Odete Santos preocupada com liberdade na despedida do Comité Central

por RTP
Tiago Petinga, LUSA

“Quantos pobres são necessários para se produzir um rico?” – foi com a leitura de Almeida Garrett que Odete Santos, singular ex-parlamentar do grupo comunista, concluiu o discurso com que se despede do Comité Central do PCP. A antiga deputada comunista desceu do palco do XIX Congresso do PCP, que decorre em Almada até domingo, sob forte aplauso, depois de deixar um libelo contra a tirania do dinheiro e dos mercados financeiros. Em declarações à Agência Lusa, Domingos Abrantes, outro histórico que após cinco décadas abandona o CC, apontou a mira da reunião "no sentido de despertar o sentimento patriótico e de orgulho nacional para um sobressalto nacional que corra com o Governo".

O congresso de Almada será marcado pela renovação do Comité Central, órgão máximo do partido entre reuniões magnas, com a saída de três dezenas de nomes e entrada de outros 24. Entre os que saem destacam-se, naturalmente, Odete Santos e Domingos Abrantes, para passarem a integrar o CC nomes como os dos eurodeputados Inês Zuber e João Ferreira e o deputado João Oliveira.

No discurso de abertura, o secretário-geral Jerónimo de Sousa fez um ataque cerrado à governação do primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, para constatar “a derrota definitiva deste Governo e [deixar a exigência da] sua demissão”. Um rol de culpados do qual o líder comunista não exclui o PS, um elo do “ciclo vicioso do rotativismo da alternância sem alternativa”, para propugnar uma rutura com os credores internacionais (troika) que assinaram o memorando de assistência financeira e devolver aos portugueses as rédeas do “seu próprio destino”. Odete Santos:

"Em matéria de liberdades, o que avançou foi a liberdade de expressão do dinheiro e dos mercados financeiros".

Sobre a "crise na RTP pelo facto de alguém exterior" alegadamente solicitar imagens não publicadas, a ex-deputada acredita que "o ministro Relvas pode esclarecer o que se passou".

Odete Santos, 71 anos e deputada durante nove legislaturas, entre 1980 e 2007, seria condecorada com a Ordem do Infante D. Henrique em 1998 pelo então Presidente Jorge Sampaio. Destacou-se nas áreas laborais e dos direitos das mulheres, em particular no combate pela despenalização do aborto.


Todas estas ideias quis Odete Santos deixar traduzidas mediante as palavras do escritor Almeida Garrett: "E eu pergunto aos economistas, políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar à miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infâmia, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico?".

Apontando o dedo à "tirania dos mercados" e a "injustiças" como o que diz ter sido a detenção de manifestantes que numa operação policial "são privados de contactar com os seus advogados", Odete Santos exortou todos os que a ouviam no Pavilhão de Desportos de Almada a "resistir contra toda a espécie de injustiças que o Governo teima levar por diante [entre as quais a preparação de uma lei] sobre os murais políticos", que diz estar em preparação no gabinete do ministro da Administração Interna, Miguel Macedo.

"Para que os nossos muros não falem na vergonha da destruição de um país independente e soberano. Um país de Abril que já conheceu dias de progresso e bem-estar e que agora se vê empobrecido, rendido ao capitalismo mediante as políticas de uma santíssima trindade - a troika - com o beneplácito do merkelrizado Governo rendido às botas alemãs", verberou Odete Santos.
Renovação é “um bom princípio”Domingos Abrantes esteve preso onze anos durante a ditadura de Salazar e participou na fuga da prisão de Caxias de 1961 com outros sete presos comunistas.

Foi deputado à Assembleia da República de 1976 a 1991.

Deste congresso espera "um sobressalto nacional que corra com o Governo".

A ideia de que as pessoas não devem eternizar-se nos cargos foi defendida por Domingos Abrantes, histórico militante comunista que deixa o Comité Central ao fim de 49 anos: "Sinceramente acho que é um bom princípio que as pessoas não se eternizem e que tenham a consciência de que chegou o momento de interromper a sua atividade".

"Já tenho idade para poder descansar. Há jovens quadros muito importantes que podem fazer muito pelo partido. Eu também continuo a trabalhar como ainda hoje fiz mas a vida continua", acrescenta Domingos Abrantes, o operário de 76 anos que é membro do PCP desde 1954 e funcionário desde 1956, sendo um dos dirigentes mais conotados com a linha ortodoxa.
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