Relvas acusa jornalista do Público de "jornalismo interpretativo"

por António Granado, RTP

Na carta de cinco páginas que ontem enviou à Entidade Reguladora da Comunicação (ERC), o ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas, acusa a jornalista Maria José Oliveira do Público de escrever as suas notícias "num estilo de “jornalismo interpretativo” que tantas vezes tem sido alvo de reparos por parte do Provedor do Leitor do Público". Apontando o que considera ser vários erros e omissões nos artigos sobre o caso das secretas, Relvas diz que "a técnica é conhecida: construir um quadro narrativo inicial e tudo fazer depois para que a realidade se adapte a esse quadro."

O documento, a que a RTP teve acesso, critica vários textos escritos por Maria José Oliveira e aponta um "erro grave cometido pela mesma jornalista do Público ao redigir, na passada terça-feira, a notícia sobre a audição parlamentar ao Ministro Miguel Relvas, que se prontificou a prestar à Comissão de Assuntos Constitucionais da Assembleia da República".

Segundo a carta de Relvas, o título escolhido pelo jornal - "Relvas admite relatórios e propostas de nomes para as secretas" - "não correspondia à verdade: o ministro afirmou na referida comissão, pelo contrário, que nunca havia recebido qualquer relatório proveniente dos serviços de informações". Por esse motivo, diz a carta, os responsáveis do Público acabaram por alterar o título para "Relvas admite ter recebido propostas de nomes para as secretas": "A rectificação foi rápida, reconheça-se, mas o mal estava feito. Comprovando isso, é ainda possível ver esse incorrecto título inicial repercutido na Internet dado o efeito de colagem sempre associado à informação que circula em rede nos nossos dias."

As acusações contra a jornalista do Público voltam em vários momentos do texto de Relvas: "Uma notícia assinada pela mesma jornalista, sob o título 'Passos diz que Relvas ‘negou' ter ligações a Silva Carvalho', garantia no lead que "isso contradiz a acusação do Ministério Público'. As alterações subsequentes, impostas pela necessidade de conferir rigor ao texto pelos responsáveis editoriais do Público, especificavam que o primeiro-ministro desconhecia a existência de 'estreitas relações políticas' entre as personalidades visadas e deixavam cair a alegada contradição com o despacho acusatório do Ministério Público."

Para o ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, "o Público tem vindo a publicar, sempre com a assinatura da mesma jornalista, várias peças noticiosas tendentes a construir uma narrativa que os factos não confirmam em pormenores decisivos." Na carta à Entidade Reguladora da Comunicação, Miguel Relvas diz que os textos de Maria José Oliveira contêm  várias omissões e cita ainda várias frases da jornalista que considera "jornalismo interpretativo". Exemplos: "Relvas não disse até quando recebeu aquelas informações"; "não especificou se foi nessa altura que se encontraram"; "não respondendo por que motivo não pediu a Jorge Silva Carvalho para lhe deixar de lhe enviar emails e sms"; "cerca de uma hora depois recordou-se"; "informou, face à insistência do PCP e do BE"; "mais tarde, porém, afirmou"; "durante a audição, não faltaram referências elogiosas a Silva Carvalho. Relvas foi o primeiro a fazê-lo".
E-mails trocados entre o assessor de Relvas e a jornalista
O documento enviado por Relvas à ERC inclui ainda os e-mails trocados entre Maria José Oliveira e António Valle, assessor do ministro, a quem a jornalista fez, primeiro, uma pergunta, e mais tarde três outras perguntas sobre as declarações do ministro na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, na passada terça-feira. Os documentos não mostram qualquer resposta ao primeiro mail de Maria José Oliveira que, segundo a carta de Relvas, dava um prazo de apenas 32 minutos para ser respondido: "Era concedido ao ministro um prazo não superior a 32 minutos para atender a solicitação da jornalista. Prazo que, por motivos facilmente compreensíveis, não foi possível cumprir."

Contactada pela RTP, a jornalista Maria José Oliveira garantiu que o assessor António Valle respondeu a esse primeiro e-mail, pelas 16h01, com a frase "Todos os esclarecimentos sobre este assunto foram oportunamente prestados em sede própria, ou seja, na 1ª Comissão Parlamentar. O Ministro-adjunto reafirma que só conheceu o Dr. Jorge Silva Carvalho quando era Secretário-Geral do PSD". Disse Maria José Oliveira è RTP: "Esperei, como é óbvio, pela resposta do assessor, que foi enviada às 16h01, e escrevi então o artigo que estava a preparar. Foi precisamente esse artigo que não foi publicado".

No documento que distribuiu à comunicação social, na sequência de um outro comunicado assinado pelos membros eleitos do Conselho de Redação, a direção do Público justifica a sua decisão: "A única informação nova em relação aos factos já conhecidos era que o ministro não aceitou responder. Por isso, a direcção entendeu que não havia matéria publicável. Essa foi também a avaliação de três editores, do online e do papel, sem terem comunicado entre si, antes de o ministro Miguel Relvas ter telefonado à editora de política."

No segundo mail enviado por Maria José Oliveira ao assessor António Valle, pelas 17h15, a jornalista fazia três perguntas distintas: "1. Afirmou na 1ª comissão que apagou os emails diários com um "clipping" de imprensa que lhe eram enviados por Jorge Silva Carvalho. No entanto, algum tempo depois, disse lembrar-se da primeira mensagem: "Lembro-me que a primeira era: "George Bush visita o México. Fonte: Reuters‟". Pode esclarecer se apagou ou não os emails?; 2. Disse ter conhecido Jorge Silva Carvalho quando era secretário-geral do PSD (entre Março de 2010 e Junho de 2011). A última notícia da Reuters sobre uma viagem de Bush ao México data de 2007 e desde então a agência noticiosa não tem mais "takes" sobre qualquer viagem do antigo presidente dos EUA ao México. Com explica o hiato e desde quando começou a receber o "clipping"?; 3. Disse receber mais de dois mil sms por mês. Mas recordou ter recebido dois de Jorge Silva Carvalho com propostas de nomeações para os serviços de informação. Por que é que o ex-director do SIED lhe enviou sms com aquele conteúdo e em que data?"

A este mail, António Valle respondeu às 17h16, com as mesmas duas frases: "Todos os esclarecimentos sobre este assunto foram oportunamente prestados em sede própria, ou seja, na 1ª Comissão Parlamentar. O Ministro-adjunto reafirma que só conheceu o Dr. Jorge Silva Carvalho quando era Secretário-Geral do PSD." Segundo Maria José Oliveira, também o segundo texto, preparado depois da resposta de António Valle, não foi publicado. Na justificação que colocou no jornal na sexta-feira e depois publicou online, a direcção editorial do Público, já tinha explicado a decisão de não publicação: "Estes factos tinham sido já noticiados na edição impressa do jornal. A informação nova em relação aos factos já conhecidos era apenas uma: o ministro não aceitou responder."
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