O último adeus, o percurso final, a derradeira homenagem. O corpo de Mário Alberto Nobre Lopes Soares repousa agora no Cemitério dos Prazeres depois de um dia rico em homenagens públicas. O Mosteiro dos Jerónimos acolheu a sessão solene, antes de a urna rumar em cortejo até ao cemitério dos Prazeres. Os portugueses nas ruas acenaram, gritaram e emocionaram-se na despedida ao antigo Presidente da República.
Uma homenagem individual, um tempo de reflexão antes do início da sessão solene que teve início pelas 13h00 nos claustros. A sessão evocativa de homenagem teve início com o hino nacional, tocado e cantado pelo coro e orquestra do Teatro Nacional de São Carlos no Mosteiro dos Jerónimos.
Foi neste local que, a 12 de junho de 1985, Mário Soares assinou o Tratado de Adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia. Nos Jerónimos voltou a ouvir-se parte do discurso que Soares pronunciara há 31 anos. Coube ao filho João Soares ser o primeiro a discursar na cerimónia solene.
O filho de Mário Soares recordou a luta do pai antes e depois do 25 de Abril, tendo ainda detalhado uma visita que lhe fez antes de Soares ser enviado para São Tomé. “Respeito, adoração e ternura pelo meu pai”, afirma João Soares que recordou também o papel da mãe, Maria Barroso, na vida da família.
João Soares, de cravo vermelho na lapela, deixou uma palavra de agradecimento a todos os que prepararam e participaram na homenagem antes de rematar: “Adeus, meu querido pai”.
"Quando eu morrer..."
As palavras de João Soares deram lugar àquele que foi um dos mais emocionantes momentos do dia. Nos claustros dos Jerónimos ouviu-se a voz de Maria Barroso, a mulher de Mário Soares, a declamar "Os dois sonetos de amor da hora triste” de Álvaro Feijó.
Isabel Soares não conteve as lágrimas e foi ainda com a voz embargada que se dirigiu ao palco para o segundo discurso da sessão solene.
A filha do fundador do Partido Socialista lembrou os "tempos difíceis das prisões, da deportação para são Tomé e do exílio em Paris" mas, frisou, "nem durante esse tempo" se ouviu de Mário Soares um "queixume, uma palavra de desalento ou desânimo".
"Nos dias cinzentos e de chumbo da ditadura, quando o íamos visitar ao parlatório a Aljube ou a Caxias, cheios de raiva contida e de lágrimas, porque a mãe ou o avô nos diziam que não podíamos chorar na presença dos 'pides', era ainda e sempre o pai que nos dava alento, nos consolava e dava ânimo", recordou.
Terminados os discursos da família, seguiram-se as intervenções do poder político. António Costa marcou presença através de um vídeo de dez minutos gravado na Índia, onde o chefe de Governo se encontra em visita oficial.
O primeiro-ministro recordou Mário Soares como um “cidadão do mundo” e assinalou como foi “em momentos decisivos, o rosto e a voz da nossa liberdade”. Para Costa, Soares foi sempre inspirado pela mesma “grande visão humanista”.
"Com ela, configurou o Portugal democrático e foi o autor das suas opções fundamentais, tornando-se o principal fundador da nossa democracia e um dos portugueses mais prestigiados no mundo. Com esta visão, construiu o Estado de direito social e fez reformas que tornaram Portugal um outro e melhor país", afirmou.
"A visão dos grandes estadistas"
Ao discurso gravado de Costa sucederam as palavras de Ferro Rodrigues. O presidente da Assembleia da República lembrou Soares como alguém que “tinha a visão dos grandes estadistas e a intuição dos grandes políticos" e "pôs sempre Portugal em primeiro lugar".
"Tinha uma sintonia impressionante com o povo português. Os portugueses conheciam-no e ele conhecia bem Portugal e os portugueses", afirmou.
Citando o dramaturgo e poeta alemão Bertolt Brecht, o presidente do Parlamento colocou Soares entre os imprescindíveis: "Há homens que lutam um dia e são bons, há outros que lutam um ano e são melhores, e há os que lutam muitos anos e são muito bons. Mas há os que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis".
