Redes sociais e fake news. "Pêndulo encontrará o seu ponto de equilíbrio"

por Christopher Marques - RTP
Renato de Paula é o convidado do Fronteiras XXI dedicado ao tema "A verdade e a mentira nas redes sociais" Linkedin - Renato de Paula

O perito em meios digitais Renato de Paula está convicto de que se acabará por encontrar um equilíbrio no que diz respeito às redes sociais. Em entrevista à RTP, o publicitário brasileiro explica que a revolução ainda está em curso e que acabará por haver mecanismos para controlar as ameaças. Renato de Paula é um dos convidados do Fronteiras XXI dedicado às redes sociais.

Renato de Paula mostra-se convicto de que as redes sociais são uma oportunidade, apesar dos aspetos negativos que têm sido visíveis. O publicitário está especialmente preocupado com o respeito pela privacidade dos utilizadores e a proteção de dados, embora seja otimista em relação ao regulamento europeu aprovado em 2016.

O especialista em meios digitais nota que muitos dos problemas atuais se devem à grande transformação que tem ocorrido, sendo necessário tempo para que empresas, comunicação social e cidadãos se adaptem. “Estamos naquele momento em que o pêndulo ainda não encontrou o seu ponto de equilíbrio”, explica.

Renato de Paula insiste ainda na necessidade de educar o público para as redes sociais. “As pessoas que têm hoje 40 anos tiveram a sua juventude num período em que praticamente não havia computadores ou telemóveis”, exemplifica. Aconselha os órgãos de comunicação social a trabalharem com credibilidade e a preocuparem-se mais com as marcas: “Os meios de comunicação não estão a tirar proveito de todas as oportunidades”.

Sobre o papel das redes sociais nas vitórias de Donald Trump e do Brexit, o especialista reconhece que estas tiveram um efeito “aglutinador” e “impulsionador”, mas sublinha o contexto económico e social propício a esses resultados eleitorais.

Renato de Paula é um especialista internacional em meios digitais. Nasceu em São Paulo, mas vive atualmente nos Estados Unidos, sendo um dos mais conceituados executivos de publicidade. É diretor-executivo da RED Fuse, agência que pertence ao WPP, o maior grupo de publicidade e marketing do mundo.

O aclamado publicitário é um dos convidados do Fronteiras XXI desta quarta-feira, dedicado ao tema “A verdade e a mentira nas redes sociais”.

A colunista Clara Ferreira Alves, o especialista em assuntos internacionais Bernardo Pires de Lima e o subdiretor de informação da RTP para a área multimédia, Alexandre Brito, fecham o painel de convidados. Um debate organizado pela RTP e pela Fundação Francisco Manuel dos Santos que será transmitido na RTP3.

RTP: As redes sociais são hoje uma ameaça ou uma oportunidade?

Renato de Paula: São uma oportunidade, apesar de haver milhares de problemas que vamos discutir aprofundadamente no programa Fronteiras XXI. No entanto, os prós são mais que os contra. Agora, há uma grande preocupação sobre este fenómeno e temos de aprender a gerir com muito cuidado as questões de privacidade e partilha de dados.

No mercado europeu há já mudanças com o GDPR (General Data Protection Regulation – regulamento europeu de proteção de dados, aprovado em 2016), que é uma mudança muito importante.

As grandes transformações da humanidade não foram fáceis e este é um momento de transformação tecnológica brutal que começou há 20 anos, talvez menos. Usando a metáfora do pêndulo, estamos naquele momento em que este ainda não encontrou o seu ponto de equilíbrio.

Durante estas idas e vindas do pêndulo, vamos ter vários problemas como fake news e outros. Mas acredito que elas são uma grande oportunidade para a humanidade, para os negócios e para a comunicação.

Se são uma oportunidade, o que deve ser feito para que não se tornem uma ameaça?


É preciso criar mecanismos de controlo e proteção, o que aliás já está a acontecer. Mas é preciso sobretudo muita educação. Passámos de uma geração onde havia um controlo muito grande no mundo da informação que estava concentrada nas mãos de grandes grupos e na política. De repente, passou a ser minha, sua, de todos. É uma mudança conceptual enorme e que não tem retorno.

É preciso que o público perceba o que é uma fonte credível. Hoje, como é novidade, as pessoas acreditam em fontes pouco credíveis. Mas as novas gerações vão crescer mais acostumadas a estas situações e o pêndulo encontrará o tal ponto de equilíbrio.

