Populistas triplicam votação na Europa em 20 anos

por RTP
A professora da Universidade Lusófona Cláudia Álvares aponta a “capacidade de convencer o público de que não pertencem ao sistema político” como um elemento determinante Ints Kalnis - Reuters

Os partidos populistas conseguiram triplicar a votação na Europa ao longo dos últimos 20 anos, apurou o jornal britânico The Guardian, que analisou 31 países. À direita ou à esquerda, estas formações registaram um crescimento contínuo ao longo de duas décadas e já têm representação em 11 governos. Um em cada quatro cidadãos europeus votou num partido de orientação populista nas últimas eleições nacionais.

Em 1998, apenas sete por cento dos eleitores na Europa votaram em partidos de orientação populista, tendo a Suíça e a Eslováquia eleito governantes com estas características. Em 2018, mais de 25 por cento preferiram partidos ou movimentos populistas, que conquistaram lugares no Governo de mais nove países: Áustria, Itália, Grécia, Hungria, República Checa, Polónia, Bulgária, Noruega e Finlândia.

O número de cidadãos europeus com ministros populistas no Governo aumentou 13 vezes em duas décadas, de 12,5 milhões para 170,2 milhões. As contas foram feitas para o jornal The Guardian por cerca de 30 cientistas políticos, investigadores de diversas universidades europeias, numa recolha coordenada pelo sociólogo Matthijs Rooduijin, da Universidade de Amesterdão. Os académicos analisaram centenas de partidos e decidiram quanto à sua classificação - ou não - como populista.

Enquadrados numa ideologia de direita ou de esquerda, os movimentos populistas tendem a apresentar-se como resposta a um quadro social que, clamam, opõe “pessoas comuns” a uma elite corrupta. Todavia, os críticos do populismo apontam que, quando no poder, os movimentos tendem a contornar as regras democráticas, através do controlo dos meios de comunicação social, das instâncias judiciais ou tentando reduzir os direitos das minorias.

"O terreno para o populismo tornou-se cada vez mais fértil e os partidos populistas estão cada vez mais capazes de recolher as recompensas", comentou Rooduijn.

Atualmente, “alguns dos desenvolvimentos políticos recentes mais significativos, como o referendo sobre o Brexit e a eleição de Donald Trump, não podem ser entendidos sem ter em conta a ascensão do populismo”, contextualizou.

Neste contexto, é expectável que nas próximas eleições europeias, em maio de 2019, aumente o número de eurodeputados de orientação populista, principalmente de direita, num Parlamento que com o Brexit ficará reduzido a 705 lugares.


Populistas adaptam-se
Jan Kavan, antigo presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas, considera que nos últimos anos se verifica o aparecimento de uma nova vaga de populismo.

“Populismo existe desde que existem políticos. Ele ganha eleições. Mas há populismo e populismo. E algum do populismo puro que vemos agora não existia há dez anos”, declarou ao Guardian.

O crescimento mais acentuado verificou-se entre os movimentos ou partidos populistas de ideologia de direita que, a partir de 2015, elegeram governos como Itália ou Hungria. A elevada afluência de migrantes foi um dos pilares da campanha dos populistas, que recolheram quase 50 por cento dos votos.

Os partidos populistas de esquerda, como o Syriza, conheceram rápido crescimento no contexto da crise financeira de 2008 mas só chegaram ao poder na Grécia.

A esquerda começou a conquistar votos nas últimas eleições nacionais, com o Podemos em Espanha e o La France Insoumise.

Desde o partido de extrema-direita Liberdade, que em 1994 conquistou 20 por cento dos votos na Áustria, e agora integra a coligação no Governo, passando pela aliança composta pela Liga e pelo Movimento 5 Estrelas em Itália ou pelo Fidesz na Hungria, que registou 49 por cento dos votos, a vaga populista varreu a Europa.

O partido anti-imigração Alternative für Deutschland é o primeiro partido de extrema-direita a chegar a um parlamento alemão e ocupa 90 lugares do Bundestag. Na Suécia, a extrema-direita já regista 17,5 por cento da votação.

Em França, Marine Le Pen conquistou 33 por cento nas eleições presidenciais e o discurso populista foi determinante para os resultados do referendo que ditou a saída do Reino Unido da União Europeia.

“Há três razões principais para a forte ascensão do populismo na Europa", explicou Cas Mudde, professor de Assuntos Internacionais da Universidade da Geórgia, também citado por The Guardian. “A grande recessão, que criou alguns fortes partidos populistas de esquerda no sul, a chamada crise de refugiados, que foi um catalisador para populistas de direita e, finalmente, a transformação de partidos não populistas em partidos populistas – como o Fidesz e Lei e Justiça [na Polónia]”, enumerou.

A professora da Universidade Lusófona Cláudia Álvares aponta a “capacidade de convencer o público de que não pertencem ao sistema político” como um elemento determinante para o sucesso dos populistas. “Como tal, estão em pé de igualdade com as pessoas, na medida em que nem eles nem o povo pertencem às elites "corruptas", afirmou.

A investigadora portuguesa destaca o papel das redes sociais na ascensão do populismo e no modelo algorítmico que promove mensagens controversas. “A raiva que os políticos populistas conseguem canalizar é alimentada pelos posts nas redes sociais, porque estas são muito permeáveis à fácil disseminação da emoção. O resultado final é a polarização do discurso político e jornalístico”, explicou.

As próximas eleições, na primeira metade de 2019, da Ucrânia à Dinamarca, da Finlândia à Bélgica, vão permitir uma leitura mais ampla sobre o desempenho dos populistas.

"No curto prazo, os partidos populistas provavelmente permanecerão mais ou menos tão fortes, embora sejam ainda mais claramente radicais e ainda assim haverá diferenças regionais e nacionais significativas. A questão principal vai passar pela resposta das partes não populistas", aventou Cas Mudde.

Contudo, o fenómeno não está circunscrito ao continente europeu. Governantes com discursos populistas conquistaram o poder em cinco grandes economias mundiais: Estados Unidos, México, Brasil, Índia e Filipinas.
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