Novembro: Goodbye Passos, Hello Costa

Os últimos meses foram de absoluta novidade em Portugal. Perante um cenário em que a coligação de direita - a PàF formada por PSD e CDS-PP – foi a força política mais votada nas legislativas de 4 de outubro, seriam porém os partidos da esquerda do Parlamento a assegurar mandatos suficientes para constituir uma maioria absoluta. Esta nova geometria abria desde logo caminho a um cenário inédito na história da democracia portuguesa, bastando para a sua concretização que o PS aceitasse uma coligação com PCP e BE. O que veio a acontecer, baralhando as contas dos mais tradicionalistas.

As semanas que se seguiram a uma noite eleitoral sem derrotados rodaram à volta da questão da “legitimidade para governar”. Entrincheirados os soldados de um Parlamento bipolarizado, os argumentos esgrimiram-se ao ritmo de Cavaco Silva, um Presidente da República que tardava em dar sinais claros do que considerava ser uma solução governativa estável. Mas a certeza de que Cavaco é um formalista apontava desde logo para a certeza de que se preparava para dar posse a Passos Coelho enquanto líder da PàF, formação com mais votos nas legislativas.

No entanto, esse Governo apoiado por apenas 107 deputados em São Bento (a maioria é atingida com 116 parlamentares), estava desde o início destinado ao fracasso. O líder socialista ironizou: “É um governo sem futuro e com consciência disso”. A questão era formalizar um acordo de esquerda entre PS, BE, PCP e Verdes, porque a apresentação de uma moção de rejeição ao Programa de Governo era uma vontade assente nas quatro formações. O acordo à esquerda chegou a prever a apresentação de uma moção de rejeição conjunta, o que não veio a acontecer. A 10 de novembro, os socialistas submeteram o seu texto e este foi aprovado por toda a oposição, fazendo cair o Executivo Passos-Portas com grande estrondo apenas 15 dias após a tomada de posse: o XX Governo Constitucional foi o mais curto da história do país.

António Costa, líder socialista e líder de uma oposição unida como nunca, dissera que apenas avançaria para o chumbo do Governo se tivesse em mãos uma alternativa sólida. O sinal foi dado: o PS estava em condições de levar uma alternativa a Belém. Depois das acusações à esquerda de uma direita que se esgotava em si mesma e da inevitável demissão do Executivo, a bola passou para António Costa, que a chutou para Belém.


Tiago Contreiras, Lígia Veríssimo, António Antunes, Mário Piteira, Liliana Claro - RTP (20 de novembro)

Mas o Presidente Cavaco Silva não teve pressa e auscultou a banca, o governador do Banco de Portugal, partidos com assento parlamentar, antigos ministros das Finanças, parceiros sociais, patrões e sindicatos, personalidades da vida económica, para ouvir as apreciações a uma solução de esquerda. Só não pediu opinião ao Conselho de Estado.

Entretanto, já de Espanha se ouviam críticas às opções do Presidente. O editorial do jornal El País dizia que Cavaco Silva devia dar posse a um governo que será “legítimo”, apesar de trazer consigo uma série de riscos que poderão custar o “regresso ao descontrolo nas contas públicas“. El Mundo acusava-o de teimosia e de se ter esquecido do cargo para favorecer a continuação de Passos em São Bento.

Mas Cavaco Silva mereceu atenção generalizada por esses dias. Atenção que talvez desejasse não ter merecido. "O sr. Cavaco Silva está realmente a usar o cargo para impor uma agenda política reaccionária, no interesse dos credores e do establishment da zona euro e travestindo tudo isto com assinalával Chutzpah [nota do tradutor: descaramento] como defesa da democracia", assinalou Ambrose Evans-Pritchard num artigo do diário britânico The Telegraph, para notar que "os conservadores portugueses e os seus media comportam-se como se a esquerda não tivesse direito legítimo a assumir o poder, e devesse ser mantida ao largo por todos os meios. Estes reflexos são conhecidos - e arrepiantes - para qualquer pessoa familiarizada com a História ibérica do século XX, ou da América Latina".

Mais ácida, no diário conservador alemão Tagesspiegel, diz Elisa Simantke: "Uma coisa é certa: seja como for que a luta pelo poder agora desencadeada em Portugal venha a resolver-se, o presidente Aníbal Cavaco Silva só pode perder. Já hoje o septuagenário de 76 anos é o presidente da República menos estimado que Portugal alguma vez teve".

Feitas todas as reuniões, a 23 de novembro chamou ao Palácio de Belém António Costa. Mas não para o encarregar de apresentar um executivo, despediu-o antes com seis questões sobre:

  • aprovação de moções de confiança;
  • aprovação dos Orçamentos do Estado, em particular o Orçamento para 2016;
  • cumprimento das regras de disciplina orçamental aplicadas a todos os países da Zona Euro e subscritas pelo Estado Português, nomeadamente as que resultam do Pacto de Estabilidade e Crescimento, do Tratado Orçamental, do Mecanismo Europeu de Estabilidade e da participação de Portugal na União Económica e Monetária e na União Bancária;
  • respeito pelos compromissos internacionais de Portugal no âmbito das organizações de defesa colectiva;
  • papel do Conselho Permanente de Concertação Social, dada a relevância do seu contributo para a coesão social e o desenvolvimento do país;
  • estabilidade do sistema financeiro, dado o seu papel fulcral no financiamento da economia portuguesa.

Chegada a resposta do Rato em menos de 24 horas, Cavaco Silva decide-se, finalmente, a 24 de novembro: após nova reunião com Costa, indigita o secretário-geral do PS para formar o XXI Governo Constitucional – 51 dias depois das legislativas - abrindo um ciclo novo na vida política portuguesa com uma esquerda que consegue sentar-se à mesma mesa.

A tomada de posse aconteceu no Palácio da Ajuda a 26 de Novembro com recados de parte a parte. Cavaco lembrou que está em condições de atuar em prol do país, atendendo às obrigações políticas perante a Constituição. Por palavras que não chegou a pronunciar, Cavaco diz-se disposto a dissolver o Parlamento se não gostar do rumo governativo. Costa ripostaria: o Governo responde perante a Assembleia da República.

Sandra Sousa, José Luís Carvalho - RTP (27 de novembro)

O Programa socialista desceu ao hemiciclo e foi aprovado com os votos contra de PSD e CDS-PP e uma abstenção do PAN (Partido animais e Pessoas), este último só porque o novo Executivo socialista não se opunha suficientemente às touradas. Um editorial do Público resumira um mês antes que “a lição mais interessante destas eleições é que, pela primeira vez, ninguém quer ficar de fora de uma solução. Todos desejam que o seu voto tenha expressão e significado e isso é muito enriquecedor para a democracia”.