Trump responde com balas ao punhal republicano

por Andreia Martins - RTP
"Assegurem-se de votar no dia 28 de novembro", disse Donald Trump aos apoiantes Mike Segar - Reuters

A menos de um mês das eleições, o candidato republicano vê-se sem o apoio de nomes proeminentes do partido e do seu eleitorado tradicional. Depois da condenação generalizada das declarações sexistas, registadas em vídeo e divulgadas na semana passada, sentem-se abalos avassaladores na campanha, que rapidamente levariam à desistência de um candidato. Mas Donald Trump recusa-se a abandonar a corrida e até gratifica a quem lhe retira os apoios, dizendo-se enfim livre.

“É tão bom que me tenham retirado as amarras, agora posso lutar pela América como me apetecer”. É esta a leitura que Donald Trump faz sobre as mossas que a sua campanha sofreu ao longo da última semana. Na sua ativa e polémica conta no Twitter, como tem sido de resto comum nos longos meses de campanha, tanto nas primárias como nas presidenciais, o candidato republicano acusa os companheiros de partido de serem “desleais”. 



Depois do segundo debate televisivo entre os dois candidatos e a menos de um mês das eleições, a corrida à Casa Branca é cada vez mais atribulada muito por culpa do candidato imprevisto, e que agora se vê cada vez mais órfão de partido. 

As declarações explosivas registadas em vídeo em 2005 e publicadas na passada sexta-feira pelo jornal The Washington Post foram para muitos a gota de água. Ao longo dos últimos dias, muitas foram as pressões para que Donald Trump cedesse o seu lugar ao vice-presidente, Mike Pence, que foi aliás muito duro nas suas críticas ao candidato que apoia, mas que acabou por resistir ao abalo

Ao fim de um ano a prometer muros, a atacar minorias e a pisar o risco do politicamente correto, grande parte dos republicanos perdeu a paciência e viu-se obrigada a negar o apoio a Donald Trump. As declarações “misóginas” e “machistas”, como muitos as classificaram, provocaram um terramoto sem precedentes na campanha e afastaram os clássicos apoiantes de candidatos republicanos, entre eles Paul Ryan, presidente da Câmara dos Representantes, que retirou oficialmente o seu apoio na última segunda-feira.

“Eu não quero o apoio dele, não quero saber se me apoia ou não”, reagiu o candidato republicano, em declarações à Fox News na passada terça-feira.  

Mas voltamos ao Twitter de Donald Trump e vemos mais críticas de um candidato que sempre roçou os limites do GOP, partido que enfrentou desde cedo as dificuldades estruturais em assumir plenamente a polémica candidatura como sua. 

O vernáculo de Donald Trump colapsou por completo com os fracos apoios do establishment partidário que lhe restavam, mas a resposta do candidato não se fez esperar. Diz que Paul Ryan é um líder “fraco e ineficaz” e vai mais longe, ao dizer que os democratas são mais leais do que o seu próprio partido. 

“Com a exceção de traírem Bernie [Sanders] e de lhe terem retirado a nomeação, os democratas sempre provaram ser mais leais do que os republicanos”, pode ler-se na rede social do candidato. 

Evangélicos viram costas
Líderes e caras conhecidas à parte, o maior golpe provocado por este episódio rumo às eleições de 8 de novembro será mesmo mesmo entre os cristãos evangélicos, apoiantes tradicionais dos candidatos republicanos e que contam com forte presença nos Estados Unidos, sobretudo mais a sul. 

O jornal britânico The Telegraph noticia esta quarta-feira que as perdas neste campo são colossais desde a divulgação do vídeo. De acordo com uma sondagem da Reuters/Ipso, Donald Trump conta apenas com um ponto percentual de vantagem sobre Hillary Clinton entre o eleitoral que se classifica como “evangélico”.  

Se olharmos para os mesmos dados em julho último, a distância que separava os dois candidatos chegava aos 12 por cento, uma vantagem massiva entre o eleitorado religioso que normalmente é garantida em antemão aos candidatos do Grand Old Party. 

