O que esperar de Donald Trump nas próximas semanas?

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
Mike Segar - Reuters

Joe Biden foi anunciado como vencedor das eleições norte-americanas no sábado, mas apenas toma posse enquanto 46º Presidente dos Estados Unidos a 20 de janeiro de 2021. Até lá, Donald Trump é ainda o Presidente dos EUA e, à medida que recusa reconhecer a derrota, especialistas já alertaram que as onze semanas que se seguem poderão ser o período "mais perigoso" da história dos EUA.

Enquanto o mundo recebia a notícia de que Biden foi nomeado próximo Presidente dos EUA, Donald Trump jogava golfe na Virgínia. Sem conceder derrota nas presidenciais, o Presidente norte-americano voltou a insistir que foi o vencedor das eleições. “Eu ganhei estas eleições, por muito!”, escreveu Trump na sua rede social Twitter.

A recusa em aceitar a derrota já era esperada, com Donald Trump a insistir nos últimos dias em acusar os democratas de “fraude” eleitoral com os votos que chegaram por correspondência, exigindo a recontagem dos votos em alguns Estados. Momentos após o anúncio de Biden, a campanha de Trump reiterou que as eleições “ainda não acabaram” e anunciou uma batalha legal. "A partir de segunda-feira, a nossa campanha apresentará o nosso caso em tribunal para garantir que as leis eleitorais são integralmente cumpridas e que o legítimo vencedor é declarado”, disse Rudy Giulianu, advogado do atual presidente dos EUA.

Por estes motivos e tendo em conta os habituais comportamentos que o mundo teve oportunidade de conhecer nos últimos quatro anos, ninguém espera que Trump conceda a derrota formalmente. Familiares e pessoas próximas do republicano afirmam mesmo que ele nunca irá admitir que saiu derrotado da corrida eleitoral, mas irá desocupar a Casa Branca no final do seu mandato, ainda que contra a sua vontade.

“Duvido que ele venha a conceder a derrota”, disse o amigo e conselheiro de Trump, Roger Stone. Na opinião de Stone, Biden, como resultado, terá “uma nuvem sobre a sua presidência com metade da população do país a acreditar que ele foi eleito ilegitimamente”. Biden é o Presidente eleito com maior número de votos na história dos EUA, mas o “Trumpismo” também saiu fortalecido destas eleições, com o candidato republicano a receber mais cinco milhões de votos do que em 2016, quando foi eleito Presidente.

Mary Trump, sobrinha de Donald Trump, também acredita que um reconhecimento da derrota por parte do seu tio é “improvável”. Questionada pelo Channel 4 News sobre o que Trump estaria a sentir numa altura em que os resultados apontavam para a vitória de Biden, Mary Trump respondeu que ele estaria “a enlouquecer”. “Pela primeira vez na vida dele, ele está a enfrentar uma perda inegável. Está a enfrentar algo que é insuportável para ele e vemos isso a refletir-se no seu desespero”, acrescentou.


Período “mais perigoso” da história dos EUA
Mesmo que Trump não aceite que será Presidente de um único mandato, o relógio já está em contagem decrescente para o dia em que terá de ceder o lugar a Biden. Restam onze semanas, um período que os especialistas acreditam que poderá ser o “mais perigoso” na história dos EUA.

“Se ele perder o poder, passará os seus últimos 90 dias a destruir os EUA como uma criança maldosa com uma marreta numa loja dos chineses”, disse Malcolm Nance, analista de política, a The Guardian. “É provável que vejamos a maior birra política da história. Ele pode decidir que quer sair com tudo, pode decidir que não aceitará o resultado da eleição. Quem sabe o que um autocrata encurralado fará?”, questionou Nance.

“Precisamos de estar preparados para qualquer coisa que ele tenha em mente, porque se ele pensa que vai cair, ele vai tentar levar-nos a todos com ele”, disse a sobrinha de Trump. Questionada sobre se estava a falar a sério, Mary Trump responde: “Claro que estou”, relembrando que Trump, enquanto Presidente dos EUA, fez um discurso nos últimos dias onde afirmou que “não se pode confiar no voto popular”. Mary Trump, que publicou recentemente um livro onde revela como a família criou "o homem mais perigoso do mundo", garante ainda que "não existirá qualquer sentimento de arrependimento" por parte de Trump, "porque isso significaria que ele consegue reconhecer que ele fez alguma coisa de errado – o que não é verdade".

Parte do caos que se seguirá à derrota de Trump já é previsível: os EUA saíram definitivamente do Acordo de Paris na passada quarta-feira; a pandemia, que já provocou a morte de mais de 237 mil americanos, vai piorar e Trump já sugeriu a demissão de Anthony Fauci, o principal especialista em doenças infecciosas do país que integra a task force dos EUA na luta contra a pandemia.

No entanto, há ainda muito a esperar por parte de Trump. Tal como os advogados já anunciaram, Trump está preparado para iniciar uma batalha legal e os especialistas apontam mesmo que o Presidente dos EUA está a aproveitar este fim-de-semana para delinear um plano que envolverá mais ações judiciais. A Campanha de Trump já anunciou inclusivamente que estão a angariar 60 milhões de dólares para pagar aos advogados.

“Ele vai levar os seus poderes executivos e constitucionais até ao limite”, disse Nance. “Ele pretende lutar”, disse o conselheiro económico de Trump, Larry Kudlow, citado pela Associated Press.

Em comunicado na sexta-feira, Trump anunciou que irá prosseguir “com este processo em todos os aspetos da lei para garantir que o povo americano tem confiança no nosso Governo”. “Nunca irei desistir de lutar por vocês e pela nossa nação”, garantiu Trump.

Alguns assessores consideram, porém, que os esforços legais impostos pela Campanha de Trump consistem mais numa tentativa de “montar um espetáculo” do que, propriamente, esperar que produzam resultados.

No entanto, existe uma preocupação comum de que a retórica de Trump alimente as tensões num país que já estava intensamente dividido antes da nomeação de Biden. Várias cidades norte-americanas foram palco de manifestações pró e anti-Trump, tendo mesmo existido relatos de apoiantes do candidato republicano que se reuniram no exterior de centros de contagem de votos, alguns exibindo armas.
Republicanos divididos
Nesta luta pela presidência, há uma clara divisão, mesmo entre o núcleo republicano. Donald Trump conta com o apoio de muitos, nomeadamente do seu advogado, Rudy Giuliani, e dos seus filhos, que acreditam que é preciso levar a batalha judicial até ao fim para tentar anular os resultados eleitorais dos cinco Estados que estiveram na reta final da contagem dos votos.

Outros aliados políticos e funcionários da Casa Branca têm, porém, apelando a que o Presidente tenham cautela nas semanas que se seguem de forma a garantir uma transferência pacífica do poder. Segundo a Associated Press, muitos aliados públicos aconselharam mesmo Trump a fazer um discurso na próxima semana a prometer apoiar uma transição pacífica. A sobrinha do Presidente afirma que este abandono dos seus aliados irá contrinuir para um aumento "dos níveis de raiva" de Trump.

Entre os que defendem o respeito pelo resultado das eleições está o líder da maioria republicana no Senado, Mitch McConnell, que já anunciou que vai respeitar a vontade do povo americano.
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