Santos Silva admite repetição da solução de Governo e afasta entendimento com PSD

por Lusa
Rafael Marchante - Reuters

O dirigente socialista Augusto Santos Silva defende que a atual solução de Governo tem condições para ser repetida na próxima legislatura e considera "muito difícil" um entendimento com o PSD de Rui Rio em matéria orçamental.

Estas posições assumidas pelo também ministro dos Negócios Estrangeiros em entrevista à agência Lusa, na véspera do início do 22.º Congresso Nacional do PS na Batalha, distrito de Leiria.

Interrogado sobre a hipótese de o PS renovar na próxima legislatura um acordo parlamentar com o Bloco de Esquerda, PCP e PEV para a formação de um Governo, Augusto Santos Silva começa por advertir que pode falar "à vontade" sobre este assunto, porque foi das pessoas que publicamente expressaram "dúvidas [em novembro de 2015] sobre a capacidade de a esquerda portuguesa se entender numa solução de Governo alternativa" ao PSD/CDS-PP.

"A partir do momento em que as minhas dúvidas foram desmentidas, só posso dizer que o PS tinha a obrigação de constituir Governo nessa base e, olhando para os resultados deste executivo, também só posso dizer que são amplamente positivos, quer para o país, quer para os partidos da maioria parlamentar. Salvo qualquer mudança que não antecipo, esta solução tem todas as condições para ser renovada - renovada no sentido de ser repetida", sustenta o dirigente socialista.

Augusto Santos Silva demarca-se do eurodeputado socialista Francisco Assis quando este carateriza como mero "expediente" a atual solução de Governo.

"Essa palavra [expediente] corre o risco de desvalorizar uma solução política engenhosa e que foi a que permitiu garantir estabilidade política ao país, assim como garantir a alternativa política e salvar o PS da derrocada que o partido teria se aceitasse ser bengala da direita no Governo", advoga.

Recorrendo à conjuntura política que se verificava em novembro de 2015, Augusto Santos Silva considera que, nessa altura, "como a direita não tinha maioria absoluta, só formaria Governo se o PS fosse cúmplice dela no Governo". "Teria sido um erro político crasso se o PS não tivesse negociado o apoio dos partidos à sua esquerda para um Governo e programa de Governo que foi e é tipicamente de centro-esquerda e europeísta".

Questionado se é possível um novo acordo de Governo com o Bloco de Esquerda e PCP em torno de um programa semelhante, o membro do executivo responde aqui sem hesitações que "não, seguramente".

"Nem com os mesmos compromissos, porque esses estão esgotados, mas há ainda muita coisa a fazer em Portugal", assinala.

Augusto Santos Silva também não partilha a ideia de Francisco Assis de que o primeiro-ministro, António Costa, conseguiu anestesiar o PCP e o Bloco de Esquerda nestes dois anos e meio de executivo minoritário socialista.

"Não estou de acordo com esse verbo, até porque basta olhar para a realidade para perceber que, se há coisa que carateriza os parceiros parlamentares do atual Governo, não é a anestesia mas a vivacidade com que exprimem as suas diferenças, com que criticam o Governo e com que fazem propostas, algumas das quais o PS não pode acompanhar", contrapõe.
"Muito difícil um entendimento com o PSD"
Já sobre as recentes mudanças registadas na direção dos sociais-democratas, com Rui Rio a suceder a Pedro Passos Coelho na presidência, Augusto Santos Silva entende que "o PSD finalmente percebeu que não ia lá com as mesmas caras e ideias que tinha posto em palco entre 2011 e 2015".

Apesar de identificar no PSD uma maior proximidade em matérias de política externa, o ministro dos Negócios Estrangeiros afasta acordos globais com os sociais-democratas nas esferas económico-financeira e social.

"É muito difícil um entendimento com o PSD em matéria orçamental, porque o dr. Rui Rio pede neste momento quatro coisas ao mesmo tempo: Atualização salarial acima da inflação, mais contratação de funcionários, défice mais baixo e carga fiscal mais reduzida. Estas quatro coisas ao mesmo tempo significam mais dívida, mais défice e interrupção da trajetória de consolidação orçamental", argumenta

Confrontado com o facto de Rui Rio ser conhecido como um político de contas rigorosas, o dirigente socialista do Porto reage: "Essa coisa da fama não chega para basear políticas".

"Ao contrário do que se sugere, as diferenças em matérias de políticas económicas e social entre o PS e a direita são profundas", defende.

No que diz respeito à política externa e Europa, o membro do Governo reconhece que "é natural que as diferenças entre o PS, PCP e Bloco de Esquerda sejam bastantes - aliás, entre o Bloco e o PCP também são bastantes - e, por isso, afastaram-se estas áreas das posições conjuntas" para a formação do atual executivo.

