Governo alemão dividido com eleições no horizonte

por RTP
Hannibal Hanschke, Reuters

Depois de o partido democrata-cristão ter mostrado interesse em coligar-se, na próxima legislatura, com os Verdes, é agora a vez de os social-democratas porem em causa um pilar estratégico da governação de Angela Merkel: a negociação com os EUA da Parceria Transatlântica para o Comércio e Investimento (TTIP).

Passaram apenas três dias sobre as notícias referentes a uma longa reunião entre a chanceler democrata-cristã Angela Merkel e o chefe do Governo regional de Baden-Würtemberg, o verde Winfried Kretschmann. Nessas notícias ficava claro que ambos os partidos - os Verdes e a CDU democrata-cristã - poderão vir a coligar-se a nível federal depois das eleições de 2017.

Os social-democratas não perderam tempo em acusar o toque, que o deixaria novamente na oposição. Hoje foi o vice-chanceler e ministro da Economia Sigmar Gabriel a reagir, sem mencionar explicitamente as conversações Merkel-Kretschmann, mas atingindo a chanceler num dos pontos mais vulneráveis da sua política: a negociação com os Estados Unidos sobre o TTIP.

Nas declarações que proferiu a esse respeito, Gabriel afirmou nomeadamente, segundo citação de Die Zeit: "Na minha opinião, as negociações fracassaram de facto, mesmo que ninguém o admita abertamente". Não se tratava, aliás, de um desses ex abrupti pelos quais é conhecido o líder social-democrata, visto que logo uma porta-voz social-democrata veio reiterar a convicção do partido sobre o fracasso das negociações.

Com a frase cirúrgica, Gabriel apontara ao ponto mais sensível da política externa alemã. Por um lado, trata-se de um pilar estratégico, no qual desde há vários anos vem sendo investido tempo e esforço -  agora por sinal sob a orientação de um social-democrata, o ministro dos Negócios Estrangeiros Frank-Walter Steinmeier.

Por outro lado, o TTIP vem sendo criticado por minar restrições que a legislação europeia impõe à actividade das multinacionais, nomeadamente no que diz respeito à defesa do consumidor, à saúde pública, às boas práticas ambientais e laborais. E os movimentos de opinião que têm feito dessas críticas cavalo de batalha obtêm ultimamente um eco favorável nos centros de poder, se não relativamente ao conteúdo mesmo das críticas, pelo menos relativamente à bondade do TTIP.

Assim, a pressa de Obama em fazer aprovar o Tratado provém da certeza de que um presidente Trump tem o compromisso de cancelar toda a negociação e da incerteza de que um presidente Clinton viesse a retomar essas negociações no ponto em que ficaram. Mas a pressa e o secretismo não bastaram para vencer as objecções europeias nem para dar suficiente alento aos partidários europeus de uma rápida conclusão. Depois de 14 rondas de negociações, ocorridas desde 2013, não há acordo na maioria dos 30 capítulos do acordo que estão em discussão. E, entretanto, tudo se complicou enormemente com a traumática vitória do "Brexit" no referendo britânico.

Assim sendo, não surpreende que as palavras de Gabriel tenham tocado num ponto sensível e desencadeado uma tempestade de irritação, desde logo nessa outra parceria que o SPD mantém, à frente do Governo federal alemão. Um porta-voz do Governo logo comentou secamente: "As negociações ainda não acabaram". Embora admitindo que se mantêm importantes divergências com os EUA em pontos significativos, o mesmo porta-voz insistiu: "Justifica-se continuar a negociar".

Ainda mais irritável mostrou-se o humor do chefe de bancada democrata-cristão no Bundestag, Michael Fuchs, ao dizer: "Espero do ministro da Economia da maior economia europeia que lute até ao fim pelo TTIP (...) Gabriel não tem aqui em vista o interesse do país, e sim a política partidária. Acho isso verdadeiramente irresponsável".

Sitnonizado com Fuchs, o secretário-geral da CDU, Peter Tauber, questionou mesmo a aptidão de Gabriel para manter a pasta da Economia no Governo, exemplificando as suas reservas com uma decisão recente tomada por Gabriel na sua qualidade de ministro.

A dirigiente verde Bärbel Höhn, por seu lado, sublinhou a incoerência de Gabriel por pôr em causa o TTIP sem submeter a idêntico escrutínio o tratado comercial euro-canadiano Ceta. Na crítica à incoerência, não ficava contudo claro que Höhn entende que faltou a crítica ao tratado com o Canadá ou se sobrou a crítica às negociações com os EUA.

Dirigentes patronais sucederam-se hoje durante o dia sob o foco dos media, a criticarem a declaração de Gabriel. Assim, o presidente da Câmara de Comércio Externo, Anton Börner, classificou o TTIP como uma oportunidade histórica que não se pode desperdiçar.

O presidente da confederação industrial Ulrich Grillo classificou a declaração de Gabriel como "politicamente questionável".

O presidente da Associação da Indústria Automóvel, Matthias Wissmann, comentou: "Em vez de renunciar por motivos de táctica partidária ao acordo, trata-se de intensificar o esforço por uma boa conclusão [das negociações]".
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