Furacão no Atlântico central: fenómeno cíclico ou resultado de alterações climáticas?

por Nuno Patrício - RTP
Imagem do furacão Alex registada a partir do espaço na quinta-feira, quando se aproximava dos Açores NASA

O Centro Nacional de Furacões norte-americano (NOAA) emitiu o alerta na quarta-feira: a tempestade subtropical Alex tinha crescido em força. Tornava-se assim o primeiro furacão a ser registado pelas agências ambientais naquele ponto do Atlântico desde janeiro de 1938.

Estaremos perante um fenómeno cíclico da natureza? Ou será que o furacão que ameaça o arquipélago dos Açores é uma consequência das alterações climáticas na Terra? Uma dúvida que persiste até entre os especialistas.

O site da RTP procurou obter respostas e esteve à conversa com o professor universitário António Saraiva Lopes, climatologista do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa."É possível que tenha alguma influência das alterações climáticas, e não se sabe muito bem se está ligado ou não ao fenómeno El Niño, que neste momento está muito forte e é no Pacífico" - António Saraiva Lopes, climatologista.

Para este especialista ligado à área climática, um furacão em janeiro, a meio do Atlântico norte, não é normal. Classifica-o como raro e aponta El Niño, que ocorre atualmente no Pacífico, como um dos potenciais causadores deste fenómeno extremo.

"Segundo os registos, há cerca de 80 anos que não se verificava este tipo de fenómeno no local onde surge e com este trajeto (…) Normalmente forma-se a leste do arquipélago de Cabo Verde e acompanha uma trajetória que tem a ver com a corrente do Golfo, no sentido da América do norte", explica.

O Alex é também - segundo os registos - o primeiro furacão a ocorrer em janeiro desde Alice, em 1955 (o furacão Alice não se formou-se em janeiro, mas manteve sua intensidade neste mês).


A temporada típica de furacões, no Atlântico, dura normalmente entre o início de junho até ao final de novembro e a alimentação deste tipo de fenómenos deve-se à temperatura quente na superfície do oceano. "Há uma anomalia positiva (…) que está a provocar uma temperatura mais elevada do que é normal, dois a três graus mais elevada" - António Saraiva Lopes, climatologista.

De facto, estamos em janeiro e as correntes polares já se deveriam sentir nesta zona dos Açores, mas não é impossível.

Para o climatologista do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa, o que não normal é surgir um furacão nesta região atlântica.



"Efetivamente, durante o mês de janeiro, normalmente as temperaturas da água do mar estão mais baixas, mas pelos registos que temos visto, há uma anomalia positiva". 

O professor António Saraiva Lopes refere, no entanto, que esta anomalia não justifica, por si só, a formação de um furacão.

Dados do NOAA davam a conhecer que durante o dia de quinta-feira o furacão Alex já apresentava ventos de 136 quilómetros por hora, localizando-se a 560 quilómetros a sul do arquipélago dos Açores.


Os primeiros alertas soaram a partir do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), que colocava a região Central e Oriental dos Açores sob aviso vermelho. Pouco depois surgia, por parte da Proteção Civil, o alerta de grau máximo na região (vermelho).

Nas imagens de satélite, Alex aparentava até uma dimensão reduzida, face aos furacões normalmente registados junto ao Golfo do México e Estados Unidos, mas apresenta claramente um núcleo bem formado e um "olho" quase sem nuvens.


Ventos fortes
A maior preocupação com o furacão Alex recai nos estragos que este tipo de fenómeno extremo tende a provocar à passagem por zonas habitacionais.

Imagem Satelite
Evolução do Furacão Alex registada entre o início da tarde de dia quarta-feira, até às 13h00 de quinta-feira (Fonte: IPMA)

O furacão traz consigo ventos muito fortes e chuvas intensas. À falta de prevenção adequada, as consequências podem ser graves, como relatou ao site da RTP o professor do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa.

"O vento forte, para além da forte precipitação, pode ocasionar principalmente muitas quedas de árvores em locais onde as pessoas não estão à espera. Esperemos que não, espero que não tenha a sua maior intensidade e a sua maior expressão em algumas das cidades açorianas, mas caso aconteça é possível ver algumas árvores arrancadas".

Ciclones e furacões no verão
Os fenómenos extremos relacionados com ventos fortes, associados a aguaceiros fortes e pontuais, não são factos climáticos incomuns em Portugal.

Segundo a explicação dada à RTP pelo climatologista António Saraiva Lopes, a formação de pequenos ciclones ou a chegada de tempestades tropicais em fase terminal são frequentes no período de verão.

“As tempestades ou são depressões de sul ou são tempestades que estão associadas à frente polar e essas sim temos bastantes. A natureza das tempestades que nos chegam aqui a Portugal continental tem sido relativamente diferente destes fenómenos muito pontuais.”

Na quarta-feira, a tempestade tinha características de uma normal depressão tropical e não de tempestade tropical. E é por isso que os meteorologistas foram surpreendidos com a transição rápida.

Segundo alguns analistas, este fenómeno em particular aconteceu devido a elementos raros e anómalos.

Ao analisar o fenómeno, os peritos observaram que é raro ver uma forma de furacão acima de águas com uma temperatura mais fria do que 20 graus Celsius. No entanto, as temperaturas na atmosfera superior, nesta área do Atlântico, são extremamente frios, em torno de -60 graus Celsius.

De acordo com os especialistas, é esta diferença de temperatura que está a dar combustível à tempestade, tornando a atmosfera mais instável.



Por agora, o fenómeno climático está classificado como furacão. Mas apresenta já tendência para uma diminuição de intensidade.
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