Tancos. Belém demarca-se de "encobrimento" e aponta "nebulosa"

por RTP
“Não há nenhum dado novo”, afiançava na sexta-feira o Presidente da República, após um debate com estudantes na Madeira Homem de Gouveia - Lusa

O Sexta às 9 apurou que houve contactos, antes e após a recuperação das armas dos Paióis Nacionais de Tancos, entre o então diretor da Polícia Judiciária Militar, tenente Luís Vieira, e o ex-chefe da Casa Militar da Presidência da República, general João Cordeiro. Marcelo Rebelo de Sousa nega que Belém tenha recebido informações sobre qualquer “encobrimento” da presumível encenação. E alerta para os riscos da especulação.

A Presidência da República, apurou a investigação do programa da RTP Sexta às 9, terá sido informada sobre a investigação da Polícia Judiciária Militar ao furto do material de guerra de Tancos.

Sandra Felgueiras, João Martins, Carlos Pinota, Samuel Freire, Carlos Felgueiras - RTP

Todavia, não há qualquer indicação de que tenha sido abordado o alegado encobrimento da encenação da recuperação de armas em tais contactos, que tiveram como protagonistas o ex-chefe da Casa Militar da Presidência e o ex-diretor da Polícia Judiciária Militar e ocorreram antes e depois dos acontecimentos na Chamusca, a 18 de outubro de 2017 – cerca de quatro meses após a notícia do furto.

Questionado pelos jornalistas sobre estes dados, ao final da manhã de sexta-feira, na Madeira, o Presidente da República reafirmou que nada soube sobre qualquer “encobrimento”, sustentando também que “não há nenhum dado novo”. Marcelo Rebelo de Sousa considerou mesmo que “o país corre o risco de estar a criar uma nebulosa que tem como efeito nunca apanhar os responsáveis”.

Esse seria, segundo Marcelo, “um dos efeitos de querer disparar em várias direções”, partindo de “especulação política”.

Alexandra André, Filipe Gonçalves, Liliana Claro - RTP

“Como a mim o que interessa é prender os responsáveis, até parece que é de propósito que de cada vez que se deve deixar espaço para a investigação, para que ela se aprofunde, surgir uma nebulosa que tem como efeito objetivo juntar as mais diversas pistas que obviamente não facilitam a investigação”, vincou o Chefe de Estado.

Marcelo Rebelo de Sousa recordou ainda que o anterior chefe da Casa Militar da Presidência, general João Cordeiro, esclareceu há cerca de duas semanas não ter sabido "o que quer que fosse" sobre o memorando do ex-porta-voz da Polícia Judiciária Militar, major Vasco Brazão. "Segundo, não houve da parte militar da Presidência da República nunca conhecimento daquilo que surgiu como sendo encobrimento e agora já não é encobrimento”.O furto das armas foi revelado a 29 de junho de 2017 e a recuperação de material na Chamusca, a 20 quilómetros de Tancos, foi divulgada pela PJM a 18 de outubro de 2017.


“Se hoje soubesse quem furtou, não exigia o esclarecimento. Se hoje soubesse o destino das armas, não exigia esclarecimento”, frisou Marcelo, para acrescentar que, se insiste no tema, é “porque não sabe”.

“Podem insistir uma, duas, dez, 20 vezes: se há quem, dia após dia, contra tudo e todos, tem insistido para se apurasse a verdade, foi o Presidente da República”, acentuou.

“Do ponto de vista do sentido de Estado e da falta de noção, são coisas do outro mundo achar-se que quem efetivamente andou a insistir permanentemente em relação ao apuramento da verdade, agora aparece como tendo sabido a verdade do momento do furto das armas. É um mundo de pernas para o ar e por aí nunca se apurará nada”, rematou.

Em declarações posteriores ao Público, em destaque na edição deste sábado do jornal, o Presidente da República foi mais longe: “Se pensam que me calam, não me calam”.

“Estranho que quem me queira atribuir o que quer que seja o tenha feito sem me ouvir previamente. É o mínimo para qualquer cidadão. Nunca falei com o diretor da Polícia Judiciária Militar”, disse o Chefe de Estado ao diário.
Administração Interna

Por sua vez, o ministro da Administração Interna, questionado sobre o caso pelo PSD, afiançou também na sexta-feira não ter tido “conhecimento nem qualquer informação relativa à recuperação das armas” de Tancos.

Em pergunta dirigida ao ministro, entregue na Assembleia da República, o líder parlamentar do PSD, Fernando Negrão, e o deputado Carlos Peixoto pretendiam apurar se Eduardo Cabrita tivera conhecimento do caso de Tancos, perante as notícias do envolvimento de três elementos da GNR no alegado encobrimento da recuperação do material de guerra.

O governante lembra que “não exercia as funções de ministro da Administração Interna à data da recuperação do material furtado”.

Eduardo Cabrita lembra ainda que, a 8 de outubro, uma semana depois de ser tornada pública a Operação Húbris, determinou a abertura, por parte da Inspeção-Geral da Administração Interna, de “processos de inquérito para apuramento de responsabilidades disciplinares relativamente a dois sargentos e dois guardas da GNR”.

Eduardo Cabrita é já o segundo ministro a ser questionado nestes termos pelos social-democratas, depois de, na passada quarta-feira, ter sido feita a mesma pergunta à ministra da Justiça, Francisca Van Dunem.
Operação Húbris
A investigação sobre o aparecimento do material furtado dos Paióis Nacionais de Tancos, estrutura entretanto desativada, conduziu às detenções de nove pessoas – oito militares da PJM e da GNR e um civil.

A 25 de setembro, a Polícia Judiciária deteve o diretor e outros três responsáveis da PJM, um civil e três operacionais do Núcleo de Investigação Criminal da GNR de Loulé.

Em causa, de acordo com o Ministério Público, estão “factos suscetíveis de integrarem crimes de associação criminosa, denegação de justiça, prevaricação, falsificação de documentos, tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário, abuso de poder, recetação, detenção de arma proibida e tráfico de armas”.

O processo resultou na demissão do anterior ministro da Defesa, Azeredo Lopes, a 12 de outubro, invocando a necessidade de evitar que as Forças Armadas fossem prejudicadas por um “ataque político”.

O chefe do Estado-Maior do Exército, general Rovisco Duarte, saiu também de cena, dois dias depois da tomada de posse do sucessor de Azeredo Lopes, João Gomes Cravinho.

c/ Lusa
pub