Há uma grande faixa da população que tem acesso às redes sociais sem ter sido preparada para isso.

Sim, essa é a questão. A mudança tem sido tão rápida que apanhou essa faixa da população. As pessoas que têm hoje 40 anos tiveram a sua juventude num período em que praticamente não havia computadores ou telemóveis. As gerações mais novas já nasceram com outro chip.

Como é que os órgãos de comunicação social podem adaptar-se a este novo mundo?


É preciso que continuem a trabalhar com credibilidade. Atualmente, a credibilidade é tudo. Além disso, é preciso ter em conta que os órgãos de comunicação social não se preocupavam com as suas marcas. O próprio jornal e o seu quotidiano eram uma marca e fazia com que esta fosse conhecida. Hoje em dia, a informação pode ser distribuída de forma diferente e pode-se chegar a um público maior.

Falta trabalho de marketing nos órgãos de comunicação social?


Não sei se falta, mas pode ser melhorado. Em geral, os meios de comunicação não estão a tirar proveito de todas as oportunidades que existem no marketing. Estão num momento de defesa perante este difícil momento: a crise de credibilidade, de perceber com quem estão a competir. Neste momento de defesa há oportunidades para que as marcas de informação se tornem mais fortes e o público perceba melhor o conceito de credibilidade.

A perda de credibilidade da comunicação social é uma causa ou uma consequência das redes sociais?


É uma consequência da evolução da humanidade. As fake news não são um assunto apenas do presente. Já existem há gerações, com diferentes nomes, e até foram usadas como estratégia de guerra.

A diferença é que são hoje um fenómeno estruturado, em massa e com interesses políticos. Não é só a comunicação social que sai afetada. Houve marcas que tiveram de se reestruturar integralmente e há grandes marcas que desapareceram porque não se adaptaram.

A vitória do Brexit e de Donald Trump beneficiaram de mentiras amplamente difundidas nas redes sociais. A comunicação social falhou na missão de desconstruir estas mentiras?


As redes sociais tiveram o seu papel nessas vitórias, nomeadamente com a influência russa e os anúncios pagos no Facebook. Mas o aspeto político é muito complexo. As redes sociais têm um papel nestas vitórias porque contribuíram para que as mensagens circulassem rapidamente, mas não são uma causa única.

Há os aspetos económicos, a deslocalização de mão-de-obra… É quando juntamos todas estas peças e se coloca as redes sociais como impulsionador que a situação se torna mais complicada. Mas não acredito que apenas as redes sociais tenham sido responsáveis pelo resultado das eleições norte-americanas e do referendo britânico. Foram uma parte relevante.

Mas sabendo nós hoje que houve argumentos que prosperaram que são claramente mentira. Uma comunicação social mais adaptada ao seu tempo não teria contribuído para que o resultado fosse diferente?

Sim, penso que sim. Mas é preciso recordar que não estamos acostumados à rapidez com que a informação é partilhada nas redes sociais. Uma informação plantada por determinada organização ou país tem um alcance enorme de forma imediata.

Uma acusação falsa nas redes sociais coloca o acusado numa posição de defesa. Até que a pessoa se consiga explicar, a informação já se espalhou. É uma situação muito complexa. Mas, insisto, não acredito que as redes sociais sejam o único fator explicativo para estas vitórias do Brexit e de Donald Trump. Foi um fator aglutinador, um acelerador. Mas há todo um contexto que não se deve ignorar.

Depois de Donald Trump e do Brexit, tivemos eleições em França e na Alemanha com resultados diferentes. Aprendemos alguma coisa sobre redes sociais entre 2016 e 2017?


Sim, aprendemos e muito. E acho que quanto mais falarmos do assunto, melhor. Talvez as coisas não mudem de hoje para amanhã ou até mesmo em seis meses mas vão alterando-se.

Mas nota diferenças quanto ao papel das redes sociais nos atos eleitorais de 2016 e 2017?

Não tenho grande contexto para abordar essas situações específicas, mas noto de uma forma geral. Hoje, o meu filho de 13 anos já entende o conceito de fake news e consegue discernir entre algo que é absurdo, algo que pode ser verdadeiro e algo que é verdadeiro.

Já sabe que tem de ter cuidado na pesquisa. Esta evolução deu-se nos últimos 18 meses. Nas próximas eleições, o Facebook e o Google vão estar muito mais atentos à influência internacional.
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