Veto à mudança de género: Esquerda e direita divididas na reação

por RTP
Rafael Marchante - Reuters

Os partidos com assento parlamentar já reagiram à decisão de Marcelo Rebelo de Sousa de vetar o decreto-lei que estabelece o direito à autodeterminação do género no registo civil a partir dos 16 anos de idade. O PS afirma que vai acomodar os reparos feitos pelo Presidente e o PCP diz que está disponível para encontrar soluções quanto à legislação. Para o Bloco de Esquerda não faz sentido a sugestão de relatório médico para mudar de género no registo e o PAN defende que o Parlamento tem de garantir a autodeterminação das pessoas trans. O PSD garante que apoiará a lei que introduza o relatório médico. Já o CDS-PP saúda a decisão do Chefe de Estado e considera óbvia a necessidade de um relatório médico. O partido ecológico “Os Verdes” quer manter o diploma tal como está.

O diploma vetado estabelece o direito à autodeterminação da identidade da expressão de género e foi aprovado no Parlamento a 13 de abril com os votos do PS, BE, PEV e PAN e da deputada social-democrata Teresa Leal Coelho. O Partido Comunista absteve-se, o PSD e o CDS-PP votaram contra.

Carlos César, líder da bancada parlamentar socialista, desdramatizou as consequências da decisão presidencial, frisando que as mudanças ao diploma “são perfeitamente acomodáveis” pela Assembleia da República.

“O veto do senhor Presidente da República, na sua melhor leitura, significa a concordância em relação à iniciativa e ao seu conteúdo em geral. Dispõe apernas, no que toca à decisão que é tomada entre os 16 e os 18 anos, de associá-la à existência de um relatório médico, que nem sequer é um relatório de diagnóstico”, acrescentou.

Para Carlos César, aquilo que o Presidente da República coloca ao Parlamento “é perfeitamente acomodável numa alteração que se possa fazer proximamente”.
PCP disponível para soluções
Rita Rato, deputada do PCP, afirmou que o seu partido está “disponível” para “encontrar soluções” quanto à legislação vetada.

“O Presidente da República decidiu usar um poder seu e vetar a proposta de lei de autodeterminação do género. Agora, caberá ao Parlamento discutir os fundamentos e encontrar soluções. O PCP, obviamente, estará disponível para esse trabalho”, frisou.

Segundo Rita Rato, “o PCP acompanhou um princípio geral que entendemos que é profundamente positivo, de despatologização destas matérias. A isso está obrigatoriamente associado o afastamento do relatório clínico quando se trata de uma matéria do registo civil. Tudo o que é um processo clínico terá, necessariamente, de ter um acompanhamento médico. Uma alteração no registo civil não tem de ter um relatório médico. É a separação das duas esferas".
Relatório médico não faz sentido
O Bloco de Esquerda manifestou a intenção de encontrar “a melhor solução” para ultrapassar o veto de Marcelo Rebelo de Sousa e reitera a sua oposição ao relatório médico.

A deputada bloquista, Sandra Cunha, salienta que "o veto não é à lei e autodeterminação de género e centra-se efetivamente naquilo que é um critério específico, que é o acesso das pessoas entre os 16 e os 18 anos à lei".

"O Bloco considera que introduzir um relatório médico nessa fase, para um ato meramente civil, é não compreender aquilo que a lei pretende e não compreender que é um ato meramente civil, que não envolve cirurgias ou tratamentos irreversíveis", frisou.

Segundo Sandra Cunha, "o BE está disponível para, no parlamento, se encontrar a melhor solução para se aprovar a lei e para que esta lei vingue em toda a sua plenitude".

"Iremos ver com os outros grupos parlamentares que apoiam esta proposta a melhor solução para termos um desfecho positivo para todos, maiores e menores de 18 anos", garantiu.

Para a deputada do BE, "poderá haver qualquer outro tipo de solução que vá ao encontro ou responda às preocupações do Presidente da República, mas não vos posso avançar qual é porque é algo que ainda temos que conversar, especialmente com as pessoas trans, os jovens e as famílias e tentar encontrar a melhor solução possível".
Diploma tal como está

O Partido Ecologista “Os Verdes” quer confirmar o diploma tal como está. As razões do veto não levam Heloísa Apolónia a mudar de ideias. Quer a confirmação parlamentar do diploma para ultrapassar o veto presidencia.
Autodeterminação independentemente da idade
O PAN defendeu, em comunicado, que o veto presidencial “reforça a importância de a Assembleia da República trabalhar para garantir a autodeterminação das pessoas trans, independentemente da sua idade”.

