FREI HERMANO DA CÂMARA por João Carlos Callixto

10 Nov 1976 - "Jesus"

Defensor de um apostolado cristão pela música, Frei Hermano da Câmara começou a cantar ainda em jovem. Oriundo de famílias com pergaminhos, quer em termos históricos (é tetraneto do rei D. João VI) quer em termos musicais (já que é primo de nomes como Maria Teresa de Noronha, Vicente da Câmara, Nuno da Câmara Pereira ou Luísa e Salvador Sobral), a carreira pública que iniciou na segunda metade da década de 1950, ainda antes de ter sido ordenado monge beneditino, tornou-o numa das vozes mais populares em Portugal até pelo menos aos anos 80.

O percurso discográfico de D. Hermano da Câmara (como então assinava) começou por intermédio da Valentim de Carvalho, editora que nos anos 70 e 80 viria a ser aquela onde se consagraria. Estávamos em 1959 e o EP “Sunset and Sentiment” acabou por se revelar um sucesso de vendas, com várias edições ao longo dos anos, e juntando desde logo as palavras de grandes poetas do fado como Linhares Barbosa ou Henrique Rêgo ou ainda do Conde de Sobral (seu primo em 2.º grau). No campo musical, marcavam aqui presença Fontes Rocha, Joaquim do Vale e Joel Pina, faltando apenas o guitarrista titular para estar reunido o histórico Conjunto de Raul Nery. Também a veia melódica de Frei Hermano da Câmara ficava desde logo patente, já que a primeira composição do disco – “Minha Mãe, Nasci Fadista” – era de sua autoria.

A nova década de 1960 começa com uma nova casa discográfica. Assim, para o selo RCA Victor, distribuído em Portugal pela Telectra, o ainda D. Hermano da Câmara grava várias canções, suficientes para preencher cinco discos logo nesse ano de 1960. Escolhendo para cantar alguns dos grandes poetas portugueses, como António Botto, Augusto Gil ou João de Deus, o cantor seria em 1965 o primeiro a gravar em disco uma música a partir de um poema de Fernando Pessoa. “Mar Português”, com música sua, seria rebaptizado de “Mar Salgado” no disco “Na Mão de Deus - Fados por Frei Hermano da Câmara”. Para trás, tinha ficado o histórico “Fado da Despedida”, em 1961, que marcava o início da vida religiosa do frade-cantor.

Depois de um disco com cânticos espirituais de Angola e da participação em vários registos corais gravados em Singeverga, seria apenas em 1970 que Frei Hermano da Câmara voltaria a gravar. “A Santa Face de Jesus”, “Cantilena da Lua Nova” e “Túnica Negra” (EP onde se incluía “O Rapaz da Camisola Verde”) seriam os três discos de 45 rotações logo agrupados num álbum que apresentam a sua voz a uma nova geração de ouvintes. E essa nova geração podia até vir de onde menos se esperava, já que após o LP “Encosto a Fronte à Vidraça”, de 1972, chegaria um outro álbum de certo modo histórico: “Bruma Azul do Desejado”, em que os cantos devocionais do monge eram coadjuvados pelos membros do Quarteto 1111. “Vem Senhor Jesus”, a faixa de abertura desse disco nunca reeditado até hoje, trazia assim José Cid e o som do sintetizador moog, um instrumento então muito pouco conhecido em Portugal.

A Valentim de Carvalho, por intermédio do produtor Mário Martins, apostou sempre de forma séria na carreira de Frei Hermano da Câmara, e a regularidade na edição de novos trabalhos era prova do seu sucesso. O álbum “Sede de Infinito”, em 1974, trazia vários poemas de Miguel Torga e ainda Gomes Leal ou Mário de Sá-Carneiro, sendo integralmente composto por melodias do monge-cantor. Chegamos assim ao momento de hoje, tema-título do álbum de 1976, e com letra de Pedro Homem de Mello e música mais uma vez do próprio Frei Hermano. A RTP produz-lhe então este videoclip mesmo a tempo do Natal desse ano, aqui recuperado 44 anos depois. Em 1978, com a edição de "O Nazareno", a sua visão musical e religiosa atinge talvez o seu momento mais elevado, já que se estava perante um projecto que retratava a vida de Jesus Cristo e que contou com grandes convidados (desde logo, com a presença de Amália Rodrigues), sendo editado em duplo-álbum. Vários outros discos se seguiram, tendo Frei Hermano ainda em 2014 participado numa nova encenação de Carlos Avillez para “O Nazareno”, mostrando que este trabalho ficou bem presente na memória de muitos portugueses.