O Adeus a Mário Soares. Dos Jerónimos aos Prazeres em homenagem ao "pai da democracia"

por Christopher Marques - RTP

O último adeus, o percurso final, a derradeira homenagem. O corpo de Mário Alberto Nobre Lopes Soares repousa agora no Cemitério dos Prazeres depois de um dia rico em homenagens públicas. O Mosteiro dos Jerónimos acolheu a sessão solene, antes de a urna rumar em cortejo até ao cemitério dos Prazeres. Os portugueses nas ruas acenaram, gritaram e emocionaram-se na despedida ao antigo Presidente da República.

O segundo dia das cerimónias em honra de Mário Soares começou da mesma forma como tinha terminado a segunda-feira. Milhares de pessoas afluíram ao Mosteiro dos Jerónimos, onde o corpo permaneceu em câmara ardente até às 11h00.

Uma homenagem individual, um tempo de reflexão antes do início da sessão solene que teve início pelas 13h00 nos claustros. A sessão evocativa de homenagem teve início com o hino nacional, tocado e cantado pelo coro e orquestra do Teatro Nacional de São Carlos no Mosteiro dos Jerónimos.

Foi neste local que, a 12 de junho de 1985, Mário Soares assinou o Tratado de Adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia. Nos Jerónimos voltou a ouvir-se parte do discurso que Soares pronunciara há 31 anos. Coube ao filho João Soares ser o primeiro a discursar na cerimónia solene.

O filho de Mário Soares recordou a luta do pai antes e depois do 25 de Abril, tendo ainda detalhado uma visita que lhe fez antes de Soares ser enviado para São Tomé. “Respeito, adoração e ternura pelo meu pai”, afirma João Soares que recordou também o papel da mãe, Maria Barroso, na vida da família.

João Soares, de cravo vermelho na lapela, deixou uma palavra de agradecimento a todos os que prepararam e participaram na homenagem antes de rematar: “Adeus, meu querido pai”.
"Quando eu morrer..."
As palavras de João Soares deram lugar àquele que foi um dos mais emocionantes momentos do dia. Nos claustros dos Jerónimos ouviu-se a voz de Maria Barroso, a mulher de Mário Soares,  a declamar "Os dois sonetos de amor da hora triste” de Álvaro Feijó.

Isabel Soares não conteve as lágrimas e foi ainda com a voz embargada que se dirigiu ao palco para o segundo discurso da sessão solene.

A filha do fundador do Partido Socialista lembrou os "tempos difíceis das prisões, da deportação para são Tomé e do exílio em Paris" mas, frisou, "nem durante esse tempo" se ouviu de Mário Soares um "queixume, uma palavra de desalento ou desânimo".

"Nos dias cinzentos e de chumbo da ditadura, quando o íamos visitar ao parlatório a Aljube ou a Caxias, cheios de raiva contida e de lágrimas, porque a mãe ou o avô nos diziam que não podíamos chorar na presença dos 'pides', era ainda e sempre o pai que nos dava alento, nos consolava e dava ânimo", recordou.

Terminados os discursos da família, seguiram-se as intervenções do poder político. António Costa marcou presença através de um vídeo de dez minutos gravado na Índia, onde o chefe de Governo se encontra em visita oficial.

O primeiro-ministro recordou Mário Soares como um “cidadão do mundo” e assinalou como foi “em momentos decisivos, o rosto e a voz da nossa liberdade”. Para Costa, Soares foi sempre inspirado pela mesma “grande visão humanista”.


"Com ela, configurou o Portugal democrático e foi o autor das suas opções fundamentais, tornando-se o principal fundador da nossa democracia e um dos portugueses mais prestigiados no mundo. Com esta visão, construiu o Estado de direito social e fez reformas que tornaram Portugal um outro e melhor país", afirmou.
"A visão dos grandes estadistas"

Ao discurso gravado de Costa sucederam as palavras de Ferro Rodrigues. O presidente da Assembleia da República lembrou Soares como alguém que “tinha a visão dos grandes estadistas e a intuição dos grandes políticos" e "pôs sempre Portugal em primeiro lugar".

"Tinha uma sintonia impressionante com o povo português. Os portugueses conheciam-no e ele conhecia bem Portugal e os portugueses", afirmou.

Citando o dramaturgo e poeta alemão Bertolt Brecht, o presidente do Parlamento colocou Soares entre os imprescindíveis: "Há homens que lutam um dia e são bons, há outros que lutam um ano e são melhores, e há os que lutam muitos anos e são muito bons. Mas há os que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis".

