia e arquitetura, está a "compra para revenda de imóveis”.
Surgem assim dúvidas, uma vez mais, sobre um potencial conflito de interesses, uma vez que esta empresa pode beneficiar da Lei dos Solos, que está sob a tutela direta de Castro Almeida.O ministro comunicou a participação na empresa à Entidade para a Transparência, mas fez a transmissão da quota que detinha para os sócios no dia 13 de fevereiro, já após a saída de Hernâni Dias do Executivo de PSD e CDS-PP.
A Quantun 98 não foi a única participação do atual ministro neste setor. Manuel Castro Almeida chegou a ter uma outra sociedade ligada ao ramo imobiliário que foi dissolvida em 2016. Numa análise aos ex-sócios de Manuel Castro Almeida, na Quantun 98, um deles tem também participação numa construtora civil.
Na época em que o agora governante era presidente da Câmara de São João da Madeira, a empresa Construções Fernando Soares Ferreira teve adjudicação de oito ajustes diretos e ganhou um concurso público, contratos firmados entre 2009 e 2013 cujos documentos não estão anexados no portal das contratações públicas. Ou seja, Manuel Castro Almeida fez ajustes diretos à empresa de um sócio.A presidência do Conselho de Ministros não respondeu à RTP se considerava existir conflito de interesses.
O ministro com a pasta da Coesão Territorial confirma que teve “uma sociedade durante mais de 25 anos”, mas que sempre a declarou. Adianta ainda que decidiu vender a sua quota na sequência das polémicas em torno da Lei dos Solos.
Questionado sobre a posse e venda das quotas da sociedade, Castro Almeida acrescentou que “agora, neste Governo, declarei [essa empresa] à Entidade da Transparência. Tudo claro, nada escondido, tudo legal”.
“Há três ou quatro semanas, no mês de janeiro, decidi vender a minha quota porque se começou a gerar no espaço público a ideia de que ter uma empresa imobiliária era uma vantagem com a Lei dos Solos", justificou o governante que participou na definição dessa nova legislação.
“O que é um erro, porque a lei se aplica a qualquer cidadão”, sublinhou à RTP. Questionado sobre se beneficiaria de vantagens com uma lei que legislou, sublinhou: “Por minha iniciativa [resolvi] cortar o mal pela raiz”.
Confrontado com o facto de ter aceitado a demissão de Hernâni Dias, que constituiu duas empresas enquanto governante, e se não estava a ser incoerente por se tratar de um caso semelhante, defendeu que o ex-secretário de Estado admitiu ter cometido uma imprudência.
Sobre a lei, continua a dizer que é boa e fundamental.
c/ Lusa