Coube ao Presidente da República proferir as últimas palavras da sessão solene. Marcelo Rebelo de Sousa recordou Soares como um "singular humanista e construtor de portugalidade". "Um homem que fez história, mesmo quando tantos de nós nos recusávamos a reconhecê-lo", afirmou.
O Presidente da República afirmou que "nestes Jerónimos se convocam a história que [Mário Soares] estudou, antes de a fazer, a cultura que criou com talento e com deleite, e o ecumenismo que foi o corolário inevitável da sua inteligência e da sua liberdade".
Terminado o discurso do Presidente, o hino nacional encerrou a sessão solene. A urna foi transportada para fora do Mosteiro dos Jerónimos, regressando ao armão militar que a transportaria até ao Cemitério dos Prazeres.
Belém e São Bento
Seis F-16 da Força Aérea sobrevoaram os céus da zona de Belém sob aplausos de centenas de pessoas que ali se encontravam e que à distância acompanharam a sessão solene. Começava ali o cortejo, a derradeira viagem de Mário Soares até à sua última morada.
O Palácio de Belém foi a primeira paragem. O armão militar parou junto ao Palácio Presidencial onde Mário Soares e a família viveram durante dez anos. Nos jardins, os funcionários prestaram uma última homenagem.
O cortejo seguiu até à avenida D. Carlos I, onde centenas de pessoas viram em silêncio passar o armão que transportava o corpo do antigo chefe de Estado. No topo da avenida, a Assembleia da República e a Fundação Mário Soares esperavam para despedir-se do histórico socialista.
A prometida salva de palmas concretizou-se. O cortejo fúnebre do antigo chefe de Estado Mário Soares recebeu o aplauso de deputados, funcionários e cidadãos à passagem pelo Parlamento e fundação com o seu nome, em São Bento.
O presidente da Assembleia da República, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno Santos, vice-presidentes e secretários da Mesa do parlamento, deputados de todos os partidos, antigos tribunos e numerosos funcionários saudaram o também ex-primeiro-ministro e fundador do PS.
Emoção no Rato
As paragens eram breves e o armão rapidamente seguiu rua de São Bento acima. Ao fundo da rua, a maior de todas as ovações junto à sede do partido que Soares ajudou a fundar.
Anónimos e conhecidos socialistas aguardavam no Rato por um dos heróis do Portugal democrático. Ainda não eram 15h30 quando a urna ali chegou. Gritou-se pelo PS, retomou-se o “Soares é fixe” e o “Soares amigo, o povo está contigo” dos tempos revolucionários.
A sede do partido ao qual o seu nome ficará ligado foi o último interregno no percurso até ao Cemitério dos Prazeres. Chegado à praça João Bosco, o corpo do ex-Presidente foi recebido por honras fúnebres pelos militares dos três ramos das Forças Armadas em parada, com centenas de cidadãos a aplaudir.
A urna foi retirada do armão por militares da GNR e transportada para o cemitério dos Prazeres. A entrada fez-se ao som da Marcha Fúnebre, tocada pela Banda do Exército, e de três salvas de tiros disparadas pelos três ramos das Forças Armadas.
Preparavam-se os minutos finais das cerimónias públicas. A urna foi colocada junto à capela e ouviu-se a voz de Mário Soares no cemitério dos Prazeres. Foi transmitido um excerto do tempo de antena da campanha presidencial de 1986.
“A verdade não pertence em exclusivo a ninguém e não há nada que substitua a tolerância”, ouviu-se pela voz do ex-primeiro-ministro.
O fim das cerimónias fez-se com a entrega das insígnias de Mário Soares à família. Das mãos do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, João e Isabel Soares receberam a bandeira nacional que cobriu a urna.
Enquanto o Presidente entregava a bandeira, uma salva de 21 tiros de artilharia eram disparados pela Marinha Portuguesa numa corveta fundeada no Tejo. Era o ponto final nas cerimónias públicas. O fim do primeiro funeral de Estado desde abril de 1974