"Toda a arte (em sentido positivo) desta arquitetura parlamentar resulta deste ovo de Colombo (neste caso ovo de António Costa) que foi identificar as matérias de entendimentos entre as forças políticas de esquerda. Os partidos à nossa esquerda sabem que a alternativa seria um Governo do PSD e CDS-PP completamente instável, porque sem maioria", alega.

Questionado como encara os sucessivos alertas do Bloco de Esquerda e PCP contra os perigos de uma maioria absoluta do PS, Santos Silva desdramatiza e identifica até uma "enorme naturalidade" nessa linha de argumentação política.

"Ficaria surpreendido era se o PCP e o Bloco de Esquerda não terçassem armas contra a possibilidade de uma maioria absoluta [do PS]. Uma maioria absoluta não significa poder absoluto e, por outro lado, qualquer que seja a dimensão da vitória do PS, em 2019, o partido já disse que a atual fórmula de governação pode ser repetida", sublinha.

Augusto Santos Silva sintetiza depois os objetivos eleitorais do PS, dizendo que passam pela obtenção de triunfos nas regionais da Madeira, nas europeias e nas legislativas, "conseguindo em cada uma delas o melhor resultado possível".

"Qual será a dimensão desse resultado? O povo é quem decide", acrescenta.
Desfiliação de Sócrates

Sobre a decisão do antigo primeiro-ministro José Sócrates se desfiliar do PS, o dirigente socialista Augusto Santos Silva afirma que era uma das possibilidades lógicas no plano político, razão pela qual não ficou surpreendido.

Em entrevista à agência Lusa, Augusto Santos Silva também rejeita, em absoluto, o desafio para fazer uma "autocrítica" política e ético-moral por ter integrado os dois executivos liderados por José Sócrates, primeiro como ministro dos Assuntos Parlamentares (2005/20009), depois como ministro da Defesa (2009/2011).

O atual ministro dos Negócios Estrangeiros começa por observar que tem "muito medo" da expressão autocrítica.

"Nunca fui estalinista e, portanto, tenho sempre medo de todas as práticas que remetem para o universo totalitário do estalinismo, sendo na versão União Soviética, sendo na versão China Popular. Há muitos que o foram, que deixaram de ser estalinistas na razão, mas que continuam um pouco estalinistas no coração. Esse nunca foi o meu mundo", reage o dirigente socialista e professor universitário do Porto.

Do ponto de vista ético-moral, Augusto Santos Silva afirma que segue "normas de conduta que são públicas e claras e óbvias para todos".

"Não tenho a pretensão de entender que as minhas normas de conduta sejam inerentemente superiores às outras. No que diz respeito às consequências de factos que venham a ser conhecidos e provados, esperemos então que os factos sejam provados para analisar as respetivas consequências", vincou, numa primeira alusão ao que tem sido divulgado publicamente no âmbito do processo judicial "Operação Marquês".

Interrogado como recebeu a decisão de José Sócrates de se desfilar do PS, Augusto Santos Silva entende que, "do ponto de vista político, poderia ser uma das consequências lógicas possíveis neste caso".

"Portanto, não me surpreendeu", completou.

Questionado se ficou pessoalmente triste com a saída de José Sócrates do PS, que liderou entre 2004 e 2001, Augusto Santos Silva fosse ao plano dos sentimentos e opta por repetir: "Era uma possibilidade lógica entre outras".

Já perante a pergunta se declarações proferidas por dirigentes socialistas como Carlos César e João Galamba contribuíram para a saída de José Sócrates do PS, ambos fazendo-lhe um julgamento antecipado na praça pública, tal como se queixou o próprio antigo primeiro-ministro, Augusto Santos Silva nega validade a esse tipo de motivos.

"Não. Quando o antigo secretário-geral [José Sócrates] foi detido, eu próprio e o líder atual [António Costa] dissemos publicamente que não havia nenhuma razão para o PS mudar a sua norma de conduta, segundo a qual a justiça trataria dos casos penais e a política trataria das questões políticas. Essa tem sido a nossa norma de conduta", advoga.

Augusto Santos Silva recusa-se também, para já, a pronunciar-se sobre factos que são conhecidos relativos à investigação de que foi alvo José Sócrates.

"Certamente haveremos de nos exprimir sobre processos e decisões judiciais, porque esse é um direito de qualquer cidadão - e o que a justiça faz também pode ser objeto de avaliação" diz.

Pela sua parte, porém, reserva esse juízo "para a altura em que os factos sejam conhecidos, as provas apresentadas e as contraprovas apresentadas pela defesa sejam também conhecidas".

"No nevoeiro da informação e contrainformação, fugas de um lado e fugas do outro, nesse nevoeiro eu não me meto, até porque me parece ser mais vespeiro do que nevoeiro", justifica.

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