O partido Pessoas Animais e Natureza recorda que o Presidente da República "recomenda à Assembleia da República que pondere a existência de um relatório médico para menores de 18, mantendo a autodeterminação para pessoas maiores de idade".

"Esta questão da validação do Presidente da República no que toca à autodeterminação para maiores de 18 anos é por si só um avanço do ponto de vista do partido e um dado positivo a salientar", acrescenta o documento.

O PAN considera haver "condições para continuar a separar a esfera clínica da legal também no caso das pessoas trans menores de 18 anos, como foi determinado por meses de trabalho e audições parlamentares, nas quais pessoas trans, especialistas, ativistas e Organizações Não Governamentais nacionais e internacionais da área dos Direitos Humanos alertaram para a importância destas alterações".

"O Partido irá analisar detalhadamente os fundamentos deste veto e trabalhar internamente e com os restantes partidos para garantir a reconfirmação da proposta da Assembleia da República", frisa o comunidado, destacando "a importância de a posição do Presidente da República ser também favorável à proteção das características sexuais das crianças e jovens intersexo".

"Certo é que os jovens e as jovens trans sabem quem são e não podem continuar a estar dependentes de relatórios médicos e de todas as barreiras que daí advêm para uma simples alteração do nome e sexo legal no registo civil. Não desistiremos de trabalhar até ao fim para garantir os seus Direitos Humanos e Fundamentais", refere ainda o comunicado, citando declarações de André Silva, deputado único do PAN.
PSD apoia lei que introduza relatório médico

Carlos Peixoto, vice-presidente da bancada PSD, saudou o veto e admitiu que os sociais-democratas apoiem uma futura lei que introduza a mudança de género aos 16 anos com a apresentação de relatório médico.

"O PSD avisou e os partidos à esquerda, PS incluído, teimosamente, não quiseram ouvir as recomendações que o PSD introduziu no debate. Sempre dissemos que jamais aprovaríamos uma lei que não exigisse um relatório médico para demonstrar a chamada disforia de género", afirmou Carlos Peixoto, em declarações aos jornalistas no parlamento.

Para o deputado social-democrata, "o senhor Presidente da República fez aquilo que devia ser feito, vetou, e nós saudamos e felicitamos o veto do senhor Presidente da República que nos parece óbvio, avisado e inevitável".

Carlos Peixoto espera que "os partidos de esquerda tenham a sensatez, o equilíbrio e a ponderação de equacionar estas questões, nomeadamente a exigência de um relatório médico".

"Se os partidos da esquerda aceitarem que a disforia seja um ato clínico demonstrável por um profissional da área, o PSD estará disponível a votar, como sempre disse, esta matéria", afirmou.
CDS considera óbvia a necessidade de um relatório médico
O CDS-PP saudou o veto ao decreto que estabelece o direto à autodeterminação da identidade e expressão de género, considerando óbvia a necessidade de um relatório médico.

"O CDS considera este veto compreensível, inevitável e até óbvio, razão pela qual votou contra esta lei", considerou o líder parlamentar centrista, Nuno Magalhães, ressalvando que "existem casos-limite" devem merecer "compreensão e um tratamento legal".

Para Nuno Magalhães, "essa compreensão e esse revestimento legal nunca poderiam ser feitos contra os pareceres científicos e médicos que foram chegando ao parlamento, nomeadamente, contra o bom senso que exige que haja um relatório médico, como bem o senhor Presidente da República refere".

O deputado salienta que o parlamento legislou contra o parecer do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNEV), "em relação à maturidade e maturação da decisão, aos 16 anos, do ponto de vista clínico".

"Parece-nos que esta matéria, em conjugação com o que aconteceu com a decisão do Tribunal Constitucional com procriação medicamente assistida, deve servir de exemplo e ser uma boa lição para o futuro muito próximo, em relação a outras matérias, como, por exemplo, a eutanásia, em que a Assembleia da República legisla contra os pareceres das entidades que convida a pronunciar-se, nomeadamente, o CNEV", realçou.
Ordem dos Médicos vai analisar recomendação
A Ordem dos Médicos vai analisar o veto presidencial e a recomendação de um relatório médico para menores de 18 anos.

Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos, considera que se tratou de "uma decisão sensata" em relação à questão da idade, mas ressalvou que "esta matéria não foi ainda devidamente discutida".

"Vou propor que o assunto seja debatido no Conselho Nacional Executivo da Ordem, nomeadamente no que respeita à premência ou não da obrigatoriedade de um relatório clínico", anunciou o bastonário.

C/Lusa
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