No entanto, na eleição de 2016, a história será outra. A revista Christianity Today, uma importante publicação religiosa, defende em editorial que os cristãos não deveriam apoiar um candidato cuja vida é fundada em “idolatria, cobiça e imoralidade sexual”.

“Os evangélicos, entre todas as pessoas, não devem ficam em silêncio perante a imoralidade flagrante de Donald Trump”, pode ler-se na publicação.

Apesar de reconhecer a posição “difícil” em que estes eleitores se encontram na presente campanha, dada a hostilidade perante muitas ideias conotadas com o Partido Democrático, a Christianity Today contrapõe as controversas declarações do candidato republicano a várias passagens bíblicas e fala em “ostentação vil e brutal sobre conquistas sexuais, ou abusos sexuais”, que “chocam, mas não deviam ter surpreendido ninguém”. 

Também o influente teólogo Wayne Grudem retirou oficialmente o seu apoio e diz-se “arrependido” de não ter condenado mais cedo o caráter de Donald Trump e pede ao candidato que retire a sua candidatura. 

Alguns religiosos defendem, no entanto, que as declarações de Donald Trump não são suficientemente graves para admitirem votar em Hillary Clinton, considerando que as políticas “criminosas” da candidata democrata em relação ao aborto se sobrepõem aos comentários condenáveis do republicano, como constata The Telegraph.  
Os dias finais de Trump
A revista norte-americana Politico ouviu alguns dos maiores especialistas em política e biógrafos de Donald Trump que têm acompanhado de perto a campanha. As opiniões são praticamente unânimes: “Será um homem muito perigoso nas próximas três ou quatro semanas”. 

Em declarações aos jornalistas, os peritos Wayne Barrett, Gwenda Blair, Michael D’Antonio, and Timothy O’Brien confessaram que não ficaram surpreendidos com o vídeo recentemente vindo a público. Donald Trump é assim mesmo, como sempre foi, e o público norte-americano só agora o começa a conhecer verdadeiramente.

No entanto, a autenticidade poderá ter custos acrescidos na contagem dos votos. Segundo o Washington Post, se a eleição fosse hoje, Hillary Clinton contaria com 341 votos do Colégio Eleitoral, muito mais do que os 270 necessários para garantir a vitória. Donald Trump teria apenas 197 votos, muito longe do necessário para chegar à Casa Branca. 

A sondagem combina o mapa eleitoral norte-americano com as mais recentes sondagens agregadas pelo RealClearPolitics, e oferece por isso uma perspetiva atualizada e próxima da realidade. 


Nos Estados Unidos, o complexo sistema eleitoral tem em conta não só os votos de cada cidadão mas também o peso de cada Estado no colégio eleitoral. Na prática, os eleitores votam indiretamente no seu candidato, que arrecada todos os votos de um Estado, e por isso muito fica por decidir entre os swing states, cujo pendor é sempre incerto e pode, de resto, decidir uma eleição, como foi evidente em 2000, na disputa entre Al Gore e George W. Bush.

Em 2016, a incerteza parece, nesta altura, bastante reduzida. Apesar das constantes polémicas que recordam amargamente Hillary Clinton do uso indevido de e-mails durante o tempo que foi Secretária de Estado da administração Obama, a democrata leva vantagem folgada em todas as sondagens. Em alguns casos, Hillary Clinton arrecada quase dez por cento de pontos percentuais acima de Trump. Na página do jornal The New York Times, a democrata conta hoje com 88 por cento de hipóteses de vencer.

Mais não seja porque os eleitores de Trump têm desculpa para se enganarem no dia de acorrer às urnas. Numa ação de campanha esta terça-feira à noite, em Panama City, na Florida, o candidato republicano pediu aos seus apoiantes para se registarem e votarem no dia 28 de novembro, quando as eleições presidenciais acontecem vinte dias antes.

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