"Não aumentamos os salários: só não continuamos a baixá-los"

por RTP
Rafael Marchante, Reuters

Em entrevista hoje publicada em Die Zeit, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Santos Silva, defende-se contra as suspeitas alemãs de despesismo. E manifesta-se a favor de uma nova edição do Governo alemão de bloco central.

Na entrevista, Augusto Santos Silva não deixa dúvidas sobre o que seria, do seu ponto de vista, a situação de Portugal, caso continuasse a seguir fielmente as receitas de Bruxelas e Berlim, como fazia o Governo Passos Coelho/Portas: "Estaríamos, nesse caso, claramente pior", porque política de austeridade - "contraproducente", como a classifica - iria empobrecer o país ("kaputtsparen", na versão alemã).Salários portugueses há dez anos sem subir
A uma pergunta sobre a receptividade que houve no Governo alemão para este argumento, o ministro responde que lhe foi necessário fazer algum trabalho de persuasão.

Recorda a esse respeito uma reunião em que participou da Comissão Europa no Parlamento Federal (Bundestag), e faz uma ressalva para a posição assumida nessa reunião pelos deputados verdes e social-democratas, mais receptivos ao argumento português. Já os parlamentares democratas-cristãos, recorda também, estavam "muito inquietos".

A inquietude dos correligionários de Merkel traduziu-se numa pergunta: "Porque é que vocês aumentam os salários, quando têm tantas dívidas?". Santos Silva cita a sua resposta: "Nós não aumentamos os salários: só não continuamos a baixá-los". Dito isto, retorquiu à pergunta com uma outra pergunta: "No nosso país os salários não sobem há dez anos. Vocês acham que a sociedade alemã aceitaria uma coisa assim?" E a resposta não se fez esperar: "Claro que não".

O ministro explica que o seu Governo "reverteu parcialmente" os cortes de rendas e pensões decididos pelo Governo anterior e que "a nossa economia beneficiou do correspondente aumento da procura". E não deixa de observar que as estimativas da Comissão Europeia, de 2,6 por cento para o crescimento da economia portuguesa neste ano, são mais optimistas que as relativas ao crescimento da economia alemã.

Santos Silva desfaz também o preconceito visível numa pergunta dos entrevistadores, que supunha estar Portugal a endividar-se novamente, devido à nova política do país. O ministro nega esse endividamento, lembrando que a recuperação da economia está a compensar largamente o acréscimo de despesa.
A relação pouco amistosa com Schäuble
Quanto às relações com o Governo alemão, Santos Silva afirma que, ao contrário do Auswärtiges Amt (o MNE alemão), o ministro das Finanças Wolfgang Schäuble "não era por vezes muitos amistoso, mas acho que, lá no fundo do seu coração, ficou aliviado por termos tido sucesso com a nossa estratégia".

À pergunta sobre se Schäuble lhe teria telefonado para o repreender,
Santos Silva responde: "Não, existem métodos mais subtis". E recorda que na discussão do ano passado em Bruxelas sobre eventuais sanções a decretar contra Portugal e Espanha por endividamento excessivo no passado, Schäuble se manifestou contra, dizendo que esse seria um sinal errado.

E acrescenta que tenta sempre colocar-se no papel dos seus interlocutores e compreende que estes, no caso dos políticos alemães, "têm de justificar-se perante os contribuintes alemães".
"Boas experiências" com a coligação CDU/SPD
Sobre a crise governamental alemã, Santos Silva manifesta a sua expectativa de que esta seja resolvida em breve. Afirma que não achou ilógico o SPD, depois do revés eleitoral de setembro, ter decidido passar à oposição; mas que agora, tendo falhado as conversações para a "Coligação Jamaica" (democratas-cristãos, verdes e liberais), lhe parece igualmente acertado reabrir uma perspectiva de "Grande Coligação" (democratas-cristãos e social-democratas).

Lembra que, apesar da tensão que existiu em alguns momentos com as concepções de Schäuble, "nós temos boas experiências com a última Grande Coligação". E sublinha: "Se se voltar a uma coligação entre SPD e União [CDU], isso não será certamente uma má notícia".

Sobre o afastamento dos liberais (FDP) de uma próxima solução governativa, Santos Silva não esconde uma apreciação positiva: "É sabido que o FDP tem tomado principalmentre nas questões de política monetária posições para as quais existe pouca simpatia em vários outros países europeus".

Já as mais recentes propostas de Martin Schulz, de avançar para uma estrutura de Estados Unidos da Europa, com uma Constituição comum, sem serem directamente comentadas pelo ministro português, se vêem de alguma forma confortadas nas suas palavras: "Na cimeira da UE na próxima semana devem colocar-se as bases para completar a união monetária e, há poucas semanas, comprometemo-nos a cooperar mais estreitamente na política de Defesa".

Quanto à política económica, afirma: "O mais importante é realizarmos progressos, porque a estagnação não é uma opção. De um ponto de vista económico a Europa pode entretanto estar novamente bem, mas a próxima crise de certeza virá aí. E nesse momento precisaremos de instrumentos para poder reagir". Santos Silva dá como exemplo a criação de um "seguro europeu de desemprego".
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