Coube ao Presidente da República proferir as últimas palavras da sessão solene. Marcelo Rebelo de Sousa recordou Soares como um "singular humanista e construtor de portugalidade". "Um homem que fez história, mesmo quando tantos de nós nos recusávamos a reconhecê-lo", afirmou.

O Presidente da República afirmou que "nestes Jerónimos se convocam a história que [Mário Soares] estudou, antes de a fazer, a cultura que criou com talento e com deleite, e o ecumenismo que foi o corolário inevitável da sua inteligência e da sua liberdade".

Terminado o discurso do Presidente, o hino nacional encerrou a sessão solene. A urna foi transportada para fora do Mosteiro dos Jerónimos, regressando ao armão militar que a transportaria até ao Cemitério dos Prazeres.
Belém e São Bento
Seis F-16 da Força Aérea sobrevoaram os céus da zona de Belém sob aplausos de centenas de pessoas que ali se encontravam e que à distância acompanharam a sessão solene. Começava ali o cortejo, a derradeira viagem de Mário Soares até à sua última morada.

O Palácio de Belém foi a primeira paragem. O armão militar parou junto ao Palácio Presidencial onde Mário Soares e a família viveram durante dez anos. Nos jardins, os funcionários prestaram uma última homenagem.

O cortejo seguiu até à avenida D. Carlos I, onde centenas de pessoas viram em silêncio passar o armão que transportava o corpo do antigo chefe de Estado. No topo da avenida, a Assembleia da República e a Fundação Mário Soares esperavam para despedir-se do histórico socialista.

A prometida salva de palmas concretizou-se. O cortejo fúnebre do antigo chefe de Estado Mário Soares recebeu o aplauso de deputados, funcionários e cidadãos à passagem pelo Parlamento e fundação com o seu nome, em São Bento.


O presidente da Assembleia da República, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno Santos, vice-presidentes e secretários da Mesa do parlamento, deputados de todos os partidos, antigos tribunos e numerosos funcionários saudaram o também ex-primeiro-ministro e fundador do PS.
Emoção no Rato

As paragens eram breves e o armão rapidamente seguiu rua de São Bento acima. Ao fundo da rua, a maior de todas as ovações junto à sede do partido que Soares ajudou a fundar.

Anónimos e conhecidos socialistas aguardavam no Rato por um dos heróis do Portugal democrático. Ainda não eram 15h30 quando a urna ali chegou. Gritou-se pelo PS, retomou-se o “Soares é fixe” e o “Soares amigo, o povo está contigo” dos tempos revolucionários.

A sede do partido ao qual o seu nome ficará ligado foi o último interregno no percurso até ao Cemitério dos Prazeres. Chegado à praça João Bosco, o corpo do ex-Presidente foi recebido por honras fúnebres pelos militares dos três ramos das Forças Armadas em parada, com centenas de cidadãos a aplaudir.

A urna foi retirada do armão por militares da GNR e transportada para o cemitério dos Prazeres. A entrada fez-se ao som da Marcha Fúnebre, tocada pela Banda do Exército, e de três salvas de tiros disparadas pelos três ramos das Forças Armadas.

Preparavam-se os minutos finais das cerimónias públicas. A urna foi colocada junto à capela e ouviu-se a voz de Mário Soares no cemitério dos Prazeres. Foi transmitido um excerto do tempo de antena da campanha presidencial de 1986.

“A verdade não pertence em exclusivo a ninguém e não há nada que substitua a tolerância”, ouviu-se pela voz do ex-primeiro-ministro.


O fim das cerimónias fez-se com a entrega das insígnias de Mário Soares à família. Das mãos do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, João e Isabel Soares receberam a bandeira nacional que cobriu a urna.

Enquanto o Presidente entregava a bandeira, uma salva de 21 tiros de artilharia eram disparados pela Marinha Portuguesa numa corveta fundeada no Tejo. Era o ponto final nas cerimónias públicas. O fim do primeiro funeral de Estado desde abril de 1974

O corpo de Mário Soares chegou esta tarde ao cemitério dos Prazeres, em Campo de Ourique, depois de ter saído do Mosteiro dos Jerónimos, onde esteve em câmara ardente desde domingo. Créditos fotográficos: Nuno Patrício e Pedro A. Pina.


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