Postal da Grande Guerra - Amor e Guerra

Há 100 anos, não se festejava o Dia dos Namorados, nem havia postais de S. Valentim. Mas namorava-se por postal.


Há 100 anos, um alferes chegava a França, tendo prometido à namorada que lhe escreveria todos os dias. Seguem-se dezenas e dezenas de postais que ao longo dos anos o alferes Serra Pereira escreveu a Clotilde Larcher Marçal.



Uma correspondência amorosa que revela pontualmente arrufos, ciúmes, descrença, mas que são sobretudo uma forma de ultrapassar o pessimismo, de manter-se ligado a um mundo são, um gesto de esperança num futuro depois de terminado o conflito.

100 anos depois a sobrinha-neta Manuela Larcher ofereceu ao Museu da GNR (no Largo do Carmo), entre outros objectos, este álbum de postais. E ofereceu-nos a nós uma carta que escreveu a nosso pedido ao seu tio-avó, 100 anos depois.

"Parede, Fevereiro de 2017

Querido tio Júlio,

Não era assim que eu te chamava, nem foste apenas o tio-avô, com quem sempre vivi, mas eras para todos os sobrinhos, o tio herói que tinha andado na guerra, povoando a nossa imaginação de historias que nunca nos contaste , mas que foram a tua realidade. Porquê hoje? Porquê passadas quase quatro décadas da nossa vida, dos nossos passeios ao fim da tarde, das nossas historias, me lembrei de te escrever como se apenas tivéssemos geograficamente afastados. Talvez porque foi há 100 anos, era um mundo e um país de tempos difíceis: A Guerra. E porque hoje ao comemorar-se essa época, tenho que te recordar como alguém que a viveu, e que dela deixou um pequeno testemunho. Não que nas nossas conversas esse tempo fosse abordado, não era habitual ter com os jovens de então, conversas tão sérias, e talvez também, porque ao recordares esses dias, eles te trariam sentimentos vários e talvez também, não tivesse tido a capacidade de entender e avaliar a sua dimensão. Hoje, teria feito muitas perguntas, teria querido respostas aos como e porquês, e hoje, nesta romagem de saudade ao passado, é com um sentimento de ternura, que ainda vejo na nossa sala de estar, a um cantinho pendurados , o capacete, a espada, os binóculos, o cantil, numa arca fardas, cintos. polainas, etc., mas num local carinhosamente resguardado, um álbum de postais escritos durante anos, e em que condições, ao grande amor da tua vida, que durante anos os aguardava com ansiedade. Mais do que palavras, eles são o testemunho dessa tua vida em tempo de guerra, a prova daquele amor que saltou trincheiras, atravessou fronteiras, com o qual convivi, até que a morte vos separou, e mais tarde te separou de mim, da nossa vida a dois, da nossa cumplicidade. Levaste contigo as vivencias , as memorias, deixaste comigo a saudade. Por tudo isto nesta data, achei que devia partilhar publicamente com as várias gerações, este pequeno testemunho, de alguém que viveu a guerra, que com ela sofreu, e nela amou.

Com eterna saudade, beijos, até um dia.
"

Se em Fevereiro de 1918 ainda falava da "nostalgia da Pátria" e da sua "alma entristecida", já no final de 1918, a 18 de Outubro, escrevia a Clotilde:



"Não sei se hei-de ter esperanças de brevemente estar próximo de ti. O inimigo recua apressadamente o que é animador. A guerra no entanto é como sempre o imprevisto e por isso só Deus sabe quando poderei ter a felicidade de te ver."

Um final feliz no final da guerra para este namoro: o alferes Serras Pereira sobreviveu à guerra e casou com Clotilde.