ONU defende direito ao aborto na América Latina devido ao vírus Zika

por Graça Andrade Ramos - RTP
Rosana Vieira Alves, em sua cada em Olinda, Brasil, dia 3 de fevereiro de 2016, pega ao colo na sua filha, Luana, de quatro meses, nascida com microcefalia. Ueslei Marcelino - RTP

As Nações Unidas apelaram às autoridades dos países da América Latina mais afetados pelo vírus Zika que autorizem o acesso das mulheres à contraceção ou ao aborto, devido às suspeitas crescentes de que o vírus provoca malformações neurológicas nos fetos, nomeadamente a microcefalia.

Já nos Estados Unidos, as autoridades recomendam a abstinência de relações sexuais ou o uso de preservativo aos americanos que regressem de países onde está espalhado o vírus, depois de um caso esta semana no Texas ter indicado que a transmissão do Zika por via sexual parece possível.

No Brasil foi registado o primeiro caso de contágio por via sanguínea. E há casos de deteção do vírus no sangue e na saliva, embora não esteja confirmada a possibilidade de transmissão por essa via.

A OMS - Organização Mundial de Saúde -, que classifica a epidemia como de emergência para a saúde pública, reconheceu quinta-feira por seu lado como "adequada" a proibição das dádivas de sangue por parte de pessoas vindas recentemente dos países mais afetados pela epidemia.

ONU indignada
O vírus Zika,até agora transmitido sobretudo por picada de mosquito, tem-se propagado de forma exponencial na América Latina.

A questão do aborto, proposto pela ONU, é sensível na região, onde a maioria das pessoas rejeitam a sua legalização exceto em situações muito específicas, como o perigo para a saúde da mãe (caso da Colômbia e do Equador). Em El Salvador a prática do aborto incorre numa pena de até 40 anos de prisão.

O aborto e a pílula anticoncecional são proibidos em vários países na região mas os Governos locais têm aconselhado as mulheres a evitar engravidar devido ao risco de contrair Zika.

Uma medida que está a indignar responsáveis da ONU, referindo-a como inútil, já que estão proibidos ou são muito limitados os acessos a métodos de planeamento familiar como o aborto ou a contraceção defendidos pelas Nações Unidas.

"Como podem eles pedir a estas mulheres que não engravidem mas não lhe dar a possibilidade de impedir a gravidez?", perguntou indignada em conferência de imprensa a porta-voz do Alto Comissariado dos Direitos Humanos, Cécile Poully.
A ministra da Saúde de El Salvador, Violeta Menjivar, garantiu que os contracetivos estão agora mais disponíveis nos hospitais públicos do país, renovando o seu apelo às mulheres "para que pensem de forma responsável."
"O conselho dado às mulheres de atrasar a gravidez ignora o facto de que muitas delas não têm simplesmente o poder de decidir se e quando elas querem engravidar, num meio ambiente onde a violência sexual é moeda corrente", considerou por seu lado o alto-comissário da ONU para os Direitos Humanos, Zeid Ra'ad Al Hussein, em comunicado.

Al Hussein apelou os governos a "garantirem que as mulheres, os homens e os adolescentes tenham acesso a serviços e informações de qualidade sobre a saúde e a reprodução, sem discriminação", através do direito à contraceção e ao aborto num ambiente seguro.
Debate no Brasil
A epidemia reabriu também o debate sobre o aborto no Brasil, o maior país católico do mundo e também o país mais atingido pelo Zika, onde os bebés com microcefalia nascidos nos últimos meses ascendem já a milhares.

No país estão contaminadas com Zika pelo menos 1,5 milhões de pessoas. Desde outubro nasceram 404 bebés brasileiros com microcefalia, contra 147 confirmados em todo o ano de 2014. Existem outros 3.670 casos associados sem certezas científicas ao vírus Zika.

A lei brasileira só permite o aborto em caso de violação, quando a vida da mãe esteja em perigo ou no caso de fetos acéfalos (sem cérebro).

Um grupo de militantes, de advogados e de médicos pró-aborto, lançaram agora uma batalha legal no Supremo Tribunal para que seja autorizado o aborto no caso de microcefalias ou quando as mulheres grávidas infetadas com o Zika não queiram levar a gravidez a termo.
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