Santa Maria foi notificado mas manteve medicamento

A administração do Hospital de Santa Maria anunciou que, em Fevereiro, foi informada de complicações relacionadas com o Avastin, mas não indiciaram gravidade suficiente para suspender a sua utilização. Alguns hospitais suspenderam o uso do medicamento até serem conhecidos os resultados do inquérito no Santa Maria. Dois dos seis doentes apresentam "melhoria clínica", refere o hospital.

Raquel Ramalho Lopes, RTP /
Seis pessoas cegaram após uma injecção dentro do olho com Avastin, sexta-feira, no Hospital de Santa Maria RTP

O Hospital de Santa Maria afirma que "não obstante ser conhecida a não aprovação formal da utilização do fármaco por injecção intra-vítrea, se tem verificado em todo o mundo o seu emprego generalizado em Oftalmologia".

Em comunicado, a administração do Santa Maria conclui que "a descrição clínica dos acontecimentos referidos não indiciou gravidade suficiente para impor a suspensão da utilização do fármaco". Esta decisão foi tomada após estudo da Comissão Técnico-Científica do hospital, que recorreu a "opiniões de peritos da instituição e doutros estabelecimentos hospitalares nacionais, nomeadamente directores de serviço de oftalmologia".

A detentora do fármaco garante que enviou uma carta, em Fevereiro, para todos os profissionais de saúde a avisar para avisar que não se responsablizava pelos efeitos adversos do Avastin em "contexto oftalmológico", o medicamento usado nos seis doentes que correm agora o risco de cegar.

Num primeiro momento, a administração do Hospital admitiu desconhecer o conteúdo da missiva. A Ordem dos Médicos também diz que não recebeu a carta assinada pela directora médica da Roche, mas concorda com a decisão do Hospital de Santa Maria.

O vice-presidente da Comissão de Ética para a Investigação Cínica referiu que a utilização de medicamentos extra-bula - para tratamentos diferentes dos que são indicados, com outras dosagens ou diferente via de administração -, "é muito comum", principalmente em crianças, grávidas a amamentar e nos idosos.

"Morreriam muitas pessoas, se estas não recebessem medicamentos em off-label", acrescentou António Faria Vaz. Segundo o especialista, "uma utilização não aprovada, não quer dizer que não existam provas da sua eficácia e segurança".

Os médicos apontam a falta de alternativas ao Avastin para tratar os doentes com retinopatia diabética.

Dois doentes apresentam melhoras

"Verifica-se que há melhoria clínica em dois e estabilidade do quadro clínico em outros quatro doentes, mantendo-se o acompanhamento clínico por uma equipa multidisciplinar", informou em comunicado o director clínico do Hospital de Santa Maria. A reportagem da RTP, que na tarde de quinta-feira esteve no hospital, não apurou melhorias em nenhum dos seis doentes.

Os doentes, familiares e profissionais do Santa Maria receberam a visita da ministra da Saúde. Ana Jorge manifestou "solidariedade e apoio" aos doentes e seus familiares, mas não conseguiu perspectivar melhoras. "A ministra da Saúde está convicta que estão a ser desenvolvidos os esforços adequados para acompanhar os doentes", refere, por sua vez, o Ministério da Saúde em comunicado.

O inquérito às causas da cegueira dos doentes operados, aberto terça-feira, tem agora prioridade máxima, fez saber a Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS), porque considera estar em causa a confiança dos doentes no maior hospital do país.

Uma equipa da IGAS esteve hoje no Hospital de Santa Maria para recolher dados. A investigação só estará concluída quanto estiverem reunidos documentos, testemunhos e resultados de perícias.

A IGAS também levará em conta pareceres técnicos, como o do Infarmed. A autoridade que regula o medicamento em Portugal não tem qualquer registo de reacções adversas ao uso do bevacizumab, a substância activa do Avastin. Este fármaco é indicado para o tratamento de doentes com carcinoma metastizado do cólon ou do recto.

Hospitais suspendem uso de Avastin

Várias unidades hospitalares portuguesas, entre as quais os hospitais de São José e dos Capuchos, em Lisboa, suspenderam o uso do medicamento Avastin até serem conhecidos os resultados do inquérito no Santa Maria.

O presidente do Colégio do Oftalmologia da Ordem dos Médicos apelou às autoridades para determinarem com urgência se os médicos devem continuar a utilizar o bevacizumab para fins oftalmológicos.

Florindo Esperancinha alerta ainda as "injecções no olho não estão aprovadas para tratar o doente, mas são usadas diariamente em todos os hospitais do país e do mundo". O Infarmed e o Ministério da Saúde "têm de dizer aos médicos se estes continuam a usar o conceito, não só para esta substância, mas para todas as outras".

O especialista afirmou que só esta quinta-feira teve acesso à carta da Roche, apesar de ter tido conhecimento da sua existência em Março/Abril através de colegas.

Roche detém laboratório do único concorrente do Avastin

Os avisos em relação ao uso oftalmológico do Avastin surgiram no Canadá depois de, em Novembro do ano passado, vários doentes terem sentido a vista turva e infecções. Nenhum ficou com lesões. Os problemas estavam relacionados com um único lote do medicamento.

Os médicos decidiram continuar a utilizar o medicamento e a Roche nunca tentou que este fosse aprovado o uso para retinopatia diabética, apesar de vocacionado para doenças oncológicas.

A Roche comprou o laboratório que produz o Lucentis, o único medicamento concorrente do Avastin, mas bastante mais caro. Segundo uma fonte hospitalar declarou à RTP, o Lucentis custa 45 vezes mais do que o Avastin. O Avantis custa por tratamento 40 euros. O Lucentis 1800 euros.

O Hospital São Francisco Xavier preferiu começar a utilizar o medicamento mais caro, ainda antes dos avisos da farmacêutica, por estar aprovado pelo Infarmed para uso nos olhos.

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