Oposição impaciente com Cavaco "de acordo com o Governo"

por Carlos Santos Neves, RTP
“O senhor Presidente da República escolheu mais uma vez estar de acordo com o Governo e não de acordo com a generalidade do país”, acusou Vieira da Silva Rafael Marchante, Reuters

Ao pôr de parte uma antecipação das eleições legislativas previstas para o outono de 2015, na ausência de uma alteração legislativa ou de uma “grave crise política”, Cavaco Silva mostrou “mais uma vez estar de acordo com o Governo” – é esta a resposta do PS à posição assumida pelo Presidente da República em entrevista ao Expresso. Na avaliação de Vieira da Silva, o teor das declarações publicadas na última edição do semanário evidenciam um Chefe de Estado a preterir a “generalidade do país”.

“Se a Assembleia da República não mudar a lei eleitoral que aprovou em 1999, se não ocorrer uma grave crise política que ponha em causa a governabilidade, então as próximas eleições legislativas terão lugar em 2015, entre 14 de setembro e 14 de outubro. Ponto final”, vinca Aníbal Cavaco Silva nas páginas do Expresso.

Em declarações à agência Lusa, Vieira da Silva, antigo ministro e agora vice de Ferro Rodrigues na bancada parlamentar socialista, reage a evocar a história recente, notando que, no pensamento do Presidente da República, nem sempre prevaleceu a ideia de que “não há razões para usar uma arma tão poderosa como a dissolução” da Assembleia da República.
“Seria de toda a conveniência que não se estivesse em pleno processo eleitoral na altura exata em que se vai estar a debater o Orçamento do Estado para 2016”, insistiu Vieira da Silva, recuperando assim uma posição já ensaiada por António Costa.

“Ainda há um ano, no verão de 2013, admitia uma antecipação do processo eleitoral para contribuir para um processo político mais claro e de acordo com as necessidades do país”, recordou o antigo governante socialista, para quem fica patente uma colagem de Belém ao Executivo de coligação. Porque “a maioria das forças políticas e sociais tem-se manifestado” no sentido de uma antecipação do calendário das legislativas, “com exceção, obviamente, do Governo”.

“E o senhor Presidente da República escolheu mais uma vez estar de acordo com o Governo e não de acordo com a generalidade do país, é uma opção”, lamentou o dirigente socialista.

Além de advertir para a coincidência entre o calendário previsto para as legislativas e a “altura exata em que se devia estar a debater o Orçamento do Estado para 2016”, Vieira da Silva aponta uma “proximidade excessiva” entre os atos eleitorais para a definição do Parlamento e para a escolha do sucessor do próprio Cavaco Silva.
“Instrumentos adequados”
Vieira da Silva afasta, todavia, a possibilidade de o PS de António Costa avançar com uma proposta de alteração legislativa tendo em vista mexidas no calendário eleitoral: “Não é boa prática haver alterações legislativas com incidência em processos eleitorais com uma proximidade tão grande como aquela que já existiria”.
Do PCP saiu entretanto uma condenação em toda a linha das palavras de Cavaco Silva. Rui Fernandes, da Comissão Política dos comunistas, considerou que “o conceito de estabilidade” do atual Presidente da República equivale à “continuação das políticas que favorecem os grandes interesses e a destruição do país”.

Pelo BE, José Manuel Pureza considerou que a entrevista deixa patente que Cavaco Silva "é o verdadeiro vice-primeiro-ministro".

“O país tem instrumentos adequados nas mãos do Presidente da República para aquilo que seria uma alteração de calendário que seria compatível com o regime constitucional e com as leis da República”.

Na entrevista ao Expresso, Cavaco Silva mostra-se surpreendido por “políticos e articulistas” desenharem já um cenário de dissolução da Assembleia da República. Essa via, sustenta o Chefe de Estado, “seria contra a Constituição”: “O instituto da dissolução só pode ser utilizado em caso de crise política muito grave”.

Sempre a carregar na tecla dos compromissos políticos, Cavaco sinaliza, por outro lado, que “o próximo governo, seja qual for a sua composição, não pode deixar de ter o apoio maioritário da Assembleia mas, além disso, tem de assegurar uma solução governativa coerente e consistente”.
O Presidente acaba também por minimizar o argumento socialista relativo à preparação do Orçamento do Estado, ao dizer que o país “continua com um Orçamento em vigor - o do ano anterior por duodécimos – e, se calhar, até é positivo para um governo que surja das novas eleições se acalmar e ainda se manter durante algum tempo com as limitações de despesa que venham do passado”.

Os partidos da oposição têm vindo a reivindicar a antecipação das próximas eleições legislativas, uma possibilidade repetidamente rejeitada quer pelo primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, quer pelo número dois da coligação, Paulo Portas.
Tópicos
pub