Racismo. Ministra da Justiça condena "negacionismo" e "desvalorização"

por RTP
“O negacionismo, a persistência na desvalorização do fenómeno, conduz ao desastre e à radicalização de posições” Nuno Fox - Lusa (arquivo)

A ministra da Justiça advertiu esta terça-feira, na apresentação de um relatório sobre racismo com o carimbo do Parlamento, que “a maior expressão de preconceito racial consiste, precisamente, na negação deste preconceito”. Francisca Van Dunem estimou ainda que a melhoria dos níveis de escolarização do país não mitigou “o discurso do ódio”.

“Apregoar a inexistência de fenómenos racistas na sociedade portuguesa tornou-se quase um lugar-comum”, constatou a titular da pasta da Justiça, para acrescentar que “o negacionismo, a persistência na desvalorização do fenómeno, conduz ao desastre e à radicalização de posições”.

“Falando na primeira pessoa”, Francisca Van Dunem propugnou que a imagem de uma sociedade sem “fenómenos racistas” cai por terra quando se vê, ouve, lê e sente. E não se verificou também a tese de que “a escola, o conhecimento e a cultura se encarregariam de resolver a questão”.
O aumento da escolarização, apontou Van Dunem, não levou a uma redução do “discurso do ódio”, ou da “reação perante a diferença racial e étnica”.

A escola, continuou a ministra, “poderá tornar as reações mais subtis, menos primárias ou grosseiras, mas não tem a faculdade de as eliminar”. “Pelo contrário, parece ter-se refundado, em pleno século XXI, um discurso de ódio ao diferente, com óbvio recrudescimento das sociedades xenófobas e racistas”, reforçou.

“Inúmeras pessoas afirmarão, sem hesitar, que o racismo é estúpido. No entanto, algumas dessas pessoas provavelmente não admitirão, nem sequer perante si próprias, que a diferença os incomoda ou mesmo que lhes causa aversão e lhes determina reações hostis”.

Ainda segundo a ministra da Justiça, o país só terá verdadeira inclusão “se os que aparentemente não são iguais frequentarem as mesmas creches, o mesmo ensino pré-escolar, forem vizinhos ou colegas de trabalho, tiverem os mesmos estímulos”.

No discurso da sessão de encerramento da conferência realizada no Parlamento, Francisca Van Dunem incluiu na “população racial ou etnicamente diferenciada” os mais pobres, com menores remunerações profissionais, os alunos com maior insucesso escolar, as populações com maiores taxas de encarceramento e “os que residem na periferia da periferia, juntando-se em bairros que tendem a transformar-se em guetos, não só económico-sociais, mas também culturais”.

Catarina Marques Rodrigues, Marques de Almeida, José Rui Rodrigues - RTP

“A estrada que importa percorrer é imensa e, não raras vezes, o caminho parece infinito”, reconheceu a governante, que não deixou de aplaudir a elaboração do relatório da subcomissão parlamentar para a Igualdade e Não Discriminação, enquanto esboço de resposta à ausência de “informação ampla e abrangente”: “Perguntas tão simples como saber quantos são os membros desta comunidade, que idade têm, quantos nasceram em Portugal, há quantos anos aqui residem”.
Justiça, “uma das áreas mais sensíveis”
No relatório sobre Racismo, Xenofobia e Discriminação Étnico-racial em Portugal, surgem recomendações como uma maior representatividade nas estruturas partidárias, a realização de campanhas de recrutamento para forças de segurança nas comunidades ciganas e de afrodescententes e o fim de turmas limitadas a minorias étnicas.

Elaborado ao longo de cinco meses, o trabalho da subcomissão parlamentar para a Igualdade e Não Discriminação cobre os domínios da participação política, justiça e segurança, educação, habitação, trabalho e emprego e saúde.O relatório recomenda que o combate ao racismo saia da esfera de competências do Alto-Comissariado para as Migrações e a recolha de dados estatísticos sobre origem e discriminação étnico-racial por parte do INE.

A área tutelada pela ministra da Justiça é precisamente descrita como “uma das mais sensíveis”, apontando-se a “desconfiança das camadas mais jovens da população dos bairros” face “às forças de segurança”. Além de “uma indiferença” destas “relativamente à necessidade de gerar confiança entre as camadas mais jovens” das comunidades.

Quanto à educação, o relatório propõe o combate à segregação de crianças ciganas e afrodescendentes, “garantindo o fim de escolas ou turmas exclusivamente com crianças de minorias étnico-raciais”. Recomenda ainda a realização de um estudo sobre a integração no ensino universitário.

A habitação é citada como “um dos principais fatores de desigualdade das comunidades afrodescendentes e comunidades ciganas”. E apela-se a “todos os esforços” tendo em vista “acabar com as situações habitacionais indignas em Portugal até 2024”.

No capítulo laboral, há quatro recomendações: regulamentar o estatuto do mediador sociocultural, promover formação sobre racismo para os inspetores da Autoridade para as Condições no Trabalho, implementar projetos de emprego apoiado para as comunidades ciganas e instituir mecanismos de combate à exclusão processos de seleção de emprego.

O relatório recomenda, no domínio da saúde, um reforço de orientações técnicas e meios de informação e formação sobre os direitos dos utentes: imigrantes em geral e indocumentados.

Quanto à representatividade político-partidária, sugere-se que as forças políticas integrem membros de minorais étnicas nas listas eleitorais.

c/ Lusa
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