Noite em cheio para os democratas depois do fiasco com os emails

por RTP
Mark Kauzlarich, Reuters

A convenção democrata arrancou em força esta segunda-feira depois de os emails revelados pelo Wikileaks terem posto o partido a arder, com a presidente Debbie Wasserman Schultz forçada a demitir-se. Discursos fortes e com substância, ao contrário dos discursos da convenção republicana da semana passada, fizeram a primeira parte do prato principal da noite: a primeira-dama Michelle Obama seguida de Bernie Sanders.

Primeiro o que estava primeiro: a convenção não podia avançar sem antes resolver a trapalhada em que a cúpula do Partido Democrático se envolveu para impedir que Bernie Sanders vencesse as primárias e passasse à frente de Hillary Clinton como candidato democrata na corrida presidencial. O Comité Nacional dos Democratas chegou-se à frente e deixou o pedido de desculpas devido ao senador do Vermont.

“Em nome de todos os membros do Comité Nacional dos Democratas queremos apresentar um profundo e sincero pedido de desculpas ao senador Bernie Sanders, aos seus apoiantes e a todo o Partido democrático pelos indesculpáveis comentários que surgem nos emails”, escreveu a presidente interina Donna Brazile.

Quando Bernie Sanders entrou em cena teve de esperar uns bons cinco minutos para que então pudesse falar. Os aplausos eram tão ensurdecedores que mal se ouviam os “obrigado” do senador.

Antes dele já o discurso da primeira-dama havia sido poderoso. Michelle Obama aqueceu a sala ao compartilhar a sua própria experiência nestes dois mandatos na Casa Branca. E, pelo caminho, arrasou por completo o candidato Donald Trump sem sequer ter mencionado o seu nome. Melania Trump devia estar a tomar notas e tinha boas razões para isso.

Sobre os cenários negros traçados por Trump para convencer os americanos de uma necessidade de mudança, a primeira-dama lembrou que esta “eleição, como todas as eleições, tem a ver com quem terá o poder para moldar as nossas crianças durante os próximos quatro ou oito anos das suas vidas”.

Mas a frase da noite seria outra e ficará nos livros de História: “Eu acordo todos os dias numa casa construída por escravos”. Não é uma sentença separada, mas o ataque a uma das máximas da campanha de Trump: apesar da ameaça da segregação, houve quem continuasse a lutar. E foi essa luta que permitiu que um negro se tornasse presidente, o senhorio da Casa Branca, construída por escravos.

“Por causa de Hillary Clinton, todos os nossos filhos têm agora garantido que uma mulher pode ser presidente dos Estados Unidos”. Por isso, “que ninguém vos diga que este país não é grande, que é preciso fazer da América grande de novo, porque este é o melhor país que existe na Terra”.

“Eu estou aqui esta noite porque nesta eleição existe apenas uma pessoa em quem confio… apenas uma pessoa que acredito ser verdadeiramente qualificada para ser presidente dos Estados Unidos e essa pessoa é a nossa amiga Hillary Clinton”. Nesta altura, Bill, antigo presidente e marido de Hillary, irrompeu num aplauso agradecido. Por si só, o discurso de Michelle Obama já tinha valido o bilhete para o Wells Fargo Center de Filadélfia.
Mas faltava Bernie. Vinha acertar contas?

Se Michelle deixou a sala com um aplauso em pé, foi também assim que uma meia hora depois os presentes receberam Bernie Sanders, o candidato que disputou a eleição com Hillary até à recta final da nomeação democrata, vencido mas não convencido. E com razão, como viriam a provar os emails. Para sempre ficará a dúvida sobre o que teria acontecido se a máquina democrata tivesse sido bem calibrada.

E talvez por isso houvesse um sentimento na sala de que havia contas por acertar. Muito bem, já tinha sido apresentado o pedido de desculpas do partido e havia agora que reagrupar as tropas e garantir que os eleitores do “socialista” não saíam em debandada. Porque Hillary precisa deles como pão para a boca a 8 de Novembro. Se não os tiver do seu lado, Trump será o próximo presidente dos Estados Unidos.

E Bernie não fez concessões artificiais. Entrou ao ataque, pôs o dedo na ferida, explicou que houve ali coisas nas primárias que não foram correctas, que os seus apoiantes não mereciam a forma como foi tratada a sua candidatura. A sala chegou a ficar num impasse por momentos. Havia apoiantes de Bernie em lágrimas e os apoiantes de Hillary hesitavam em aplaudir.

Uma coisa é certa e pode dizer alguma coisa sobre a diferença entre os candidatos democrata e republicano. Bernie fez por Hillary o que Ted Cruz não fez por Trump.Na verdade, o candidato democrata derrotado decidira fazer na convenção o seu derradeiro comício. E levou ao Wells Fargo Center todos os temas que lhe são queridos, sempre com Trump na mira. Mas não hesitou em deixar alguns conselhos a Hillary, recados que se notou querer ver cumpridos em troca da entrega dos seus eleitores a 8 de novembro.

Pelo caminho acusou os media de terem perdido demasiado tempo com o que não interessava, para explicar que esta eleição tem a ver com o que os americanos querem para o futuro, é sobre a pobreza [na classe média], a desigualdade de rendimentos entre homens e mulheres e entre os mais ricos e os mais pobres.

Sanders apontou o dedo a décadas de governação republicana que – defendeu – levaram o país a um estado de recessão crónica e elogiou Barack Obama e o vice-presidente Joe Biden por terem quebrado esse ciclo negativo nos últimos sete anos e meio.

Sobre Donald Trump, lamentou que ao invés de unir em torno de um esforço comum, se dedique a insultar tudo e todos: “Enquanto Trump está ocupado a insultar um grupo a seguir ao outro, Hillary percebe que as nossas diferenças são a nossa maior força (…) Nestes tempos difíceis, esta eleição deve ser sobre unir as pessoas, não dividi-las”.

E foi com base nesta argumentação que ao fim de meia hora Bernie Sanders pronunciou a frase por que todos aguardavam: “Com base nas suas ideias e liderança, Hillary Clinton tem de ser a próxima presidente dos Estados Unidos”.


“Estou ansioso pelos vossos votos na chamada de amanhã à noite” - estava feito. Uma coisa é certa e pode dizer alguma coisa sobre a diferença entre os candidatos democrata e republicano. Bernie fez por Hillary o que Ted Cruz não fez por Trump. Ao ponto de confrontar o candidato milionário no Twitter.
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